A "nova" Extrema-direita Europeia

Cartaz de Propaganda Nazi para o Leste Europeu, associando o Comunismo como um ramo do "Judaísmo Internacional"

Artigo de João Freitas, estudante de História na Universidade do Porto – Portugal

Data 23 de Fevereiro 2018



      Não é facto desconhecido de que, nos últimos tempos, se tem assistido a um crescimento político e eleitoral de forças de extrema-direita, racistas e fascistas/semifascistas. Em muitos países da Europa Centro-Oriental constatamos que algumas dessas forças fazem parte de coligações governamentais e, noutros casos, formam o governo.


      Michael Löwy constata que “o fenômeno não encontra precedentes desde os anos 1930” (LÖWY, 2015, p.653). Porém, a situação atual da Europa difere da conjuntura dos anos 30 do século XX. De uma forma bastante geral, basta recordar que em 1933 dois dos principais países do eixo central europeu (Itália e Alemanha) tinham regimes fascistas e, por seu turno, também as esquerdas – nas suas vertentes marxista, anarquista ou social-democrata – tinham um peso sociopolítico muito mais forte (recordemos os governos da Front Populaire de Leon Blum, ou a Einheitsfront na Alemanha de Weimar e a Frente Popular que venceu as eleições espanholas pré-Guerra Civil de Espanha; não esquecendo que a existência da União Soviética constituía uma prova concreta de que era exequível o derrube de um governo e construção de uma nova entidade política, ao mesmo tempo que se apresentava como um possível modelo para a edificação de uma nova sociedade). Será também pertinente mencionar que a Europa entre guerras (1919-1939) tinha à flor da pele as marcas daquele que havia sido o conflito mais sangrento até então – a I Guerra Mundial, a primeira guerra de massas – e estava acossada pela crise económica de 1929. Atualmente, apenas a crise económica flagela o continente europeu. Outro ponto que marca a diferença é que as elites europeias dos tempos atuais olham com desconfiança o nacionalismo económico, demonstrando-se mais favoráveis ao projeto neoliberal e globalizante.

     Nos dias que correm, a(s) extrema(s)-direita(s) apresentam projetos diversos, onde vemos partidos claramente neonazis/neofascistas – o Aurora Dourada, na Grécia; o NPD, na Alemanha; ou o Pravyy Sektor, na Ucrânia –, partidos semifascistas, com “fortes componentes fascistas, mas que não se inserem no padrão fascista clássico” (LÖWY, 2015, 655) – Frente Nacional, na França; FPÖ, na Áustria; e o AFD, na Alemanha –, finalmente, encontramos partidos que, embora não possuam essas componentes fascistas, apresentam propostas xenófobas, anti-imigrantes e racistas – UDC, na Suíça; ou o UKIP, no Reino Unido.

      Este crescimento da extrema-direita tem sido muitas vezes relacionado com a crise económica, explicação que para mim é verdadeira, mas ao mesmo tempo insuficiente. Para melhor o demonstrar, irei falar de dois casos, a extrema-direita Austríaca (FPÖ) e a extrema-direita na antiga Europa de Leste.

      No caso austríaco, o FPÖ, atualmente, participa num governo de coligação com um partido conservador/liberal (ÖVP), no qual detêm as pastas da Administração Interna e Negócios Estrangeiros. De uma forma geral, a economia austríaca foi poupada pela crise, mas as propostas da direita racista e xenófoba foram conquistando cada vez mais o eleitorado, assentando a sua argumentação no ponto de que o imigrante estrangeiro – especialmente o do Oriente Médio e África – é o grande responsável pela crise social e de “valores”. O FPÖ, apesar de na sua origem encontrarmos membros que fizeram parte das forças políticas que colaboraram com os Nazis na II Guerra Mundial e, inclusivamente, o seu líder atual – Heinz-Christian Strache – durante a juventude ter participado nos movimentos neonazis vienenses, o partido procura cortar todas as suas ligações ao passado nazi, ou quando abordado o assunto da colaboração nazi por parte da Áustria, usa e abusa do revisionismo histórico e de uma relativização do passado, procurando dar uma nova imagem ao Fascismo, muito inspirada nos trabalhos de historiadores como Ernst Nolte e Renzo De Felice.
      Na Europa Oriental, o cataclismo social e económico causado pela transição “democrática” para o capitalismo, dirigida por oligarquias apoiadas nos partidos liberais e sociais-democratas que surgiram pós-1989, criaram as condições favoráveis para o surgimento dessas forças políticas. A entrada para um mundo globalizado (homogeneizado e massificado) criou nas elites culturais – não só na Europa de leste, mas também na ocidental – um ressurgimento de uma política identitária, marcada por um nacionalismo de dimensões místicas, fortes tensões étnicas, chauvinismo religioso, etc. (BENSAÏD, 2005). Como denota Manuel Loff, “O discurso hegemónico da Polónia pós-comunista, antes ainda deste governo de extrema-direita, é o de um país martirizado pelos seus vizinhos russo e alemão (e austríaco, em menor grau), que teria sobrevivido graças à sua religiosidade e ao seu "espírito nacional"” (LOFF, Público, 03/02/2018). Para estes partidos políticos o inimigo a combater internamente não são tanto os imigrantes, mas as minorias nacionais, como o povo Romani – ciganos – e os comunistas/anarquistas.

      Aqui me parece que, para termos uma compreensão geral deste fenómeno, devemos olhar para o papel que as lutas pela memória desempenham no dia-a-dia das sociedades.
Resumidamente, na Europa Centro-Oriental as transições pós-1989 implicaram um revisionismo histórico assente numa diabolização do Comunismo – e de todos os movimentos sociais que visassem modificar as relações sociais dominantes –, e esse processo culminou, em alguns casos, na criminalização legal do Comunismo, ilegalização de partidos que reivindicassem essa ideologia (Republicas Bálticas, Polónia, Hungria e Ucrânia), ou uma adoção de políticas da memória baseadas na premissa de que o Comunismo seria igual, ou até pior, que o Nazismo/Fascismo.
      Essa operação de revisão da história levou, por exemplo, a que figuras como Stepan Bandera (colaborador nazi ucraniano, que combateu ao lado das forças do Terceiro Reich na II Guerra Mundial) surjam como libertadores nacionais e que movimentos nacionalistas/fascistas dos anos 1930 – mesmo tendo abertamente colaborado com os Nazis (a exemplo: Utasha, na Croácia; Guarda de Ferro, na Roménia; Partido da Cruz Flechada, na Húngria; etc.) – surjam como uma alternativa política viável, sendo recordados, em alguns casos, como um “momento dourado na história nacional” desses países.

      Apesar de por vezes ouvirmos nos meios de comunicação social de que estes partidos “não são um perigo à democracia”, dizendo que eles aceitam “jogar” no tabuleiro político parlamentar – aceitando a via eleitoral – é, a meu ver errónea. Não nos esqueçamos que Hitler chega a Chanceler através de eleições democráticas na Alemanha de Weimar, ou da transição legal para o Fascismo vivida na Itália de 1919-1922.

     O momento que vivemos nos tempos que correm é delicado e exige uma reflexão histórica e social, assente numa perspetiva crítica, não caindo em irracionalismos e explicações idealistas, mas sim numa análise radical – ou seja, indo à raiz do problema – assente numa compreensão das condições materiais concretas. É necessária a formação de uma consciência histórica, inclusiva e que se assente numa memória colectiva (plural e inevitavelmente conflituosa, atravessando o conjunto do corpo social)” (Traverso, 2012: 51). Não nos esqueçamos que o maior atentado realizado na Europa foi perpetrado por Anders Breivik (um ultranacionalista norueguês), que executou 77 pessoas a tiro na ilha de Utoya, na Noruega, para defender a Europa daquilo que considerou como as grandes ameaças à sociedade ocidental - o Feminismo, o “Marxismo Cultural” e o Islamismo.

Bibliografia:
BENSAID, Daniel – “Mythes identitaires et Republique Imaginaire”, Paris: Lignes, 2005
LOFF, Manuel – “Polónia: vitimas, cumplices e manipuladores”, in Público, 3 de Fevereiro 2018.
LÖWY, Michael – “Conservadorismo e extrema-direita na Europa e Brasil”, in Serviço Social e Sociedade, nº124, p.652-644, 2015.
MELO, Demian – “Sobre o fascismo e o fascismo no Brasil de hoje”, ver link: http://blogjunho.com.br/sobre-o-fascismo-e-o-fascismo-no-brasil-de-hoje/
TRAVERSO, Enzo – O Passado, Modos de Usar, Lisboa: UNIPOP, 2012.



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