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Na foto, integrantes da banda em sua formação original de 1985. |
Por Wesley Sousa (UFSJ)
Introdução:
Alguns anos atrás, ouvindo
uma rádio local que tocava músicas do estilo rock, MPB, ouvi um som
que me deixou no mínimo curioso: Plebe Rude era o nome da banda de
brasilienses até então desconhecida. E a música era “Até quando Esperar?” –
que, no caso, deixou-me ainda mais intrigado.
Formada a Turma da Colina,
jovens brasilienses como Renato Russo (na época, em Aborto Elétrico), Dinho
Ouro Preto, dentre outros amigos, favoreciam o solo brasileiro com a marcha ao
Rock. Junto a eles, Philippe Sebra, Gutje, André X e Jander Bilaphra, dando
origem a Plebe Rude, como todos os outros músicos adolescentes da época,
tinham tudo nas mãos, mas queriam ser mais; fazer a música deles, tocar aquilo
que queriam, não ignorando o mundo que viviam e querendo melhorar aquele
ignorado pela TV.
Durante os anos 1960 e 1970,
a MPB desempenhou um importante papel de crítica ao regime que vigorava no
país, mas foi na década de 1980 que o Punk Rock brasileiro acrescenta uma nova
nota no acorde da insatisfação política (e social). São nessas condições que nasce
em Brasília a Plebe Rude. A música que analisei foi “Até quando esperar?” da
banda Plebe Rude, do álbum “O concreto já rachou” de 1985.
Com letras inteligentes e
críticas, que iam direto ao ponto, a plebe, assim chamadas pelos fãs, teve
de encarar situações difíceis como, por exemplo, apanhar da polícia por
conta de suas músicas. A letra mais famosa da banda foi composta em 1983
por Philippe Seabra que na época tinha de 15 para 16 anos.
Análise
da música:
Os membros da banda,
especificamente, são oriundos de famílias abastadas de Brasília. Assim,
eles iniciam a composição não isentando-se de tal responsabilidade, dizendo que
não são culpados por terem nascido na classe-média, no entanto,
independentemente dessa “benção”, eles não podem e nem são indiferentes à
pobreza ocasionada principalmente pela má distribuição de renda, por isso fazem
a interpelação:
“Não
é nossa culpa
Nascemos
já com uma bênção
Mas
isso não é desculpa
Pela
má distribuição”
Já o trecho abaixo traduz as
diferenças econômicas em um país com o nosso, onde poucos possuem
tanto e muitos pouco possuem. Dessa forma, o Brasil é um país rico, com uma
natureza soberba, produtor e exportador de vários
produtos agrícolas e gêneros tropicais, mas ainda assim, há
muita pobreza, pessoas que passam fome e sequer tem onde morar, como os
sem-terra:
“Com
tanta riqueza por aí, onde é que está?
Cadê
sua fração?
Com
tanta riqueza por aí, onde é que está?
Cadê
sua fração?
Até
quando esperar?”
Interessante ouvir isso nos
faz pensar realmente com o lado socialista que muitas vezes deixamos
de lado, ignoramos, menosprezamos ou falamos mal, e não percebemos a
profundidade disso. Com tanta gente vivendo na pobreza e à margem enquanto uns
poucos exploram a mais-valia, cadê a justiça social e o fim da divisão
social do trabalho? “Até quando esperar?”.
“E
cadê a esmola que nós damos
Sem
perceber que aquele abençoado
Poderia
ter sido você?
Com
tanta riqueza por aí, onde é que está?
Cadê
sua fração?”
Prosseguem perguntando onde
está a esmola que dão sem perceber (a mais-valia: se eu trabalho dez
horas e recebo o equivalente ao trabalho de oito horas, logo trabalho duas
horas a mais para enriquecer o burguês, o patrão) e “aquele abençoado poderia
ter sido você”. O ‘abençoado’ é o patrão, o burguês. Ele teve o “acaso” ou
“méritos”. Novamente, a banda questiona sobre a distribuição de renda, já que
há tanta riqueza, mas a maioria não vê a sua parte/fração).
Este momento da música
produz também efeitos de crítica a partir do deslizamento do religioso para o
político. Neste sentido, mostra-se o apelo para com a injustiça inerente ao
capitalismo para “a esmola que nós damos sem perceber” advém dos explorados
para manter a elite dominante. E a prática de dar esmolas seria a
forma naturalizada de contribuição “sem perceber”, como também a desigualdade
social e a própria existência do capitalismo (um sistema historicamente
constituído).
“Até
quando esperar a plebe ajoelhar
Esperando
a ajuda de Deus?
Até
quando esperar a plebe ajoelhar
Esperando
a ajuda de Deus?”
Essa pergunta acima é o mais interessante de toda a música. Não sabe se perguntam aos burgueses: até quando esperam que iremos ajoelhar e esperar alguma ajuda divina para conseguimos melhorar? Ou se perguntam à própria classe proletária: até quando vão continuar se ajoelhando e esperando um ser invisível tomar suas atitudes e lutar pelas suas necessidades? A liberdade está em ser rebelde, e ser rebelde é conquistar direitos, justiças e mudar o panorama atual.
Para Carlos Bauer (2012),
analisando a formação social brasileira e a composição do Estado autoritário no
país, apresenta essa especificidade histórica em que as relações capitalistas
ocorrem através de uma estrutura de classes constituídas pela burguesia e o
proletariado, ao lado dos latifundiários rentistas. Desta forma, o autor
apresenta também uma leitura dos elementos que impulsionam a concentração e a
má distribuição de renda.
A religião sempre serviu
para apaziguar os ânimos da população, dando-lhes dado conformismo e aceitação
mediante a ideia de que uma vida melhor o espera após a morte. Assim,
os poderosos, ao longo da História, se apropriaram desse conceito para oprimir
o povo, inclusive “em nome de Deus”. Talvez, por isso, a música
questiona a atuação divina em meio as injustiças que ocorrem.
Posso
Vigiar
teu carro?
Te
pedir trocados?
Engraxar
seus sapatos?
Acima está o apelo do
proletário para tentar ter alguma coisa. Vigiar o carro do burguês. Pedir
esmolas ao burguês. Engraxar os sapatos do burguês. “A história de todas
as sociedades que existiram até os dias de hoje têm sido a história da luta de
classes” (MARX e ENGELS, 1848, p. 23).
A classe dos que nada tem
além de sua força de trabalho, precisa fazer o que for para conseguirem seus
“trocados”. Ao se colocarem no lugar dessas pessoas, os membros da banda
levam os ouvintes à posição dos beneficiadores, daqueles que tem o “poder da
gorjeta”.
“Até
quando esperar
A
plebe ajoelhar
Esperando
a ajuda do divino Deus?”
A letra é finalizada assim
(acima): expondo a real situação de nossa pátria amada, induzindo-nos a
reflexão e autoanálise, pois não sendo nós miseráveis que não temos
a responsabilidade humana de nos importarmos com aqueles que vivem na
pobreza, seja no Brasil ou no mundo, esse é o pensamento do bem comum, no agir,
no pensar, em criticar o que aparenta ser “normal”.
Filhos de ricos (poderiam
até ser chamados diretamente de ricos, mas a riqueza jamais veio pelo esforço
individual de cada um), que faziam músicas para outros filhos de ricos, falando
da desigualdade material, dos problemas sociais ignorados. Filhos de ricos (que
nascem com a ‘bênção’), pedindo as desculpas por um erro que vem apenas de um
sistema mudo que esquece sua classe trabalhadora.
Nos apontamentos de Louis
Althusser sobre os “Aparelhos Ideológicos de Estado”, uma vez que o autor
inclui o AIE religioso (o sistema das diferentes Igrejas) na relação com os
demais. Sobre esta discussão, o autor aponta a seguinte definição: “todos
aparelhos ideológicos de Estado, sejam quais forem, contribuem para um
mesmo resultado: a reprodução das relações de produção, isto é, das relações
capitalistas de exploração” (ALTHUSSER, 1996, p. 121).
Ou seja, a partir desta perspectiva teórica podemos conceber o Capitalismo e a Religião imbricados no efeito de legitimação de uma classe dominante. Estes dois mostra-se uma forte relação entre eles.
Considerações
finais:
Por fim, o meu comentário
pessoal sobre o rock e seus “fãs” tupiniquins atuais: havia os
“vândalos” de boa consciência na época que apenas quebravam os ‘bons
costumes’ com a classe dominante e, pasmem, eles surgiam da mesma. Cazuza,
Ratos do Porão, Inocentes, entre outros. Eles não eram ideólogos conservadores,
mas pelo contrário, eram, sobretudo, artistas que faziam de seus talentos
críticas sociais, rompendo com aquilo que julgavam não ser libertário, de
progresso, etc. Hoje em dia, existem muito “fãs” que não entendem isso – a
quebra de um pensamento ultrapassado.
Nessa música, por exemplo,
sendo uma banda de tendências punk, há em suas letras críticas sociais
fortes (tanto é que eles nunca fizeram uma sequer música falando de um amor
romântico), o desprezo pelas Instituições estatais que são aparelhos
repressores e, evidentemente, pela própria religião. Nesta fica expresso o
desalento, a revolta com a espera sem fim pelas mudanças em prol do povo ou da
plebe (termo que veio do latim “plebem”, significando multidão, ou
seja, eram aqueles que não pertenciam à nobreza).
O interessante na
compreensão da música é perceber que nela são produzidos efeitos de crítica
pelo deslizamento do religioso em relação ao capitalismo e com a
religiosidade metaforizada.
Link com a letra e o áudio da música (original de
1985):
REFERÊNCIAS:
ALTHUSSER, Louis.
Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado: notas para uma investigação.
In: ZIZEK, Slavoj (Org). Um Mapa da Ideologia. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1996. p.105-140.
BAUER, Carlos. A natureza autoritária do Estado no Brasil
contemporâneo. Elementos de história e questionamentos políticos. São
Paulo: Editora: José Luis e Rosa Sundermann, 2012.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Tradução:
Sueli Barros Cassal. Porto Alegre.
L&PM. 2014. p. 23.
Muito bom. Essa música caiu no vestibular da UEMA de 2018 perguntando sobre o que a canção falava em seu contexto dos anos 80. Várias pessoas não responderam por não saberem interpretar e nunca terem ouvido sequer a música.
ResponderExcluirMagnífico
ResponderExcluir!!!
Ótimo
ResponderExcluirHoje se utilizam das ideias de "libertação" para mais dominação das mentes e de tudo!
ResponderExcluirQual é o tipo de benção?
ResponderExcluirOs membros da banda, especificamente, são oriundos de famílias abastadas de Brasília. Assim, eles iniciam a composição não isentando-se de tal responsabilidade, dizendo que não são culpados por terem nascido na classe-média, no entanto, independentemente dessa “benção”, eles não podem e nem são indiferentes à pobreza ocasionada principalmente pela má distribuição de renda, por isso fazem a interpelação:
Excluirdeveriamos buscar entender a fundo a palavra compaixão e colocaria uma letra de musica que diz eu não quero so dizer amem mais preciso mostrar com a vida que eu creio fé e açao caminhão juntas
ResponderExcluirÓtima análise!
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