A ferramenta estatal de dominação

Por Jean Lucas - estudante de História pela UFF

É muito comum ouvir dos liberais que o Estado atrapalha a relação econômica e que é um empecilho para o desenvolvimento e o progresso de uma sociedade, com todas as suas regulamentações, suas leis, seus impostos, etc. O discurso desses pretensos liberais baseia-se numa concepção mais ou menos nova, que coloca o governo como inimigo, como pretensa instituição para regular a vida de todos de forma alheia, sem distinção.

Com esse belo discurso, empacotado com as dificuldades materiais realmente impostas por esse Estado a pequenos comerciantes, como vendedores ambulantes em locais públicos, e as constantes repressões estatais a manifestações, greves e entre outros movimentos sociais, os liberais conseguem chamar a atenção para o seu lado e, com a sedução de uma falsa liberdade dentro do sistema capitalista, conseguem se colocar ao lado dos oprimidos. Antes de mais nada, é preciso analisar o Estado em si e sua participação na expansão do capitalismo e sua consolidação como modelo socioeconômico dominante.

No século XVII, mais especificamente nos anos de 1688 e 1689, um movimento tem início da Inglaterra no que viria a ser chamado, mais tarde, de Revolução Gloriosa (em alusão ao fato de que não foi necessário conflitos armados para que fosse realizada). A revolução, que culminou na deposição do rei da dinastia Stuart, James II, do trono inglês. O movimento foi símbolo da chegada da burguesia ao poder no parlamento da Inglaterra, que mais tarde seria decisivo para o início da Revolução Industrial. Nesse primeiro plano, a burguesia toma um papel notavelmente revolucionário, ao lutar contra o absolutismo monárquico e abrir as portas para uma maior "liberdade" do que aquela até então existente no país. A propriedade privada passou a ser defendida, os impostos foram abaixados, liberdades comerciais foram concedidas. Todos esses fatores foram decisivos para que o capitalismo se consolidasse na Inglaterra e que, anos depois, a Revolução Industrial tivesse início.

Nesse episódio, o Estado passou por uma transformação. Antes uma ferramenta de dominação da monarquia por sobre toda a população, agora passava a ser um instrumento de organização da burguesia no poder político. O terreno de ação estava sendo preparado por essa classe ascendente para que, em conjunto com o Estado, pudesse se colocar finalmente como classe dominante, assim encerrando mais uma etapa de sua luta de classes contra o absolutismo monárquico. O que aqui se pretende dizer é que, sem a utilização do poder estatal para a manutenção do poder político nas mãos da burguesia, não seria possível coordenar os primeiros passos em direção à Revolução Industrial. O Estado foi amplamente utilizado como utensílio de coerção que beneficiou a consolidação do capitalismo, como é possível notar quando é lembrado os Enclousures Acts, pela qual os openfields passaram a ser privatizados, quando antes eram de uso comum dos camponeses. Tais medidas causaram um êxodo rural para as áreas urbanas, disponibilizando maior número de mão-de-obra para as fábricas que estavam para surgir.

O Estado, com o avanço da burguesia e das relações econômicas, tomou uma maior expressão e o capitalismo acabou por adentrar numa nova fase, a etapa monopolista, ou então, imperialista. Em finais do século XIX, entre 1884 e 1885, ocorria a Conferência de Berlim, organizada pelo Chanceler Otto von Bismarck, que foi líder da unificação da Alemanha, na qual as principais potências europeias se reuniram para definir a partilha da África de forma totalmente arbitrária. A espoliação do continente africano, o roubo sistemático de suas riquezas e as todas as injúrias foram essenciais para o acúmulo de riquezas nas mãos dos nobres europeus, aliados à burguesia industrial, que também foram beneficiados da mão-de-obra barata demandada de suas colônias.

É durante essa fase de capitalismo monopolista que Vladimir Lenin se insere, quando em 1917 lidera a Revolução Russa. Ao analisar as propriedades do Estado como são, deu uma grande contribuição aos estudos iniciados pelo socialista Friedrich Engels, grande amigo de Karl Marx, em sua obra "Estado e a Revolução". Lenin faz uso, nessa obra, de um livro escrito por Engels chamado "A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado". Aqui, o Estado é considerado como ele realmente é: um produto do antagonismo de classes. Para isso, Engels estuda o surgimento do Estado em diferentes sociedades, em diferentes era, criando um parâmetro para discutir qual seria a principal razão para seu surgimento e sua efetivação. Em sua obra, diz:

"O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é "a realidade da ideia moral", nem "a imagem e a realidade da razão", como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado."

O que se pode tirar desse trecho? Que o Estado, sob o regime capitalista, nada mais é do que um instrumento da classe burguesa para a manutenção dos seus privilégios, dos seus direitos e de seu controle sobre a sociedade. Os liberais podem muito falar de diminuição do Estado, ou até mesmo de seu fim, mas a realidade é que a burguesia industrial aparelha o poder estatal para manter seu status quo, e enquanto as relações do capital ainda existirem não será possível emancipar o proletariado como um todo, ou mesmo não será possível a extinção das estruturas do Estado, porque ele é uma ferramenta de dominação.

Toda vez que o proletariado assume o poder do Estado e passa, então, a ser a classe dominante, isto é, após uma revolução socialista, como a que ocorreu na URSS e em diversos outros países no século XX, a burguesia treme em suas bases com o medo de perder seu poder político econômico, ou seja, o poder de continuar explorando os trabalhadores através das relações do capital. Em Cuba, quando Fidel Castro assumiu o poder do país após a deposição do ditador Fulgêncio Batista, os Estados Unidos, unido à burguesia cubana e à sua burguesia nacional, que fazia grandes negócios em território cubano, tratou de armas planos para retomar o poder na Ilha. O Estado, que antes estava nas mãos de uma aristocracia burguesa, agora tratava de dar poderes ao povo cubano, que tanto sofrera com as opressões estadunidenses causadas à nação.

Mesmo no Brasil, quando se analisa a história do século XX do país, a gente pode notar como sempre o Estado esteve vinculado à burguesia e aos seus interesses. Quando Getúlio Vargas chegou ao poder, apoiado por uma elite rural sul-rio-grandense promoveu a industrialização do país tratando de atender à burguesia nacional, mas também com esplêndidas tentativas de criar uma imagem para si como o herói do povo e do trabalhador, dando início ao movimento trabalhista. A burguesia, agora composta por uma burguesia industrial que surgia desde o vácuo de mercado causado pela Primeira Guerra Mundial, unia-se mais ainda ao Estado como uma maneira de manter seus privilégios. A elite brasileira, composta de diversos setores, desde a elite agrária até a elite industrial, como é muito fácil notar, nunca abriu mão dos poderes estatais para a manutenção de seu poderio econômico. Quando em 1964 as disputas se acirraram e o clima da Guerra Fria atingia diretamente os âmagos da sociedade brasileira, o presidente João Goulart tocou em questões que, primariamente, tratariam de ser benéficas para uma camada desfavorecida da população quando abordou as reformas de base, setores da elite apoiados pelo capital estrangeiro, temendo a situação governamental no país desse uma guinada "à esquerda", isto é, passasse a não prover somente o bem para a burguesia, mas desse mais espaço para a classe trabalhadora e seus anseios, deram um golpe de Estado e instauraram uma Ditadura Militar que teve bases no capital internacional.

O fato é: durante toda a escalada do capitalismo e em todas as suas transformações, o Estado esteve presente para beneficiar a burguesia e tratar de atender as necessidades requeridas para seu domínio por sobre a classe trabalhadora em todo o mundo. Sem os mecanismos do Estado, a burguesia e seus pretensos discursos liberais que servem apenas para chamar a atenção dos menos esclarecidos para seus falsos ideais de liberdade, antes uma classe revolucionária, agora uma classe conservadora e reacionário, como mostra a história do século XX e o início do século XXI, não seria capaz de se consolidar política e economicamente no mundo. Por isto, desta forma, Josef Stalin afirma em um de seus escritos:

"Marx dizia que toda luta de classes é uma luta política. Isso significa que se hoje os proletários e os capitalistas travam entre si uma luta econômica, amanhã serão obrigados também a travar a luta política e a defender assim com uma luta dupla seus interesses de classe. Os capitalistas têm os seus interesses particulares de corporação. Suas organizações econômicas existem precisamente para salvaguardar esses interesses. Mas além dos interesses particulares de corporação eles têm também interesses gerais de classe, que consistem no fortalecimento do capitalismo. E, justamente por causa desses interesses gerais, têm necessidade da luta política e de um partido político."


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