Ménon – o diálogo platônico sobre a virtude




Por Jéssica Carvalho - graduanda em Filosofia pela UFSJ 


O diálogo Ménon de Platão faz parte de um conjunto de obras pelas quais podemos classifica-las como obras de maturidade. Ménon é um diálogo que diz respeito sobre a virtude. Mais além: a virtude é algo que se ensina? Esta é a pergunta norteadora do texto platônico.

No interrogar Ménon, Sócrates pergunta “o que é virtude?” e seu interrogado, por sua vez, responde que a virtude seria o modo pelo qual comandariam ações dos homens. Pouco antes, Mênon quer saber de Sócrates se a virtude é algo que se ensina. Porém, Sócrates declara-se incapaz de dar qualquer resposta, afirmando que nem ele nem qualquer outro ateniense sabem se a virtude é algo que se ensina ou não.

Nas obras platônicas é notória uma conotação dramática em seus escritos e não abstrata de fato. Sendo assim, suas obras se organizam em uma espécie de texto teatral, no qual se valem da presença de personagens, cenário e ação. Diante disso, os textos platônicos assumem uma característica dialógica que se opõe aos textos tratadísticos como os escritos Aristotélicos, por exemplo. Tendo isso como particularidade, o diálogo Mênon é o retrato fidedigno da concepção platônica em que aborda a Filosofia e, por conseguinte, o fazer filosófico como formas concretas que se emergem das experiências mais vitais do homem.

O diálogo Mênon possui como temática central a discussão acerca da virtude (areté) e sua eventual natureza. Partindo desse pressuposto, o texto se inicia com Mênon questionando Sócrates no que desrespeito às formas em que a areté se materializa para os homens. Sendo assim, o jovem indaga o filósofo sobre as possibilidades que envolvem esse processo. O primeiro deles se faz com a ideia acerca da capacidade de se ensinar a virtude; seguido pelo questionamento ao qual coloca a areté como algo que se adquire por meio do exercício e, por fim, a possibilidade de ser algo que provém da própria natureza. A partir desses questionamentos oriundos da figura de Mênon a Sócrates o clímax do diálogo se inicia.

A figura socrática se afirma no texto em sua particularidade irônica se consolidando, portanto, como o verdadeiro espírito da Filosofia, uma vez que esse ao dizer que nada sabe sobre o conhecimento da natureza da virtude, a possui em sua concepção mais completa. Assim, Sócrates confessa ser incapaz de dar uma resposta positiva ao jovem, uma vez que ele ignora saber o que é a virtude e não conhecendo algo, não é capaz de discorrer sobre o que essa coisa é. Nesse momento do diálogo, a figura socrática oferece ao jovem Mênon uma primeira lição metodológica, a qual coloca o questionamento acerca da essência como algo que precede as perguntas que desrespeito as qualidades. 

Diante disso, Mênon acaba julgando ser fácil discorrer acerca da essência da virtude com os seguintes dizeres: “[...] ser capaz de gerir as coisas da cidade, e, no exercício dessa gestão, fazer bem aos amigos e mal aos inimigos, e guardar-se ele próprio de sofrer coisa parecida”, nesse sentido o jovem retrata sua concepção da essência do homem, por isso, logo em seguida o mesmo discorre acerca da virtude das mulheres [...] a ela bem administrar a casa, cuidando da manutenção de seu interior e sendo obediente ao marido”, não contente Mênon ainda exemplifica outros inúmeros dizeres sobre o que é virtude. No entanto, Sócrates de forma irônica responde que procurava a essência de uma única virtude, mas com a resposta do jovem ele acabou encontrando várias. Conclui-se, portanto, que quando o filósofo pergunta sobre o que é a virtude ele busca entender o que ela é nela mesmo quanto tal e não os diversos tipos de areté que existem. Para Sócrates, o que deve ser primordial corresponde ao eîdos ousía – aquilo que todo ente é nele mesmo, portanto, a essência, a causa da entidade do ente. 

Com isso, Sócrates julga que essa primeira definição de Mênon não é capaz de abarcar a verdadeira essência da areté, pois um poder que se exerce sem justiça não pode ser uma verdadeira virtude. Dessa forma, Platão deixa explícito que a ideia não corresponde a uma mera representação intelectual (conceito), mas sim algo que desrespeito a uma essência mesmo das coisas para aquilo em que o pensamento se volta e descobre o ser das coisas tornando possíveis suas atividades cognitivas – princípio ontológico.

A segunda definição de Mênon parte do pressuposto de querer coisas boas e consegui-las. Entretanto, essa não satisfaz Sócrates. Através dessa concepção, o filósofo atesta uma redundância seguida de pleonasmo, uma vez que se deseja apenas o que é bom, pois se queres o que é mal esse desejo ocorre em função de uma ignorância, a qual utiliza o que é mal como alguma espécie de bem e, portanto, apenas se considera a capacidade de adquirir coisas boas como areté (virtude) se nessa for agregado o principio da justiça. Nesse momento, Sócrates utiliza de sua metodologia dialética que acaba fazendo com que o jovem Mênon se assuma em um estado de aporia (momento resultante das refutações socráticas e reconhecimento de uma possível ignorância). No entanto, passando esse estágio, Mênon tenta usar contra Sócrates um método argumentativo erístico (eristikós) que se desenvolve na mera intenção de triunfo, ignorando qualquer preocupação com a verdade e, com isso, se contrapondo ao método dialógico. 

Nesse estágio do diálogo, Sócrates refuta o paradoxo epistemológico mencionado por Mênon em seu argumento e discorre acerca da razão que faz com que se procure por algo. Dessa forma, para o filósofo a razão que permite essa procura não se encontra no desconhecimento completo e, tão pouco no conhecimento total, pois a cognitividade da nossa razão se distância desses dois extremos e se firma no intermédio. Portanto, o que existe é uma espécie de conhecimento latente.

Com isso, Platão por intermédio do personagem Sócrates utiliza-se da teoria da reminiscência – a qual expõe que a razão possui um conhecimento implícito, latente e adormecido em seu interior e, portanto, é necessário dispor-se de um processo que vise à rememoração de algo que está esquecido – para assim fundamentar o eîdos ousía da areté. Desse modo, é evidenciada na obra a concepção de um saber como reminiscência que é sustentado por Sócrates através de um saber com caráter mítico e logo em seguida afirma essa ideia com bases em uma experiência maiêutica. O relato mítico proposto pelo filósofo envolve a pré-existência das almas (palingenesia) que coloca a alma humana como imortal e ao assumir essa característica de imortalidade, pressupõe-se um nascer novamente das almas que traz consigo a participação em várias vidas, o que faz com que a alma tenha conhecimento sobre todas as coisas, tornando necessário apenas o processo de despertar em si esse conhecimento de uma vida anterior que ainda se encontra em um estágio adormecido.

Já a segunda abordagem socrática corresponde ao método da maiêutica e utiliza-se de um escravo do jovem Mênon que mesmo possuindo conhecimento acerca do grego (linguagem) ignora os saberes geométricos. Por meio dessas características prognosticadas por Sócrates, o mesmo demonstra através de perguntas bem dirigidas a esse escravo a capacidade que o mesmo teria de solucionar um problema complexo da matemática (duplicação de um quadrado). No método maiêutico em um primeiro momento o escravo deduziria que estava certo acerca do resultado do problema proposto pelo filósofo. 

No entanto, Sócrates demonstra a tal o equívoco presente em sua resposta e por meio de uma segunda refutação o conduz a outra tentativa de resposta, que mais uma vez é falha. A partir desse segundo equívoco, Sócrates questiona-o uma vez, fazendo com que o escravo admita sua ignorância no que desrespeito à resposta correta do problema matemático, ocasionando assim o processo de eclosão da aporia. Nesse sentindo, Sócrates estabelece uma diferença existente no processo de reconhecimento de sua própria ignorância e a ignorância primordial, o primeiro nesse contexto assume uma posição de superioridade em relação ao segundo. Diante disso, por meio do recurso maiêutico e dialético ocorre o processo de conduzir o conhecimento latente para atualidade, ou seja, rememorar o que já temos dentro da nossa razão.

Por fim, concomitantemente a essa concepção que abarca o saber como reminiscência, há uma compreensão epistemológica inatista, na qual considera que o nosso intelecto já traz consigo de forma inata o conhecimento latente das coisas, de modo em que a razão se configura como um princípio cognitivo que engloba esse conhecimento até então desatualizado, mas que precisa ser rememorado. Desse modo, tal concepção se opõe categoricamente ao modelo empirista que reduz a razão ao conceito de tábula rasa, utilizando do método kantiano de conhecimento apriori, para fundamentar as formas cognitivas que existem na estrutura do conhecimento e também do sujeito que independem da experiência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PLATÃO. Ménon. Texto estabelecido e anotado por John Burnet. Trad. Maura Iglésias. Rio de Janeiro: Ed. PUC-RJ; Loyola, 2001.

ROMEIRO, Richard Oliveira. Drama, aporia e ironia no Mênon de Platão. Revista Nuntius Antiquus, Belo Horizonte, v. 13, n. 2, p. 75-96, 2017.
Wesley Sousa

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