Jéssica
Lopes - graduanda em Filosofia pela UFSJ.
Do processo de submissão a incorporação de uma identidade:
perspectivas acerca da obra “O povo brasileiro”
O ato de se debruçar aos
estudos das questões históricas que envolvem a América Latina é
fundamentalmente uma tarefa árdua e difícil, afinal, em aspectos centrais ela
não deve ser compreendida enquanto uma vulgar noção de unidade que ignora
determinadas particularidades essenciais para o dinâmico movimento de
construção da sua história e, consequente, identidade. Por isso, este breve
ensaio se atentará a discorrer acerca dos contrastes fundamentais em que a
noção de identidade destes grupos pode ter sido ancorada.
Sobretudo, será no Manifesto
do Partido Comunista que, Marx e Engels, sob perspectiva do materialismo
histórico (não uma epistemologia, mas uma ontologia do real) compreendem o
caráter burguês de mundo, que, das ruínas do mundo feudal, nasce a sociedade
burguesa nas novas dinâmicas sociais e alavancagem das forças produtivas, logo,
simplificando os antagonismos de classes (MARX; ENGELS, 2013). Assim, portanto,
escrevem sobre a América:
A
descoberta da América, a circum-navegação da África ofereceram à burguesia
ascendente um novo terreno. O mercado indiano e chinês, a colonização da
América, o intercâmbio com as colônias e, em geral, a intensificação dos meios
de troca e das mercadorias deram ao comércio, à navegação e à indústria um
impulso até então desconhecido, favorecendo na sociedade feudal em
desintegração a expansão rápida do elemento revolucionário (MARX; ENGELS; 2013,
p. 25).
E foi nessa “expansão rápida
do elemento revolucionário” que Marx e Engels perceberam que, nesse avanço da
integração mundial da lógica mercantil, nos seja perceptível notar um elemento
da própria formação colonial, seja cultural (pela incorporação) seja pela força
(sob dominação), pelo desenvolvimento do comércio, das navegações e das
necessidades acumulativas pela exploração de matérias-primas e especiarias.
Nesse intermédio, às relações
humanas no contexto latino-americano dão ensejo para formação de um tipo de
colonização que passa pela dominação, violência, cujas são partes da identidade
e legado do “nascimento” da América colonial. Darcy Ribeiro, ao estudar a
“gestação étnica” do povo brasileiro, perpassa pela particularidade do
entendimento dessa forma de integração do europeu aos povos nativos do
continente.
Os
índios não queriam outra coisa porque, encantados com as riquezas que o europeu
podia trazer nos navios, o usavam para se prover de bens preciosíssimos que se
tornaram logo indispensáveis, como as ferramentas de metal, espelhos e adornos.
Quando ficaram bem providos dessas mercadorias, outras lhes foram ofertadas. E,
por fim, se teve que passar do cunhadismo às guerras de captura de escravos,
quando a necessidade de mão‐de‐obra indígena se
tornou grande demais. (RIBEIRO; 1995, p. 82).
Darcy caracterizou, por
exemplo, que a prática do cunhadismo foi essencial para a formação do Brasil,
de seu povo, como o entendemos. No seu entender, “se estabelecem criatórios de
gente mestiça nos focos onde náufragos e degredados se assentaram” (RIBEIRO;
1995; p. 83). Foi nessa incorporação do homem europeu ao indígena que a
formação da identidade latina, no caso, brasileira, se forjou com uma grande
variedade de etnias, que passou pela “mestiçagem”, “brasilíndios”, etc. Por
finalmente, entender tais elementos da própria composição das interações
colonial da américa (em especial aqui, a portuguesa), pode-se dizer o “que
desgarra e separa os brasileiros em componentes opostos é a estratificação de
classes” (RIBEIRO; 1995, p. 450)
O colonialismo e a construção latino-americana
Como já abordado no tópico
anterior, o seio embrionário da América Latina se forja por intermédio de uma
forte herança de submissão do colonizado ao colonizador. Esse processo é
decorrente de mecanismos que suscitem aos povos nativos medo, terror e angústia
visando a extinção de possíveis reações. Deste modo, a relação de colonialismo
que permeia a história latino-americana possui duas figuras essenciais para a
esta relação: o colonizador e o colonizado.
Desse modo, tomaremos como
ponto de partida a forte herança do processo de submissão e dominação colonial
a partir do século XVI, momento em que ocorre as destituições das sociedades
originárias dos territórios latinos e o consequente nascimento do que hoje
chamamos de América Latina. Assim, vale salientar das palavras de Bohoslavsky:
De
allí la necesidad de entender a las identificaciones como procesos de
naturaleza relacional y situacional, esto es, alejadas de cualquier esencia
inmutable auto-construida. América latina como identidad se entiende sólo en su
contraste con aquella América que se denuncia como no latina, e incluso como
anti-latina (BOHOSLAVSKY).
O questionamento sobre “O que
é a América Latina?” devemos considerar também na medida que “em qual contexto ela se deu?”. A dinâmica de
nascimento da América Latina deve ser compreendida a partir desse contexto histórico
e social em que ela se insere, ou seja, o período do surgimento da modernidade
europeia. Por isso, o processo de formação latino-americana se baseia no
colonialismo. Deste processo, visando os privilégios econômicos da colônia há
um intenso mecanismo de desqualificação de outrem, no caso em questão, os povos
originários desses territórios recém encontrados e dispersos para assim
atingirem determinada dominação e mais posteriormente a submissão necessária
que renderá lucro ao colonizador.
Nesse contexto, o fenômeno da
colonização é assimilado como uma atividade de expansão do Estado que
ultrapassa os limites das questões geográficas, econômicas e sociais, tanto do
colonizador, quanto do colonizado. Por isso, a partir deste prisma de
modernidade dos Estados que o projeto de colonização se associa diretamente ao
capital mercantil, pois é por intermédio da prática mercantilista que há uma
sistematização do Estado compreendido como uma unidade política fundamental e,
portanto, toda espécie de lucro adquirido deve ser assim, destinada a ele.
Assim sendo, o colonizador em uma espécie de pensamento predatório absorvia o
território colonizado sob a visão da acumulação primitiva de capital seguindo,
então a lógica da exploração e extração de recursos naturais e mais tarde
humano destes povos nativos.
Em similaridade a este
processo de usurpação do colonizador e a ascensão mercantilista, o capitalismo
começa a se forjar na Europa por intermédio desta visão da exploração de um
grupo sobre outro, suscitando assim um antagonismo essencial no corpo da
sociedade. Deste modo, a história latina se materializa no seio da expansão
capitalista, forjando o pensamento latino em concepções arbitrárias de
democracias burguesas e golpes aqueles que um dia ousaram defender um poder
popular que não subjuga a natureza humana a mero fantoche de interesse
capitalista.
Portanto, o trecho a seguir
escrito pela polonesa Rosa Luxemburgo resume com maestria essa ideia fetichista
das democracias burguesas:
Portanto,
se temos de renunciar e estabelecer uma lei histórica geral do desenvolvimento
da democracia, mesmo nos quadros da sociedade moderna. Voltando-nos apenas para
a fase atual da história burguesa, ainda aqui constataremos, na situação
política, fatores que não conduzem à realização do esquema bernsteiniano[1],
mas antes pelo contrário, ao abandono, pela sociedade burguesa, das conquistas
até aqui realizadas. (LUXEMBURGO, 1999, p. 90).
Assim, por finalmente, consideramos que ao
interpretamos os manuscritos da polonesa Rosa Luxemburgo em seu livro “Reforma ou revolução” nos é
demasiadamente suscitado que as condições para o processo de emancipação de uma
povo e conquistas revolucionárias e igualdade apenas são asseguradas com o
abandona da lógica burguesa e capitalista, em que se baseia as atuais democracias
representativas dos países latinos.
Referências
Bohoslavsky, Ernesto. ¿Qué es
América latina? El nombre, la
cosa y las complicaciones para hablar de ellos.
LUXEMBURGO,
Rosa. Reforma ou Revolução?. 1°
edição. Tradução Lívio Xavier. Editora Expressão Popular: São Paulo, 1999.
MARX,
Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Tradução Sueli
Tomazzini Barros Cassal. Porto Alegre-RS: Editora L&PM Pocket, 2013.
RIBEIRO,
Darcy. O povo brasileiro. 2° edição.
São Paulo-SP: Editora Companhia das Letras, 1995.
[1]
Teoria de Eduardo Bernstein ao que se refere o socialismo. Segundo a teórica
Rosa Luxemburgo está apresenta um equivocado revisionismo tanto do socialismo,
quanto da tradição marxista referente as questões de emancipação; este ao
considerar as reformas como forma para atingir o socialismo, contraria as bases
revolucionárias e se assemelha as democracias burguesas, transfigurando a
emancipação proletária em meras reformas ao acreditar em capitalismo mais
humano devido a adaptação deste.
Excelente artigo.
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