Por Diogo Zarzar - graduando em Análise de Sistemas (Estácio de Sá) e ciências econômicas [pausado] (UNESP).
A MMT, sigla em inglês para modern monetary
theory (moderna teoria monetária), é o assunto do momento acerca de economia
política e teoria econômica. A sigla, como explicada pelo seu formulador
Randall Wray, foi uma ironia, pois as ideias da MMT já eram bem antigas e
conhecidas, porem colocadas em notas de rodapé e esquecidas pelo chamado Novo
Consenso Macroeconômico ou pelo Mainstream em geral, normalmente neo-institucionalistas,
novo clássicos e novos keynesianos.
O corolário geral da MMT parte da premissa que um país com dívida em
moeda soberana, ou moeda fiduciária doméstica, não tem como quebrar. Ou, não há
motivos para tal país se restringir em termos de auto-financiamento se sua
dívida é doméstica. O argumento é básico: o país tem soberania na emissão de
moeda e títulos públicos próprios. A síntese dos raciocínios da MMT pode ser
resumida em quatro antigos economistas: Georg Friedrich Knapp, Abba Lerner,
Michal Kalecki e Hyman Minsky. Uma vez que Abba Lerner e Hyman Minsky são
classificados como economistas pós keynesianos, a MMT também flerta com alguns
pontos do Sir John Maynard Keynes em suas duas principais obras: Teoria Geral
do Juro, Emprego e Moeda e Tratado sobre a Moeda. Principalmente com o
princípio da demanda efetiva e a quebra da ideia do desemprego voluntário. No
entanto há muitas interpretações keynesianas, sobretudo oriundas da síntese
neoclássica, que batem de frente com a MMT.
Os principais economistas atuais que divulgam as ideias e princípios da
MMT são: Randall Wray, Warren Mosler, Bill Mitchell e Stephanie Kelton. Mas já
tem vários outros economistas também adeptos e tornando isso público. Nos EUA a
MMT se tornou popular devido à adesão e divulgação de Bernie Sanders e Ocasio
Cortez, ambos do Partido Democrata. No Brasil a MMT é muito difundida por um
grupo de economistas do PSOL, mas também contou com a recente adesão de um
grande nome da teoria econômica do Brasil, já tradicional economista antes
ortodoxo do país desde os tempos do Plano Cruzado e Plano Real: André Lara
Resende. Dentro da bolha de discussões e debates econômicos do Brasil, a
“virada de cazaca” de André Lara deixou parte do Mainstream brasileiro, muito
adepto do fiscalismo e da economia novo clássica, perplexos. Antes de aderir à
MMT ele já vinha flertando com o confronto à ortodoxia econômica com seu livro
Juros, Moeda e Ortodoxia, onde divulgava ideias também vindas do estrangeiro (o
neo-fisherismo de Cochrane e a TFNP (teoria fiscal do nível de preços)).
Além do corolário geral da MMT, há outros princípios, sejam eles
explícitos ou não. O pleno emprego, o combate à austeridade fiscal, o combate
ao raciocínio simplório e a velha falácia do “dinheiro acabou”, combate ao TINA
(“There is No Alternative”, a famosa frase da austericida fanática Margaret
Thatcher), etc. Há também embutida na MMT os bons conceitos da Teoria Estatal
da Moeda (Knapp) e das Finanças Funcionais (Abba Lerner), sendo o primeiro o
que parte no meio a ideia do dinheiro dos impostos serem originalmente privados
e o segundo a explicação lógica e funcional dos impostos.
Há no pensamento leigo comum, inclusive antigamente espalhado por
economistas consagrados (Armínio Fraga, por exemplo) e pela frase e meme de
Margaret Thatcher muito compartilhado na internet, a ideia central de que o
dinheiro público na verdade é o dinheiro das famílias. Nas antigas palavras de
Armínio Fraga: “o meu, o seu, o nosso”. Ou seja, é a ideia que os impostos e a
tributação em geral são um dinheiro tirado de forma coercitiva da população ex ante para financiar o Estado ex post.
Mas não é bem assim, na verdade. A moeda fiduciária é uma criação estatal. Uma
moeda doméstica nasce com a criação de um Estado nação e sua autoridade
monetária, normalmente um banco central. Antes das existências dos bancos
centrais normalmente os estados possuíam controle total sobre a cunhagem
metálica e, posteriormente, também sobre a atividade bancária. Sendo assim o
Estado fornece a moeda estatal para seu povo como forma de dinamizar as
transações econômicas, substituindo assim o escambo (há outra discussão acerca
da origem monetária não ser exatamente o escambo), além de ser uma forma de
financiar e fornecer subsídios à sua produção interna de bens e serviços,
batendo com a hipótese da não neutralidade da moeda. A moeda então tem natureza
circular e produtiva. O Estado a empresta e a toma de volta, como forma de
controlar as transações e consequentemente a economia. A ideia de as transações
econômicas primitivas terem nascido das relações primitivas de crédito (no
caso, promessas verbais e promessas escritas de pagamentos), e não do simples
escambo, também dialogam com a Teoria Estatal da Moeda de Knapp. Essas ideias
da moeda criada como crédito podem ser encontradas no economista francês Michel
Aglietta e no livro do jornalista e ativista David Graeber (Dívida, Os
Primeiros 5.000 Anos). As relações modernas das autoridades monetárias (banco
central) com os tesouros (os caixas dos governos) deixam bem claro como não são
os tributos tirados das famílias e das empresas ex ante o verdadeiro
financiador do dispêndio de Estado. A relação é ex post. Primeiro o Estado
gasta para depois tributar. O saldo corrente da conta do Tesouro com o Banco
Central, no caso brasileiro por exemplo, é o que define se há superávit ou
déficit fiscal. Logo, déficit fiscal do governo é superávit do setor privado em
moeda. E leia se privado como famílias e empresas, desconsiderando o setor
externo.
Logo, superávit fiscal do governo é então déficit do privado. É
impossível do ponto de vista prático coordenar gasto e receita de maneira exata
e igual a 0 de saldo. Logo, nas relações modernas das autoridades monetárias
com os tesouros há um comportamento de “toma lá dá cá” em moeda corrente, hoje
representada por dígitos eletrônicos bancários, sendo um percentual muito baixo
das transações monetárias em forma de moeda física (ou papel moeda, como são
chamadas cédulas e moedas metálicas). A função do Estado então é a de prover
para seu povo o aumento de bens e serviços, a utilização dos fatores de
produção (incluso o trabalho humano) e o aumento da capacidade de produção (em
economês, a formação bruta de capital fixo, FBCF). O Estado age então como
comprador máximo e absoluto além de empregador de última instância em uma
sociedade. Sua função é, portanto, crescer, desenvolver e empregar. Note que
isso não diz respeito ao estatismo empresarial e à planificação econômica. A
teoria diz respeito à moeda ser estatal, mas não a produção de bens e serviços
serem estatais, logo… Como dito certa vez em um fórum de discussões sobre o
tema: a MMT não é comunista, socialista, anarquista, capitalista, liberal,
neoliberal, pentecostal, católica, etc. É a mera descrição de como funcionam
economias monetárias e financeiras. Ou seja, se tem moeda doméstica e banco, a
MMT explica. Isso independe da sigla e semântica políticas do país.
Já a ideia de Abba Lerner quebra o velho mito e a falácia boba difundida
por anarco capitalistas e libertários em geral do imposto ser uma forma de
roubo. De acordo com as Finanças Funcionais o imposto é uma forma sui generis
de retirar liquidez circulante da economia, preservando assim o seu poder de
compra. Ou seja, é a velha conhecida política fiscal de combate à inflação.
Preservando o poder da moeda face o aumento de bens e serviços, a tributação
pode na verdade aumentar a riqueza privada de quem poupa ou empossa moeda
residual. Cai assim o mito bobinho e falacioso do “roubo”. A Teoria das
Finanças Funcionais de Abba Lerner reafirma a antiga ideia das políticas fiscal
e monetária não serem tão independentes uma da outra, sendo ambas completamente
interligadas e interdependentes. Esse paradigma inclusive flerta com a
ortodoxia, ao contrário da MMT, chamada às vezes por detratores de um conjunto
de ideias heterodoxas vulgares. Além disso a Teoria das Finanças Funcionais
prega a busca da plena utilização dos fatores de produção com uma taxa de
desemprego baixa e não inflacionária, dialogando assim com o pleno emprego de
Kalecki e contrapondo o conceito de NAIRU, a taxa de desemprego não
inflacionária do ortodoxo Edmund Phelps. Para terminar: a ideia das Finanças
Funcionais é que o estoque da dívida em moeda soberana não deve ser uma
preocupação para governos. A dívida pública serve como regulador da taxa de
juros da economia, sendo apenas mais uma ferramenta econômica para regular o
equilíbrio entre poupança e investimento além da oferta e demanda, e não um
elemento extremo de restrição dos gastos, como costumam pensar as pessoas
leigas no assunto. O raciocínio das Finanças Funcionais serve também de forma
didática para acabar com a falácia da analogia entre o Estado e a dona de casa,
comparando dívida pública doméstica com dívidas privadas pessoais. As donas de
casa para amortizarem suas dívidas privadas normalmente precisam abdicar de
consumo e investimento, e normalmente suas rendas não sofrem influência dos
seus consumos privados ou dos seus endividamentos. Já no caso do Estado ele
detém o controle da emissão de moeda corrente que paga suas dívidas e também
possui monopólio total sobre o refinanciamento, uma vez que é ele quem emite os
próprios títulos públicos. Fora isso a rolagem e refinanciamento da sua dívida
visando aumento do dispêndio pode ocasionar em multiplicador fiscal e aumento
do produto, melhorando o principal indicador de solvência financeira dos
países, a relação entre dívida bruta e PIB. Para resumir: imposto não é fonte
de financiamento de gastos e a dívida em moeda doméstica não é restrição de
financiamento.
Nem tudo são flores…
A MMT vem tirando a ortodoxia econômica e o Mainstream acadêmico do
privilégio de local de fala comum. A criação de controvérsias tem atraído
atenção de gente importante, seja do meio ou não. Lawrence Summers chamou a MMT
de “vodooo economics”, tentando estigmatizar. No entanto boa parte do
Mainstream e do FMI vem assumindo: o Novo Consenso Macroeconômico falhou. E a
ortodoxia também vem falhando. Olivier Blanchard faz parte desse time dos novos
desiludidos. No Brasil o embate entre André Lara Resende e o ceticismo do grupo
da Casa das Garças, notadamente Edmar Bacha e Mônica Baumgarten de Bolle, marca
a controvérsia do tema. Mas nem tudo são flores na MMT…
As Finanças Funcionais e o combate extremo à austeridade na sua forma de
restrição de gastos tem seus limites. Em muitos países subdesenvolvidos,
emergentes e pobres, boa parte do estoque da dívida é contraída em moeda
estrangeira e em paridade mundial de liquidez, o dólar americano. Assim esses
países não têm de controlar a rolagem de suas dívidas e seus próprios autofinanciamentos.
Os credores externos sempre vão cobrar austeridade fiscal como forma de
amortizar suas dívidas. As moratórias e descontos das dívidas nacionais
costumam causar fugas intensas de capitais e desvalorizações brutais da moeda
doméstica, ocasionando em carestia pelo lado da oferta e muita inflação
consequentemente.
Os defensores da MMT costumam ser bastante fiéis e chegam até a serem
agressivos na defesa dos princípios da sigla, portanto, eles afirmam que a
existência da restrição externa via dívidas contraídas em autoridades
monetárias não soberanas reafirmam o poder retórico da MMT, de que realmente em
moeda interna não se entra em falência. E é uma verdade parcial e um tanto
controversa.
Será que governos não quebram em moeda doméstica mesmo? E, como dizem os
próprios adeptos da MMT, a limitação do gasto e da dívida interna é apenas
física (recursos naturais, insumos, trabalho humano e tecnologia)? Na minha
opinião, mais ou menos, pois variáveis financeiras e especulativas influenciam
os fatores de produção, para o bem ou para o mal. De fato, não existe a
falência do governo, mas restrições, sim.
Não existe apenas a restrição externa via desvalorizações da própria
moeda em paridade dólar. Há também, ao meu ver, a restrição interna. O Estado
tem poder sobre sua a própria moeda e sobre sua dívida soberana, mas não sobre
o setor privado (mercado e famílias). Logo, a desancoragem das expectativas
inflacionárias via taxa de juros, o açambarcamento e a pressão sobre os preços
via especulação tornam se problemas graves. A inflação passaria a deixar de ser
controlada do lado da demanda via taxa de juros para ser uma inflação de falta
de oferta sem nenhuma dominância monetária, tornando o banco central um
elemento frágil na sua função primordial. Fora que não é apenas a dívida
externa que restringe a expansão fiscal de um país, pois a simples
desvalorização cambial pressiona a economia interna via fenômeno de pass trough
(sobem os custos internos devido ao encarecimento em moeda doméstica dos
insumos externos). Lembra da famosa cantiga de Ciro Gomes sobre o trigo e o
pão? É o pass trough. Trigo é pão e o nosso trigo é importado, logo, se o dólar
fica mais caro, então o trigo e o nosso pão também ficam. E tem mais: um terço
da nossa dívida é indexada na própria inflação, ou seja, se sobe a inflação
também sobe o estoque da dívida. Piora o rating via relação dívida bruta e PIB,
assim tornando a relação cambial mais dramática ainda. Vira um efeito cascata,
pois a taxa de juro do Banco Central, a Selic, deixa de perder a função
primordial de controle inflacionário via ferramenta de meta de inflação para
ser também uma arbitrária de câmbio. Isso é bem problemático do ponto de vista
macroeconômico, principalmente considerado que quanto mais forças de mercado
com ação vendedora desvalorizam a moeda doméstica mais juro seria necessário
para conter essa fuga de dólares e normatizar o câmbio. O Brasil viveu isso nos
anos 90, com taxas de juro colossais, próximo ao 50% ao ano. Toda essa
instabilidade seria uma festa para financistas e especuladores, uma vez que
eles ganham com a alta volatilidade. Já para o setor produtivo seria uma
tragédia, uma vez que a incerteza e a volatilidade financeira é inimiga do
acréscimo de FBCF. A possível inflação por falta de oferta acabaria também
alimentando a inflação por demanda especulativa, ou sobre demanda. Seria, no
caso, uma ocasião do Dilema de Triffin (demanda afeta preços ou preços afetam a
demanda?). Em ocorrência de surtos de preços, a procura por se ancorar em
ativos reais e mercadorias tornariam a subida de preços desses ainda mais
incontrolável. Ou seja, vários fatores inflacionários se misturando e
contagiando a economia real. Um cenário de caos e desancoragem.
Observação: a valorização das reservas internacionais em moeda
doméstica e a ideia do câmbio de equilíbrio, além do novo desenvolvimentismo,
não são assuntos alvo desse texto. Temas para outros textos.
Fora que, se o mercado perder o interesse em financiar o Estado via
compra de títulos no mercado primário devido à falta de crença na capacidade de
fluxo pagamentos do governo, o juro provavelmente voltaria a crescer mesmo em
cenário de crescimento baixo. O juro básico não responde apenas à Inflation
Target (meta de inflação) ou à Regra de Taylor, mas também à expectativa
especulativa no mercado secundário dos títulos, e dessa forma o estoque da
dívida pode influenciar o fluxo, mesmo com a ideia de que o estoque em moeda
soberana não é um problema em si. A atuação do Bacen no mercado aberto facilita
o cumprimento da fixação da meta da taxa SELIC definida pelo Copom, mas talvez
não tenha plena sintonia com a inflação e com os encurtamentos de prazos da
dívida sem a política fiscal alinhada. A pressão por melhores prazos e controle
inflacionário invariavelmente irá pressionar o Tesouro a controlar os gastos
primários de governo, leia-se, praticar austeridade fiscal. Sem a austeridade e
com pressões no mercado aberto, a taxa de juros tende a subir e os prazos a
encurtarem, como no vício pelas operações compromissadas na drenagem de excesso
de caixa dos bancos. Com a elevação percentual do pagamento de fluxos financeiros
em relação ao todo do Orçamento, os espaços fiscais para gastos primários ficam
reduzidos da mesma forma.
Acaba sendo uma verdadeira encruzilhada: você tenta crescer o gasto
discricionário e o juro sobe, reduzindo o espaço fiscal. Mas você desce o gasto
discricionário para descer o juro, aparecendo o já reduzido espaço fiscal
devido ao decréscimo do discricionário.
E o juro alto também é um custo de produção, como descrito por Nicholas
Kaldor em seus clássicos artigos. Teríamos então que conviver com baixo
crescimento aliado a limitação de crédito, uma vez que alta taxa básica aliada
a baixo crescimento do PIB gera uma baixíssima demanda por crédito. Essa
combinação perigosa poderia ocasionar em inflação de custos e na famosa mistura
conhecida como estagflação, estagnação misturada à inflação.
Nessas condições, como aumentar o espaço fiscal entre despesa financeira
(juro) e gasto discricionário (investimento)? Com crescimento do PIB e das
receitas acima do crescimento da inflação e do estoque da dívida, no entanto,
não temos a fórmula pronta para tal.
Tem mais um detalhe a acrescentar: no raciocínio keynesiano a expansão
fiscal é uma ação anticíclica e pontual, e não uma ação duradoura em modo
perpétuo (roubei esse termo da discussão entre Marcos Lisboa e Nelson Barbosa).
O comportamento em modo perpétuo da expansão fiscal pode tirar a eficácia anticíclica
da mesma, tornando a na verdade pró cíclica via expectativas.
Escassez gera aumento de preço. E aumento de preço muitas vezes gera
taxa de lucro. A escassez pode não gerar aumento de lucro bruto, mas o
indicador da atividade capitalista normalmente é a taxa de lucro, e não o
volume de lucro. A expansão fiscal e a criação de moeda podem, portanto, fazer
os capitalistas gerarem escassez de propósito. Seria o açambarcamento ou o mero
desestímulo à expansão produtiva. É isso que causaria o efeito pró-cíclico da
economia.
A quebra de braço entre a ideia de crowding out e sua inversão, o
“crowding in”, também seria um fator de instabilidade e de greve de investimentos
por parte do setor privado. No caso brasileiro a classe empresarial se
interessa muito pela concessão de infraestrutura, desestatizações e
privatizações. É a fome por lucros fáceis e rentabilidades garantidas. Então
interessa ao setor privado a redução estatal, o ajuste fiscal, o
contingenciamento de custos, etc. Talvez por isso a economia brasileira tenha
desacelerado e entrado em recessão técnica em meio a uma grande expansão fiscal
e monetária no governo Dilma. Não era do interesse do setor privado essas
atuações macroeconômicas do governo. Foi o embrião das manifestações da chamada
“Patópolis”.
Ok, as expansões e os impulsos fiscais são bem discutíveis. Não é tema
desse texto discutir esse assunto. Assim como não é tema do texto discutir se
houve ou não ajuste fiscal no início do primeiro mandato Dilma, em 2011 e 2012.
A parábola da “Fada da Confiança” não pegou também. Os ajustes fiscais e
as contrações posteriores ao impeachment da ex presidente Dilma não fizeram a
economia retomar com fôlego e nem a empregabilidade reagir como deveria.
No meio de tudo isso ainda teve mudanças institucionais como a reforma
trabalhista, reforma do ensino médio, EC do teto de gastos, etc. E esse ano,
após a eleição de Bolsonaro, a reforma da previdência. Nada disso foi
suficiente. A economia continua cambaleante, resultados lentos, déficit
primário, empregabilidade ainda baixa, capacidade ociosa alta, nível de
investimento em proporção com o PIB baixíssimo, etc. Agora, no mês de setembro
de 2019, noticiado a primeira deflação em vinte anos, sinal de recuperação
lenta e demanda frágil.
A mera expansão fiscal desregrada e desregulada pode sim, ser um fator
de instabilidade financeira e desaceleração do produto, seja por vias políticas
ou não. Evidente, no entanto, que isso não justifica o raciocínio austericida e
recessionista. Mas não dá para deixar de pontuar ambos os lados. Talvez um
melhor debate sobre o assunto seria relativo à qualidade e eficiência do gasto,
aceleração do crescimento e multiplicidade fiscal em ações governamentais de
expansão monetária ou fiscal. Seria outro nível e aprofundamento de debate.
Outro bom debate seria o do repasse da queda da SELIC aos juros praticados no
mercado de crédito brasileiro, onde já existem bons papers e estudos sobre o assunto.
De fato, no momento, há uma luta entre a burguesia brasileira e o Estado
(aliás, o tamanho e atuação do Estado). Há pressões políticas cada vez maiores
pela selvageria do extremo liberalismo e redução de demandas sociais básicas,
além de tentativa forçada de contenção de ganhos trabalhistas, empurrando cada
vez mais os extratos médios da sociedade à proletarização e precarização. A
ascenção do aplicativo Uber e dos aplicativos de entregas tipo Ifood e Rappi no
mercado de trabalho são consequência disso. Além das multiplicadas ações de
informalidade, às vezes gourmetizadas de maneira forçosa, como na descrição de
“Dark Kitchens” para simples serviços de entregas de comidas caseiras.
A MMT não explica essa luta entre burguesia e governo, e de fato é uma
fragilidade teórica dos adeptos da sigla. Achar que a mera expansão fiscal ou
monetária vai gerar demanda por utilização da capacidade ociosa, acréscimo do
investimento e aumento da empregabilidade, é, no mínimo, uma constatação
ingênua. É querer supor uma ingenuidade da burguesia e uma perca da força dela
face às vontades dos governos. Ainda que os fanáticos pela sigla argumentem que
isso é um espantalho, não dá para negar que o conjunto de princípios da MMT
leva à crença da mera expansão fiscal e monetária como indutores do crescimento
sem a influência do setor privado, da taxa de lucro e da formação das
expectativas. Também desconsidera a influência do mercado financeiro e do
capital fictício na instabilidade da economia real, mesmo tendo influência
teórica em Minsky no seu conceito de “Grande governo”.
É uma verdade incontestável: de fato o dinheiro não acabou e não temos
risco de default em moeda própria. Mas temos outra verdade dolorosa: o ciclo de
crescimento da América do Sul dos anos 2000 acabou. E não há sinais de que
aumentar o gasto discricionário irá retomar àquele ciclo. Se assim fosse, nunca
haveria desaceleração antes dos contingenciamentos, no momento da continuação
das alavancagens da relação Tesouro/BNDES e no aumento brutal de subsídios
fiscais do começo dessa década.
Referências:
*Será que “Acabou o Dinheiro”? Financiamento do gasto
público e taxas de juros num país de moeda soberana - Franklin Serrano e Kaio Pimentel
*Teoria das finanças funcionais e o papel da política
fiscal: uma crítica pós keynesiana ao novo consenso macroeconômico - Gabriel Caldas Montes e Romulo de Couto Alves
*Resultado estrutural e impulso fiscal: aprimoramentos
metodológicos - Sérgio Gobetti, Rodrigo Orair
e Frederico Dutra
*Autonomia do Banco Central: estabilidade de preços ou
estabilidade macroeconômica? - Luiz Fernando
de Paula
*A inércia da taxa de juros na política monetária - Fernando de Holanda Barbosa
*Dominância
fiscal ou dominância monetária no Brasil? Uma análise de causalidade - Sérgio
Ricardo de Brito Gadelha e José Angelo Divino
*Trabalho
e moeda hoje - Randall Wray.
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