Publicado
originalmente no site Marxismo21
Data Maio de 2013.
Por Ricardo Figueiredo de Castro[1]
O
marxismo brasileiro ainda não é centenário. Apesar dos poucos brasileiros que
citam e discutem superficialmente “o Mouro” no final do século XIX e nos
primeiros anos do século XX, é apenas a partir dos anos 1920 que no Brasil,
efetivamente, os ensinamentos de Karl Marx e Friedrich Engels, tornam-se
ferramenta analítica de compreensão da realidade e de sua transformação.
Marcos Del Roio (1990, p. 171) reconhece que, naquela conjuntura, esta foi "a mais consistente reflexão do ponto de vista marxista sobre a formação social brasileira." O Esboço de uma análise sobre a situação econômica e social do Brasil apresenta uma análise que leva em conta conceitos como modo de produção, formação social, meios de produção, acumulação primitiva de capital, propriedade privada, expropriação dos meios de produção. Embora seja apenas um esboço, explicitado no próprio título, esse trabalho consegue analisar minimamente as condições históricas concretas da introdução do capitalismo na formação econômica brasileira. Há, pois, nesse curto ensaio uma sensibilidade teórica em articular o abstrato do modo de produção com o concreto da formação econômica e uma preocupação em demonstrar a especificidade do capitalismo brasileiro em relação ao seu caráter universal. Além deste texto os comunistas da Oposição de Esquerda também publicaram outro importante texto, o Projeto de teses sobre a situação nacional (ABRAMO, KAREPOVS, p. 143-169), publicado em 1933.
No momento da edição do Esboço os “oposicionistas de esquerda” consideravam-se militantes críticos da política do Partido Comunista e, portanto, travavam a discussão no interior do campo partidário comunista. Apenas em 1934, seguindo orientação do movimento internacional, decidem sair do Partido.
Essa primeira geração do trotskismo brasileiro é altamente importante para a história da esquerda e do marxismo brasileiro devido a três razões.
Em primeiro lugar, este grupo teve uma importante inserção tanto no campo intelectual quando no sindical e mostrou reais condições teóricas e políticas de substituir o grupo dirigente dos anos 20. O fim do grupo dirigente gestado nos anos 20, articulado em torno de Astrogildo Pereira e Otávio Brandão abriu espaço político para a ascensão de um novo grupo dirigente alternativo formado pelos militantes “bolchevique-leninistas”. Entretanto, em função da pressão exercida pelo Comintern o novo grupo dirigente formado por Mário Pedrosa, Lívio Xavier e Rodolfo Coutinho não conseguiu substituí-lo. A sua relação com a Oposição de Esquerda internacional o desqualificou frente ao Comintern e, consequentemente, o inviabilizou frente à militância partidária. Lembramos que o apoio e reconhecimento do “partido mundial da revolução” era então fundamental para a militância do PCB. A queda do grupo dirigente Astrogildo-Brandão e a inviabilidade política do grupo Pedrosa-Xavier-Coutinho causou assim uma forte instabilidade na direção nacional. Para superar este problema a Internacional Comunista patrocinou, no início de 1933, um curso com duas turmas para escolher os futuros dirigentes partidários nacionais, dos quais saíram os futuros secretários-gerais ao longo da década: Antônio Manuel Bonfim (Miranda) e Lauro Reginaldo da Rocha (Bangu).
Em segundo lugar, realizaram um importante trabalho de difusão do marxismo, numa época em que o PCB passava por dificuldades e não tinha condições de fazê-lo. Além disso, valorizavam os textos teóricos tanto quanto os textos de conjuntura política. Essa opção dos intelectuais “trotskistas” era, à época, original, posto que o Partido Comunista divulgava e publicava apenas textos políticos conjunturais sem maiores pretensões teóricas. Procurando suprir essa lacuna, os intelectuais “trotskistas” participaram da criação em São Paulo da Editora Unitas. Essa casa editorial publicou na primeira metade dos anos 30 um diversificado catálogo de autores marxistas, tais como Marx, Engels, Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo etc. Inclusive, editou ainda em 1932, a versão condensada d' O Capital de autoria de Carlos Cafiero e, em janeiro de 1933, livro de artigos de Trotsky sobre a questão do fascismo e da revolução na Alemanha, organizados e traduzidos por Mário Pedrosa[8]. É importante notar ainda que dois de seus mais importantes integrantes, Pedrosa e Xavier, tinham um particular interesse pelos fenômenos artísticos, sobretudo as artes plásticas e o cinema. Inclusive, ambos se tornaram ulteriormente dois dos mais importantes críticos brasileiros: Xavier se dedicou durante vários anos à crítica literária em jornais diários e Pedrosa tornou-se o mais importante crítico de artes plásticas entre os anos 60 e 80 e uma referência na esquerda marxista do país.
Concluindo, no início dos 1930 surgiram condições objetivas e subjetivas para o desenvolvimento do marxismo no Brasil. O texto analisado Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil é um dos exemplos desta possibilidade histórica que, no entanto, pelas próprias condições e circunstâncias de seu desaparecimento violento do espaço público de discussão teórica e política, também indica os limites objetivos e subjetivos ao pleno desenvolvimento do marxismo em toda a sua potencialidade como teoria e práxis, seja na esfera da sociedade seja no âmbito da esquerda brasileira.
BIBLIOGRAFIA
ABRAMO, Lívio, KAREPOVS, Dainis. Na contracorrente da história: documentos da Liga Comunista Internacionalista, 1930-1933. São Paulo: Brasiliense, 1987.
CASTRO, Ricardo Figueiredo de. A Oposição de Esquerda brasileira (1928-1934): teoria e práxis. Niterói, 1993. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense.
CASTRO, Ricardo Figueiredo de. “A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil (1933-1934)”, Revista Topoi, Rio de Janeiro, n. 5, set. 2002. Disponível em: http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi05/topoi5a15.pdf
CASTRO, Ricardo Figueiredo de. “O Homem Livre: um jornal a serviço da liberdade (1933-1934)” Cadernos AEL, Campinas, volume 12, n. 22/23, 2005. Disponível em: http://segall.ifch.unicamp.br/publicacoes_ael/index.php/cadernos_ael/article/viewFile/22/26
CASTRO, Ricardo Figueiredo de. “O comunista que falava alemão: apontamentos biográficos”, Anais do XIV Encontro Regional da ANPUH-Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276643839_ARQUIVO_RicardoFigueiredodeCastroartigo.pdf
DEL ROIO, Marcos. A classe operária na revolução burguesa: a política de alianças do PCB, 1928-1935. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990.
KONDER, Leandro. A derrota da dialética: a recepção das idéias de Marx no Brasil, até o começo dos anos trinta. Rio de Janeiro: Campus, 1988.
MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira. São Paulo: Ática, 1980.
[1]
Professor de História Contemporânea do Instituto de História
(IH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) E-mail: ricardocastro@ufrj.br
[2] A Editora Anita Garibaldi reeditou o texto em 2006.
[3] Gostaríamos de agradecer ao historiador Dainis Karepovs que gentilmente nos autorizou a publicar esta versão digital da tradução.
[4]
O termo trotskista é anacrônico para este período da
história do movimento trotskista mundial. Os integrantes deste movimento
preferiam o termo “bolchevique-leninista” para afirmar sua filiação à tradição
política dos comunistas russos. Ou seja, o termo trotskista na época era usado
por aqueles que pretendiam acusar os “bolcheviques-leninistas” de fracionistas,
o maior pecado de um militante comunista. Desse modo, o termo “trotskista” é
usado aqui entre aspas, evitando o anacronismo, mas inserindo estes militantes
na história do movimento trotskista ulterior.
[5]
PCB era a sigla então utilizada pelo Partido Comunista
do Brasil, seção brasileira da Internacional Comunista.
[6]
Essa correspondência assim como as origens do
trotskismo são muito bem analisadas no livro de José Castilho Marques Netto. A solidão revolucionária: Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1993.
[7][7]
Para
maiores detalhes sobre a história da Liga Comunista ver Castro (1993).
[8] TROTSKY,
Leon. Revolução e contrarrevolução na
Alemanha. São Paulo: Sunderman, 2011.
[9] Disponível em: http://marxismo21.org/wp-content/uploads/2012/09/Carta-para-Livio-Xavier-20-09-19332.pdf