Carl Edward Sagan foi um cientista, astrobiólogo, astrônomo, astrofísico, cosmólogo, escritor e divulgador científico norte-americano. 09/11/1934 - 20/12/1996 |
O trecho abaixo se encontra no livro Bilhões e Bilhões, livro de Carl Sagan e Ann Druyan publicado
originalmente pela Random House em 1997 — um ano após a morte de Sagan.
A espaçonave estava bem longe
de casa. Eu pensei que seria uma boa ideia, logo depois de Saturno, fazer ela
dar uma última olhada em direção de casa.
De saturno, a Terra apareceria muito pequena para a Voyager apanhar qualquer
detalhe, nosso planeta seria apenas um ponto de luz, um “pixel” solitário,
dificilmente distinguível de muitos outros pontos de luz que a Voyager
avistaria: Planetas vizinhos, sóis distantes. Mas justamente por causa dessa
imprecisão de nosso mundo assim revelado valeria a pena ter tal fotografia.
Já havia sido bem entendido por cientistas e filósofos da antiguidade clássica,
que a Terra era um mero ponto de luz em um vasto cosmos circundante, mas
ninguém jamais a tinha visto assim. Aqui estava nossa primeira chance, e talvez
a nossa última nas próximas décadas.
Então, aqui está – um mosaico quadriculado estendido em cima dos planetas, e um
fundo pontilhado de estrelas distantes. Por causa do reflexo da luz do sol na
espaçonave, a Terra parece estar apoiada em um raio de sol. Como se houvesse
alguma importância especial para esse pequeno mundo, mas é apenas um acidente
de geometria e ótica. Não há nenhum sinal de humanos nessa foto. Nem nossas
modificações da superfície da Terra, nem nossas maquinas, nem nós mesmos. Desse
ponto de vista, nossa obsessão com nacionalismo não aparece em evidencia. Nós
somos muito pequenos. Na escala dos mundos, humanos são irrelevantes, uma fina
película de vida num obscuro e solitário torrão de rocha e metal.
Considere novamente esse ponto. É aqui. É nosso lar. Somos nós. Nele, todos que
você ama, todos que você conhece, todos de quem você já ouviu falar, todo ser
humano que já existiu, viveram suas vidas. A totalidade de nossas alegrias e
sofrimentos, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas, cada
caçador e saqueador, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da
civilização, cada rei e plebeu, cada casal apaixonado, cada mãe e pai, cada
crianças esperançosas, inventores e exploradores, cada educador, cada político
corrupto, cada “superstar”, cada “lidere supremo”, cada santo e pecador na
história da nossa espécie viveu ali, em um grão de poeira suspenso em um raio
de sol.
A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pense nas
infindáveis crueldades infringidas pelos habitantes de um canto desse pixel,
nos quase imperceptíveis habitantes de um outro canto, o quão frequentemente
seus mal-entendidos, o quanto sua ânsia por se matarem, e o quão fervorosamente
eles se odeiam. Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais
e imperadores, para que, em sua gloria e triunfo, eles pudessem se tornar os
mestres momentâneos de uma fração de um ponto. Nossas atitudes, nossa
imaginaria auto-importancia, a ilusão de que temos uma posição privilegiada no
Universo, é desafiada por esse pálido ponto de luz.
Nosso planeta é um espécime solitário na grande e envolvente escuridão cósmica.
Na nossa obscuridade, em toda essa vastidão, não há nenhum indicio que ajuda
possa vir de outro lugar para nos salvar de nós mesmos. A Terra é o único mundo
conhecido até agora que sustenta vida. Não há lugar nenhum, pelo menos no
futuro próximo, no qual nossa espécie possa migrar. Visitar, talvez, se
estabelecer, ainda não. Goste ou não, por enquanto, a terra é onde estamos
estabelecidos.
Foi dito que a astronomia é uma experiência que traz humildade e constrói o
caráter. Talvez, não haja melhor demonstração das tolices e vaidades humanas
que essa imagem distante do nosso pequeno mundo. Ela enfatiza nossa
responsabilidade de tratarmos melhor uns aos outros, e de preservar e estimar o
único lar que nós conhecemos… o pálido ponto azul.