ENTENDA PORQUE NÃO É POSSÍVEL IMPEDIR A EXPANSÃO DA BASE
MONETÁRIA NA ECONOMIA CAPITALISTA E COMO ESSA EXPANSÃO NÃO É A CAUSA DA
INFLAÇÃO.
Por Humberto Matos (professor de História, Sociologia e estudante de Economia)
O raciocínio intuitivo mais
comum quando o assunto é moeda, é a máxima entendida que quanto maior o volume
de meios de pagamento, maior a inflação. Essa ideia decorre da
compreensão da moeda como uma mercadoria e por assim ser, obedeceria à lei da
oferta e da procura, extremamente intuitiva e aparentemente absolutamente
lógica. Ora, se há mais de alguma coisa essa coisa é mais comum e, portanto
mais acessível.
A organização desse
pensamento ocorre a com David Hume com sua Teoria
Quantitativa da Moeda que, avaliando a moeda como uma mercadoria,
compreende que M (moeda) é igual a preço vezes produto (PY) – em resumo, então
aumentar o volume de moeda só faz desvalorizar a mesma, pois se torna
necessário uma maior quantidade de moeda para o mesmo produto, ou seja,
desvalorização da moeda (inflação).
Quando a moeda era realmente
uma mercadoria, o ouro ou a prata, ou qualquer outra coisa, isso fazia todo o
sentido. Essa realidade começou a mudar a partir do momento que surge o
dinheiro, o papel moeda, ou seja, o representante do valor. Partindo do
pressuposto que a moeda é um produto, aqui o ouro, ou se tem as trocas comerciais
em moedas de ouro ou se usa o papel moeda como representante dessa quantia de
ouro.
O papel moeda é fruto do
estabelecimento da economia de mercado, a moeda em espécie é muito mais antiga
que a economia capitalista, portanto, um meio de pagamento que represente o
valor é uma das características do arranjo econômico do modo de produção
capitalista e, como veremos, a necessidade de existência de um representante do
valor que sirva como meio de pagamento foi condicionante para a implantação do
sistema que tem por objetivo a acumulação de excedentes.
Antes de continuarmos a
discussão, é importante lembrar que não existe “impressão de dinheiro”, não
vamos nem nos referir ao meio de pagamento assim, vamos usar “moeda”. Não
existe essa realidade “de que os Governos imprimem moeda” e o valor desta é
absolutamente baseado na crença da população em relação ao instrumento. Como
veremos ao longo do texto, a expansão da base monetária – aumento do volume de
meios de pagamento na economia – não é fruto (e nunca foi), da “impressão de
dinheiro”. É, sim, verdade que o volume de meios de pagamentos oscila na
economia e que isso pode ocorrer em maior ou menor amplitude, contudo, esse
fenômeno não decorre de uma simples opção de “imprimir” ou não. Vamos aqui ver
que o uso do papel moeda como representante do valor se estabeleceu de modo que
a economia de mercado compreendeu esse mecanismo como sendo seguro e lastreado
em algo concreto e de valor constituído com base na realidade material.
Sempre que uma moeda entra
em colapso, fazendo com que o Governo crie cédulas de incrível numerário, é em
decorrência do fim da moeda, é uma anomalia causada pela incapacidade dessa
moeda em ter valor vinculado a realidade material. Quando isso ocorre, numa
perspectiva de padrão ouro, significa que o saldo da balança comercial é
desfavorável ao banco emissor da moeda e como ele tem que quitar seu balanço em
ouro, o nível de ouro no ativo do banco cai nesse caso à única alternativa é
diminuir a quantia de ouro em cada cédula, o que é imediatamente repassado aos
custos ocasionando inflação.
Nesse caso, o que desvaloriza a moeda é o saldo da
balança comercial e o numerário das cédulas é insignificante, pois como se
trata de uma mercadoria, os preços são relativos, é só cortar os zeros, e dar
outro nome a moeda quando já tiverem sido acrescidos zeros demais. Quanto isso
ocorre na moeda dívida – que veremos também como se estabelece – é decorrente
da desvalorização dos títulos que compõem os ativos do banco emissor da moeda.
Essa desvalorização é decorrente da atividade econômica - que se não estiver
aquecida inviabiliza a capacidade do país de honrar com os títulos - existem
outros mecanismos para tornar os títulos valorizados (como por exemplo, a
política de juros e prazos), e evitar a desvalorização da moeda, veremos que
isso é fruto de um processo histórico resultante dos antagonismos de classe ao
longo do estabelecimento do modo de produção capitalista e que hoje, o arranjo
macroeconômico, faz com que não haja um padrão único para produzir títulos de
valor, mesmo que o mercado ainda compreenda que há uma relação física, de
memória, da moeda com a produção.
Então entendamos que não é
real a ideia do senso comum que há a possibilidade de um Governo
deliberadamente imprimir moeda, isso é um conhecimento vulgar, veremos a seguir
então como se da o mecanismo de expansão da base monetária.
A ideia do papel moeda
ganhou força juntamente com o estabelecimento das monarquias nacionais. Neste
período, um período de desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo, se
fez necessário financiar a expansão da produção rapidamente a fim de garantir
mercados, assim, os Estados-Nação criam seus próprios bancos para emitir moeda
e garantir esse financiamento.
Essa mesma Estada Nação se
estabeleceu com base na propriedade privada dos meios de produção onde, em
última instância, houve uma relação de parceria entre os que detinham o
controle da produção e o Estado absolutista. Desse modo, os Estados tinham que
criar um modelo que permitisse o desenvolvimento dessas forças produtivas
privadas que, no caso, serviam de base política para sustentação dos regimes –
uma herança da Europa feudal.
A superação do regime de
produção servil necessitou da implantação de um sistema de meios de pagamento e
como era do interesse da classe burguesa um modelo que garantisse a expansão de
seus negócios, e sendo essa classe produtiva a base de sustentação política do
novo regime, se estabeleceu um modelo que atendesse aos interesses das duas
classes dominantes – a nobreza e a burguesia mercantil (depois burguesia
industrial no período pós-revoluções burguesas).
Surge então o modelo
clássico de balanço dos bancos. A composição era (e é), a seguinte, a moeda é o
passivo do banco e a mercadoria (no caso ouro ou prata), é seu ativo, sendo assim
a quantidade de moeda é igual à quantidade de mercadoria que ela representa.
Essa máxima se apresenta como uma igualdade contábil. Nas cédulas, havia a
indicação do quanto de metal que a mesma valia no banco, não havia noção de
dívida pública e as transações internacionais eram finalizadas em espécie (em
mercadoria – no caso, ouro).
Poderia
ter sido qualquer mercadoria, porém a escolhida quase sempre foi o ouro ou a
prata.
As moedas nacionais não eram
as únicas nesse período, contudo devido a maior capacidade dos bancos estatais
em acumular metais, as moedas derivadas desses bancos rapidamente ganharam a
preferência do mercado e passaram a ser mais utilizadas devido a
confiabilidade. No início, os bancos quebravam com muita frequência e deixavam
os depositantes no prejuízo, os bancos nacionais passaram a serem requisitados
para salvar esses depositantes e, em última instância, os bancos estatais
monopolizaram a emissão de moeda através dessa mecânica.
Isso
nos leva a outra pergunta, por que foi necessário criar um representante para o
valor, o papel moeda?
A questão é que foi adotado
como mercadoria base para as trocas comerciais o ouro, ou a prata, metais cujo
crescimento do estoque era limitado fisicamente, isso se tornou um entrave num
momento de rápido crescimento da demanda de meios de pagamento. A solução
encontrada foi fracionar a quantia de ouro mais do que era possível em moedas,
numa nota era possível colocar até mesmo uma fração de grama do ouro, o que
numa moeda em espécie seria impossível. Mais meios de pagamento, maior
facilidade na circulação de mercadorias e o que inflacionou foi o valor do
ouro, daí a política conhecida como “bulhonismo”, cujo objetivo das nações
mercantilistas era acumular metal precioso.
Em meio a isso, os bancos
privados se desenvolvem como facilitadores para o sistema de meio de pagamento.
Inicialmente eram reservas de custódia, contudo, com o desenvolvimento do
capitalismo e com o aumento do volume das trocas comerciais, os bancos passaram
a atuar como agentes de câmbio e financiadores de empréstimos. Com isso,
concomitantemente ao desenvolvimento da demanda por meios de pagamentos, surge
o sistema multiplicador dos depósitos, surge do “laissez faire”, paradigma cultural liberal do período.
Como a moeda era uma
mercadoria, os teóricos da economia política da época não desenvolveram uma teoria
específica sobre a moeda, colocavam-na como uma mercadoria como outra qualquer
dentro da economia capitalista, ou no máximo como um instrumento de troca, viam
na moeda a única função de facilitar as trocas.
Os bancos então passavam a
ficar com a moeda em reserva de custódia e usavam desses recursos para conceder
empréstimos a juros, apostando que não haveria um volume maior de saques em
relação ao volume de depósitos e lucros com os juros. Esses empréstimos se
mostraram eficientes como meio para financiar a expansão da produção e atender
a demanda das nações imperialistas que naquele momento estavam em disputa por
domínios de territórios que servissem de mercado consumidor e de fontes de
matéria prima na estratégia de impor essa divisão internacional do trabalho que
evidentemente, devido ao maior valor agregado aos produtos industrializados,
enriqueceria as nações centrais do capitalismo e criaria uma relação de
dependência nas áreas de influência – como de fato ocorreu.
Esse mecanismo de multiplicação
dos depósitos foi a salvação para a necessidade de crédito rápido imposta pelo
rápido crescimento da economia, sem esse mecanismo, não haveria como garantir
meios de pagamentos que financiassem a expansão da produção usando como base
uma mercadoria como o ouro ou a prata.
Assim já temos um ponto
importante para a nossa discussão: a impossibilidade de impedir os bancos de
multiplicarem os depósitos e o fato desse sistema ser fruto exclusivamente de
uma característica inerente ao capitalismo que é a necessidade de meios de
pagamento.
Então veio a crítica de
Marx. Ele apontou a contradição no capitalismo ao perceber que todo esse
sistema se baseia na acumulação de um excedente fruto da exploração e que esse
mecanismo gera concentração, desigualdade, péssima qualidade de vida para a
maior parte da população que se essa situação se torna mais aguda na medida em
que o mesmo se desenvolve, até o ponto de tornar-se insustentável.
Independente da crítica
marxista, as nações haviam desenvolvido uma relação de dependência com o
sistema produtivo agora capitalista, nesse sentido então, a saída foi
desconstruir a proposição de Marx a fim de amenizar as contradições de classe e
evitar a revolução.
Com isso, o mainstream econômico, a serviço da
classe dominante, desenvolveu a teoria econômica a desvinculando da política.
Até a obra de Marshall - “Princípios
de Economia” (tempos de Smith, Ricardo e Marx), não havia separação
entre “economia” e “política”. A economia é uma ciência humana que estuda a
produção, circulação e o consumo de mercadorias e serviços, portanto, é um
arranjo social, não é algo natural. Esse arranjo se dá em função da política,
em função da relação de forças estabelecidas na sociedade.
Esquecendo Marx, o modo de
produção capitalista se desenvolveu ancorado nesse sistema que descrevi: moeda
mercadoria monopolizada pelos Bancos Centrais, os bancos privados servindo de
financiadores do desenvolvimento através do multiplicador dos depósitos, câmbio
fixo – as transações internacionais eram finalizadas em espécie (em ouro). Não
havia noção de dívida pública.
A
Teoria Quantitativa da Moeda era dominante.
O mercado seguiu se
desenvolvendo agora no mercado de capitais. Outra forma de capitalização para
garantir o aumento da produção encontrada, foi a “abertura do capital”. A
mecânica é simples, um empresário fraciona e vende parte de sua empresa na
bolsa de valores (mercado de capitais), com o capital gerado por essa operação,
ele pode investir na expansão da produção, se o crescimento da receita
proveniente da expansão da produção for alto compensa ele ter aberto mão de
parte de sua empresa, mesmo ele sendo dono de uma menor parte da empresa, ele
ganha mais porque o aumento de produtividade foi alto.
O surgimento dessas
operações criou outra situação – lembrando que o paradigma econômico e cultural
do período era o “lassiez faire”, ou seja, um paradigma liberal – As ações, ou
seja, as partes das empresas agora negociadas no mercado de capitais passaram a
exercer a função de ativos financeiros, podendo compor a base de ativos dos
bancos influindo na capacidade de emissão de passivo, como explicado acima, na
questão da igualdade contábil que envolve o balanço dos bancos.
Não parou por aí, o mercado
percebeu que além das ações, empréstimos a receber também podem ser
considerados um patrimônio, portanto, um ativo. Esses empréstimos assim também
passaram a ser negociados no mercado de capitais e também passaram a fazer
parte do balanço de pagamento dos bancos, tudo sem a menor interferência do
Estado na economia.
A participação do Estado,
nesse momento, se resumia a impor o capitalismo de baioneta ou de canhão aos
mercados que se dividiam como áreas de influência (realidade que só vai ser
alterada após as guerras mundiais).
Neste ponto já temos as
condições que são a causa da crise de 1929. Um sistema monetário ancorado num
sistema bancário fortemente desregulado, que dependia de rápida expansão. Não
vou entrar aqui no que estava ocorrendo neste período no campo socialista, na
parte do mundo onde Marx foi escutado, pois o objetivo do texto é explicar um
fator da economia capitalista que é a impossibilidade de impedir o crescimento
da base monetária.
A especulação, o rápido
crescimento, sobretudo com a guerra, e a financerização da economia, formou uma
bolha financeira que não se sustentou com a queda na demanda fruto do fim dessa
rápida expansão e do retorno da atividade industrial da Europa.
O crash e a seguida depressão alteraram o paradigma da economia
burguesa. Se tornou necessário apresentar uma alternativa ao sucesso do modelo
socialista do período, o paradigma liberal clássico foi substituído pelo
paradigma keynesiano, um modelo que passou a dar a moeda uma nova conotação
dentro da economia capitalista.
Até agora já percebemos que
mesmo na economia do passado não havia como controlar a expansão da base
monetária, ela não necessariamente gerava inflação porque como a moeda era uma
mercadoria, essa inflação só ocorreria se fosse diminuído o percentual de ouro
em cada nota, mas isso era irrelevante porque como as transações no mercado
internacional eram finalizadas em ouro, os preços eram sempre relativos.
Preços relativos – outra
premissa liberal baseada no conceito que a moeda é uma mercadoria como outra
qualquer, onde a inflação não é um problema para a economia, a desvalorização
da moeda não influi porque a moeda é apenas um representante do valor do ouro e
sua única função é facilitar as trocas.
Assim já demonstro como a
expansão da base não prejudica a economia capitalista na moeda mercadoria, já
demonstro que ela não tem relação com as crises econômicas justamente porque é
impossível impedi-la de crescer. Ou assumimos isso ou assumimos a inviabilidade
do modelo capitalista, assumimos a contradição resultante da necessidade de
geração de excedentes constantes sobre uma realidade material limitada,
assumimos que Marx estava o tempo todo correto, ou admitimos que não é culpa da
expansão da base as crises do capitalismo. Como aqui estamos discutindo a
economia capitalista, vamos assumir então que mesmo em meio a economia clássica
liberal, não houve problema nenhum com relação a base e que a inflação não é
também um problema porque, segundo os liberais clássicos, os preços são
relativos e a moeda é uma mercadoria que serve para facilitar as trocas.
Keynes demonstrou que a
moeda não é apenas um instrumento de troca, um meio de pagamento. Ela só é
moeda se ela for também unidade de conta e reserva de valor, demonstrou que
sim, a inflação é relevante e que o investimento é uma função da
disponibilidade de meios de pagamento. Keynes introduz a ideia que a solução
para o desemprego – principal problema apresentando com a falência do modelo
liberal – era aumentar a demanda e o aumento da demanda geraria o aumento da
produção e com isso, ocorreria a solução para o problema do desemprego.
A partir de Keynes, o stablisment do mainstream econômico abandonou o paradigma liberal e passou a
adotar um regime de regulamentação na economia a fim de impedir os bancos de
realizarem transações que poderiam colocar o sistema em risco, e o investimento
público passou a ser o instrumento para alavancar a demanda nos momentos de
crise. A moeda passou a oscilar
entre uma moeda padrão ouro e uma moeda dívida com memória ouro, fator
impulsionado pelo esforço de guerra e pelas dívidas de guerra, se estabeleceu
então um novo modelo de balanço dos bancos centrais.
Introduziu-se a fórmula da
moeda fiduciária, onde o ouro ou a prata foram substituídos pelos títulos da
dívida pública como ativo. A mecânica agora é o governo produz títulos, ou
seja, uma conta a pagar a seu possuidor, com data, valor em moeda
internacional, e taxa de juros estabelecidos, esse título passa a ser o ativo
que é usado para emitir moeda, em resumo, o lastro da moeda deixou de ser uma
mercadoria para ser a capacidade de crescimento da economia.
Por
que a capacidade de crescimento da economia?
Porque nessa nova lógica, os
governos só conseguem honrar com os pagamentos sobre os títulos em caso de uma
economia que se mantenha aquecida gerando excedentes. Keynes não propôs
objetivamente a moeda fiduciária, contudo ele criou um mecanismo para assegurar
- em tese – a manutenção desse crescimento que permitiria a passagem da moeda
mercadoria para a moeda fiduciária.
A economia após 1945 entrou
num período de estabilidade, assim como também foi de estabilidade o período
clássico da moeda ouro. A questão é que são períodos históricos diferentes e
são momentos diferentes de desenvolvimento do capitalismo. No período clássico
do padrão ouro, a economia capitalista estava num estágio de implantação e o
crescimento foi acelerado até a Primeira Guerra Mundial, havia um equilíbrio
entre as principais nações capitalistas, a TQM funcionava porque, como propôs
Hume, os BC’s mantinham o comércio internacional estável em se tratando da
moeda e quando um país se tornava credor de outro, não havia circulação de ouro
internacional, havia um empréstimo do país credor e o país devedor é quem tinha
que ajustar a sua economia. A guerra alterou essa realidade, a estabilidade na
diplomacia entre as nações foi alterada e a crise que se seguiu ao conflito fez
com que os países tivessem que alterar suas políticas monetárias.
De 1945 em diante a
estabilidade foi garantida por um outro fator, a regulamentação. Os bancos
comerciais eram separados dos bancos de investimento, as transações
internacionais eram limitadas, o câmbio era fixo de moeda fiduciária, porém com
o dólar servindo de base para as transações internacionais e este era atrelado
a uma medida de ouro. Os bancos comerciais não podiam realizar empréstimos de
longo prazo, se monitorava a base monetária e a política de juros era menos
relevante, se garantia o investimento e se controlava o desemprego através do
estímulo da demanda agregada. Nesse momento, a expansão da base era utilizada
como instrumento para resolver o problema do desemprego.
Neste período da economia
também não era a expansão da base a causa da inflação, como explicou James
Tobin num texto chamado “Money, Capital
and Other Stories of Value”. Tobin demonstrou que quando ocorre um aumento
de base monetária por parte do BC, isso não gera o efeito riqueza que seria a
causa de inflação.
Vejamos o argumento
quatitativista para justificar a inflação a partir da expansão da BM é que com
mais meios de pagamento haverá um aumento do consumo e isso incorrerá numa
inflação de demanda. Esse argumento despreza a
capacidade ociosa da indústria em momentos de economia desacelerada, entretanto
vamos assumir que não há capacidade ociosa para não invalidar o argumento.
Segundo Tobin, o que ocorre
quando o BC expande base é uma troca de ativos financeiros o que não é capaz de
produzir efeito riqueza porque ninguém consome mais na economia em função de
uma mudança na composição dos ativos na economia. Ele diz isso afirmando que
existem duas formas do BC expandir a BM. Uma é numa operação de open market onde ele compra títulos
públicos que estão na mão do setor privado. Essas operações são possíveis
porque já existem títulos públicos vendidos pelo BC numa operação anterior
inversa, uma operação de venda de títulos para o setor privado.
Nesse caso, o BC trocou
parte de sua reserva em moeda estrangeira por títulos que estavam em poder do
público (os BCs compram e vendem moeda estrangeira para compor as reservas
monetárias do país), com esses títulos, ele expande a base, ou seja, ele usou
parte de um capital imobilizado como reserva financeira – suas reservas em
moeda estrangeira – que havia extraído da economia a partir de seus lucros,
para comprar títulos que já haviam sido criados pelo Governo, esses títulos são
então usados para compor os ativos do BC permitindo a emissão de moeda, assim,
há menos títulos na economia e menos moeda estrangeira imobilizada e mais moeda
nacional, o que não gera efeito riqueza e, não altera o nível de ativos na
economia, portanto, não gera inflação.
O outro modo do BC expandir
a base – e o mais comum – é saldando as dívidas da balança de pagamentos do
Governo. O Governo gasta mais do que arrecada e a parcela faltante é paga com
emissão de dívida. Nesse caso, argumenta Tobin, também ocorre uma troca de
ativos financeiros. Existe essa troca, segundo ele, porque o déficit é fruto de
investimento público então se troca investimento por dívida. Se é investimento,
se espera retorno. Assim, também não gera efeito riqueza e, portanto, não causa
inflação de demanda.
Num mundo de moeda
fiduciária, mas com o dólar como instrumento para a finalização dos contratos
no mercado internacional atrelado ao ouro, a mecânica da economia funciona como
na moeda mercadoria e os preços são relativos, assim, o que poderia também
causar inflação seria o câmbio, ou melhor – já que estamos falando de padrão
ouro – o saldo da balança comercial.
Nesse caso, Tobin argumenta
que não é o volume de meios de pagamentos que geram esse desequilíbrio e
conseguinte inflação, ele argumenta que esse desequilíbrio é fruto do nível de
atividade econômica, ou seja, a produção. Se a expansão da base é o custo do
investimento e se o investimento é o que aquece a economia e se por último, a
economia aquecida impede a desvalorização causada pela balança comercial, não
há como um aumento de BM do BC causar inflação nessa segunda e mais recorrente
situação também.
A regulamentação econômica
manteve o capitalismo sobre certa estabilidade até os anos oitenta do século
XX. Neste período a inflação passou a se tornar um problema e a dívida pública
também.
As regulamentações impostas
depois da crise de 29 admitiam a inflação como instrumento para evitar o
desemprego, com o tempo foi se tornando cada vez mais difícil manter o nível de
crescimento do consumo a fim de sustentar o modelo de moeda dívida num ritmo
saudável sem comprometer a capacidade de pagamento da dívida pública, a
concentração natural do capital em meio ao modelo capitalista fazia com que
cada vez mais os países da periferia do capitalismo não conseguissem manter a
estabilidade de suas moedas devido a falta constante de capacidade de honrar
com o pagamento dos seus títulos. Quando os países da periferia do capitalismo
não conseguem horar seus pagamentos, seus credores ficavam com o prejuízo
então, isso não era bom para a economia capitalista. O credor, em última
análise era o FED (BC dos EUA) – a moeda padrão para as transações
internacionais já era o dólar - que mantinha um padrão ouro e fazendo isso,
controlava o câmbio.
Essa situação se modificou a
partir de 1971, quando o FED deixou de seguir o padrão ouro e corrigiu sua
política de juros a fim de resolver seu problema de balanço de pagamentos:
Essa
medida resolveu o problema do FED, porém, agravou a situação dos devedores do
FED.
As regulamentações se
mantiveram até os anos oitenta em função de o wellfarestate ser a resposta capitalista a proposta socialista no
sentido de também oferecer qualidade de vida, com a o enfraquecimento do poder
soviético a partir das políticas da perestroika e da glasnost, o stablishment econômico central do
capitalismo partiu para a realização de medidas liberalizantes.
O consenso era a necessidade
dessas medidas para corrigir o problema da dívida pública, era então
argumentado que não adiantava os governos imporem regulamentações, pois os
bancos faziam arbitragem, burlavam essas regulamentações com inovações
econômicas e desse modo, seus lucros seriam até maiores.
Com esse ambiente, as
medidas liberais voltaram a ser impostas como o fim da separação entre bancos
comerciais e de investimento, o fim do limite para as transações do comércio
internacional e o estabelecimento do câmbio flutuante. Dizia-se também, que com
a liberalização, haveria inovações financeiras que solucionariam (ou ajudariam
a solucionar), o problema da dívida pública.
Neste novo arranjo, deixou
de ser relevante o controle sobre a BM, mesmo que tenha se buscado um retorno a
TQM, sempre defendida pelos liberais, agora o argumento é que é inútil
controlar a base, o segredo está em controlar os juros sobre os títulos que dão
origem a base.
Essa é a proposta de Sargent
e Lucas, e dos defensores dos modelos de expectativas racionais, que nada mais
é que um retorno ao paradigma liberal da economia, se contrapondo ao longo
período de hegemonia keynesiana.
Segundo essa teoria, como a
base é muito diversificada, como existem N ativos muito líquidos na economia,
como o multiplicador de depósitos não pode ser evitado, o que se pode usar como
instrumento para política monetária são os juros nominais – os indexadores dos
títulos – nesse sentido, os BC’s conseguiriam controlar o incentivo a
emprestar, investir ou manter o dinheiro em caixa através da política de juros,
controlando assim o fenômeno da inflação.
Desse modo, fica claro que
em nenhum momento o controle da base monetária foi possível na economia de
mercado. Uma, porque é necessário seu crescimento para haver crescimento da
economia, e outra, porque não é possível evitar seu crescimento, a moeda é um
representante do valor, ele é reproduzido hoje e sempre foi reproduzida desde
sua existência.
Atualmente o stablishment do mainstream econômico concentra-se nas metas de inflação e no
controle da taxa de juros básica da economia, em políticas de austeridade e de
superávit primário elevado, controle da relação dívida/PIB, essa é a resposta
liberal.
Essa resposta já deu sinais
que não é a melhor resposta na crise de 2008, onde os mesmos problemas voltaram
a ocorrer, a sobrevalorização dos ativos financeiros e a consequente
contaminação do sistema financeiro que necessitou que o FED garantisse a
solvência dos bancos através da emissão de dívida e de lá pra cá, mesmo diante
das medidas de austeridade, a economia capitalista não deu ainda sinais
consistentes de recuperação no nível de crescimento.
Economistas
renomados como Joseph Stiglitz e Ha-Joon Chang já denunciam os problemas desse
paradigma liberal atual.
Hoje, portanto, a emissão de
dívida continua sendo a solução mais usada para resolver o problema do saldo da
balança de pagamentos, contudo, como eu demonstrei usando o texto do Tobin, o
que ocorre é uma troca de ativos financeiros, uma mudança na composição dos
ativos financeiros, o que não faz ocorrer inflação.
Atualmente, a inflação pode
ocorrer em função da demanda, numa situação de economia muito aquecida, pode
ser de câmbio, em função de uma desvalorização cambial, e pode ser ocasionada
por custos administrados. Em nenhuma
dessas situações é a base a causa.
Para haver uma inflação de
demanda causada por aumento de base, haveria de ter alguma relação entre a
forma como ocorreu esse aumento e o aumento do consumo, porém como já
demonstrei, não há aumento de base que provoque efeito riqueza, portanto não se
justifica dizer que um aumento de base causa inflação de demanda.
Também não provoca inflação
de câmbio, porque o indexador da moeda é o valor dos títulos e o valor dos
títulos é dado pela vitalidade da economia e pela seguinte avaliação se esses
títulos serão honrados ou não. E também não pode ter relação
com custos administrados já que estes são originados ou por demanda ou por
câmbio.
A política de controle dos
juros visa proteger o valor dos títulos e o valor dos títulos é que vão
determinar a inflação de câmbio, uma desvalorização nos títulos provoca uma
quebra no balanço do BC, proporcionando uma redução do valor dos ativos
(títulos), e proporcional redução do valor do passivo (moeda), o que provoca
desvalorização cambial e consequente repasse dos custos do câmbio aos preços,
causando inflação.
O objeto do texto não é uma
resposta para a contradição existente no sistema de meios de pagamento, mas apontar como o controle da base é impossível e que a expansão da base não é a
causa de inflação. A contradição dos meios de
pagamento é a contradição entre o valor real e o valor fictício necessário a um
sistema que se mantém baseado na geração de excedentes, à custa da exploração
do trabalho.
Eu não defendo a manutenção
desse modelo justamente por estar convencido que ele é insustentável e que as
alternativas até agora existentes para proporcionar equilíbrio à economia de
mercado são pouco convincentes e muito surrealistas.
Assim,
defendo que Marx está certo.
Só escrevi este pequeno
texto para demonstrar que mesmo na economia – falha – de mercado, a expansão da
base não é o objeto de controle da inflação.
Há um pequeno grupo,
insignificante no mainstream econômico,
porém volumoso na internet, que sugere que todos os problemas da economia de
mercado decorrem do sistema de meios de pagamento de monopólio do Estado,
porém, como demonstrei, o estabelecimento desse monopólio foi ocasionado pela
própria dinâmica da implantação do capitalismo.
Demonstrei também que mesmo
que haja um componente de confiabilidade subjetivo no valor da moeda, ela não é
baseada numa ideia totalmente abstrata e que desse modo, é impossível o mercado
confiar numa moeda privada justamente porque nenhum banco privado teria a
capacidade de garantir um lastro de tamanha confiabilidade.
Quanto a proposta de moedas
digitais sem lastro como o BTC e similares, o que afirmo é que diante da
mecânica do sistema financeiro, elas não se apresentam como moeda sobretudo por
não se tornarem unidade de conta, podem ser reserva de valor e até meio de
pagamento porém, se comportam como um ativo muito líquido na economia mas não o
ativo que oscila mais devagar, uma propriedade da moeda para que ela sirva como
unidade de conta e para que ela sirva de base para o cálculo dos juros. Assim,
o BTC não é moeda, ele está momentaneamente valorizado porque se apresentou
como brecha para a lavagem de dinheiro e como um ativo, se valoriza em função
da demanda ser maior que a oferta, entretanto, é utilizada como argumento para
defender a viabilidade de uma moeda desnacionalizada e sem lastro, o que como
demonstrei, é inviável.
Para compreender melhor os detalhes da teoria e da evolução do pensamento econômico, acesse ao link abaixo da minha série sobre macroeconomia, lá explico sobre as propriedades da moeda como o fato dela ser unidade de conta e quais fatores que possibilitam isso bem como vários outros assuntos abordados a respeito da moeda nesse texto.
Portanto, não é, nem nunca
foi relevante e nem possível impedir a expansão da base monetária na economia
capitalista e a relação desta com a inflação ou é natural em meio a esse modelo
e esse modelo não existe sem inflação, ou a inflação não é resultante da
expansão da base monetária. Nem é possível ou aconselhável, impedir os bancos
de multiplicarem os depósitos sem intervenção do Estado na economia, primeiro
porque o multiplicador, como demonstrei, é fruto de um arranjo que se fez
necessário para o estabelecimento do capitalismo e segundo porque a única forma
de impedi-lo é através de lei.
Porém, como ficou claro no
texto, no que tange a questão da necessidade de crédito para investimento e da
relação deste com o fator multiplicador, a imposição de uma impossibilidade de
haver tal mecanismo através de lei não só inviabilizaria a existência dos
bancos comerciais como também provocaria um sumiço do crédito, paralisando a
economia capitalista.
Link para minha série sobre macroeconomia (referências na
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Olá Wesley, desculpe a pergunta "besta" que farei, mas sou um iniciante na área de economia e não ficou muito claro para mim a expansão da base monetária. Segundo seu texto você usou como aumento do volume de meios de pagamento na economia, você poderia desenvolver um pouco mais, ou indicar no texto a parte que explica melhor? Porque pelo que eu pesquisei brevemente, a expansão monetária seria sinônimo de aumento na quantidade de moeda, e nesse raciocínio faria sentido designar inflação como consequência da expansão da base monetária. Obrigado.
ResponderExcluirProcure textos de autores da economia heterodoxa ou marxista (alguns deles tratam disso também). Para algo mais introdutório, vai este meu pequeno texto: http://wesleysousablog.blogspot.com/2019/01/economia-politica-e-ideologia-da.html
ExcluirAumentou a base monetária gera fraude tb conhecida como inflação, somente ver o FED antes e depois de 2008, ECB, um certo Brasil.......
ResponderExcluirExplica como pfvr
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