Pintura: Jean François-Millet, La mort et le bûcheron. 1859 |
Texto de Ricardo Colombo Gallina – estudante de Psicologia da UFGD
Data 08/09/17
Setembro
amarelo então é bom escrever sobre isso, reacendendo o debate da “boa vontade”
sobre tratar de suicídio sem as bases para tal.
Eu
esperei pra escrever sobre isso precisamente porque sabia que ia ter alguma
pesquisa desse tipo e gostaria de esperar pra ter base empírica para o que eu
fosse falar, mesmo já sabendo de antemão que o resultado seria esse, porque já
é um efeito bem conhecido na psicologia. Vou me ater a detalhes mais técnicos e
empíricos e “fugir” de discussões sobre as causas sociais e individuais para o
suicídio, porque o que se trata aqui é de uma dinâmica específica sobre o
assunto, sem a qual não se pode discutir o impacto de notícias e produções
artísticas que tratam sobre o suicídio no aumento ou diminuição de suicídios.
O
que esse artigo está descrevendo é uma coisa chamada “Efeito Werther”, que foi
nomeada pelo personagem Werther da obra “Os
sofrimentos do jovem Werther”, do escritor Johann von Goethe. O que
acontece é que na obra, o personagem principal (como toda narrativa romântica -
Goethe realista é uma piada, fica de registro) cria uma paixão por uma mulher
que já fora prometida a outro homem, e no desenrolar de toda história ele acaba
suicidando-se seguindo essa trama. Na época (final do século XVIII) o que se
seguiu foram vários suicídios e a posterior proibição de reprodução da obra. No
século XX várias pesquisas foram feitas buscando entender as relações entre o
aparecimento de casos de suicídio na mídia e o aumento de casos de suicídio na
população. A correlação foi verificada (o primeiro experimento foi replicado em
diversas circunstâncias e ambientes e sempre se confirmou a correlação) e desde
então tal efeito já é bem relatado na literatura científica.
Sabendo
disso, obviamente que não ficaríamos de braços cruzados apenas vendo notícias
de suicídio sendo veiculadas a torto e a direito. A OMS elaborou, em 2008,
(seguindo um esforço anterior com o programa SUPRE, que buscou ao redor do
globo criar programas de prevenção de suicídio) um manual para a mídia sobre
métodos de noticiar/representar/informar sobre casos de suicídio de maneira a
diminuir ao máximo possível um possível efeito Werther seguido à publicação de
tal elemento de entretenimento/informação. No manual a primeira coisa que se
informa é que o aumento de suicídio seguido de alguma informação sobre o mesmo
ocorre, em última instância, como imitação. Essa imitação depende de certos
fatores que englobam a semelhança do receptor da notícia com a pessoa que
cometeu suicídio em algum nível, da pessoa que se suicidou ser uma celebridade,
e, principalmente, da forma e da quantidade de cobertura que a mídia faz sobre
o assunto.
No inglês, o termo é “copycat suicide”, no qual a pessoa que busca se suicidar “recria” circunstâncias de algum outro caso de suicídio que ela teve contato, geralmente através da mídia.
Se
for a imitação a base para esse tipo de copycat
suicide, para o efeito Werther, um método eficiente de evitar tal coisa é
suprimir a maior quantidade possível de informações sobre o suicídio em si,
tanto sobre a pessoa, suas possíveis motivações, sua história, etc quanto sobre
o ato em si, os métodos utilizados para efetivar o mesmo. Eu não assisti a
série, mas conversei com pessoas que assistiram e, segundo os relatos, nenhumas
das recomendações da OMS para tratar o tema do suicídio em ampla divulgação de
mídia e entretenimento foram seguidas pela Netflix na produção e veiculação
dessa série (eu faço um adendo sobre isso depois). Não só a história de vida da
personagem que se suicida é abundantemente descrita, com uma riqueza de
informações e detalhes, como também o método dela para se suicidar também é
mostrado, criando todas as condições necessárias para um efeito Werther: tanto
a identificação com a personagem, mostrando seus dramas pessoais e motivos que
a levam a cometer o suicídio, como a demonstração do método usado pela
personagem para pôr fim a própria vida, fortalecendo a ideia de que o suicídio
pode ser uma saída também para quem passa por problemas pessoais e assiste a
série, se envolvendo com a narrativa. O fator mais grave mas que, como eu não
vi a série, não posso falar, é o de mostrar, mesmo que implicitamente, o
suicídio como uma saída para os problemas. Pela repercussão que a série teve,
eu acredito que o tratamento dado tenha sido mais ou menos esse, mas vou me
abster de entrar em detalhes sobre isso.
Explicitado
o fato de que a série apresenta essas condições para criar um efeito Werther,
vamos ao artigo. Analisando as pesquisas no Google, através da ferramenta Google Trends, os autores verificaram um
aumento de até 40% na pesquisa de termos diretamente relacionados a ideação
suicida, como “how to commit suicide” (como
cometer suicídio) ou “how to kill
yourself” (como se matar), por exemplo. Seguindo o que já sabíamos sobre o
efeito Werther, fornecendo mais evidências ainda, a busca teve diferenças
temporais: teve seu pico em 18 de abril de 2017 (44% - variação entre 28-65%),
e seu menor nível (entre os dias pesquisados) em 15 de abril de 2017 (15% -
variação entre 3-32%). Esse aumento significa algo entre 900 mil e 1,5 milhão
de buscas além do esperado para o mesmo período se as buscas seguissem seu
fluxo “normal”.
No
entanto, para não ficar apenas no lado absurdamente negativo da série, ela
também trouxe à tona o problema do suicídio e aumentou o debate em torno disso.
Na pesquisa também fica evidente que as pesquisas de termos como suicide hotline number (número direto,
como nosso 190, por exemplo), suicide
hotline e suicide prevention
(prevenção de suicídio) aumentaram também, embora esse aumento foi em menor
proporção (variando entre 1-44% para ‘suicide hotline number’).
Quanto
ao sucesso de “audiência” da série eu acho que não restam dúvidas. O que tem
que ser colocado na mesa e analisado para orientar futuras novas produções
sobre o assunto são métodos para abordar o suicídio da forma mais segura e
benéfica possível. Como trata-se de uma produção de conteúdo de entretenimento,
uma produção artística, a maior dificuldade é tratar o assunto em conformidade
com as recomendações da OMS sem empobrecer a narrativa, que conta com o
envolvimento pessoal e emocional do espectador para estabelecer sua dinâmica
estética. Entre as recomendações da OMS constam métodos que podem ser aplicados
na construção da obra sem perder o conteúdo estético da mesmo, como elementos
que eduquem o público sobre a questão do suicídio, não mostrar detalhadamente o
método empregado (o elemento de ocultamento de uma parte da narrativa pode ser
muito bem explorado), ter consideração com as pessoas enlutadas pelo suicídio
(mostrar o sofrimento da família, amigos, e conhecidos só acrescenta a
narrativa e é um ótimo contraponto para o ato) e incluir na obra informações
sobre onde e como buscar ajuda (aqui o elemento de fronteiras pode ser uma
complicação). Eu não sei quantos desses elementos a série cumpriu, e tanto
tempo depois de ser lançada e comentada o efeito já passou. Mas essas pesquisas
são importantes para não acharmos que só tratar o assunto é válido, sem dar
muita atenção à forma como se aborda o mesmo, afinal, já diz o ditado, “de boas
intenções o inferno está cheio”.
Fontes:
Internet searches for suicide following the release of 13 reaons why:
The
Werther Effect: Suicide, and other forms of violence, are contagious:
Werther
Effect after television films: new evidence for an old hypothesis:
Arquivos
e dados da OMS:
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