Estado, alienação e a questão do patriarcalismo



 Estado, alienação e a questão do patriarcalismo. 

Escrevo o texto em resposta ao acontecimento que tem ressoado e que foi motivo de indignação generalizada. Primeiro uma atitude execrável, o rapaz que ejaculou em uma mulher no ônibus, o segundo, o Juiz que o liberou, mesmo com seus antecedentes.

Bem, primeiramente, temos que esclarecer uma questão fundamental, tenho visto inúmeros colegas marxistas se posicionando, e o problema quase sempre é que repetidamente, a crítica toma um caminho de individualização, como se toda a responsabilização coubesse aos indivíduos, tanto ao indivíduo que ejaculou na mulher, quanto ao juiz que o liberou. A questão não é tanto se o indivíduo tem culpa ou não, mas sim, quais os fundamentos sócio-históricos desses comportamentos, dessas atitudes.

Não há dúvidas que o comportamento dos sujeitos é execrável. Contudo, o fenômeno não se esgota em-si mesmo. Primariamente, temos que observar qual o tipo de sociabilidade e em que momento histórico dessa sociabilidade estamos vivendo. Segundo, sim, o juiz dizer que "não houve constrangimento" é um absurdo claro. Mas a imbecilidade desse senhor não sai do abismo, do vazio, é necessário entender como tal subjetividade é produto de relações sociais objetivas.

Terceiro, entender essa situação, é compreender como a existência do patriarcado se vincula intrinsecamente a existência do Estado, do Capital e da alienação.

E por último, a compreensão dessas determinações, dessas vinculações, do processo de desenvolvimento dessas relações objetivas, nos "vacinam" contra posições de individualização e de culpabilização, justamente porque compreendemos a estrutura da vida social e da relação de entificação do gênero humano, o processo de desenvolvimento das subjetividades dentro de relações objetivas, o que permitem uma profundidade ao tratar de questões difíceis. Além disto, só a partir de uma análise que tome a teoria social marxiana como fundamento da compreensão da vida social é que podemos nos credenciar a superar e a abolir essas relações sociais que produzem essas situações desumanas.

Estado, propriedade privada e família monogâmica

Esclareçamos já de princípio que essas três determinações nascem conjuntamente e só subsistem em determinação recíproca, em suma, uma esfera depende das outras para existir e operacionalizar-se, reproduzir-se como forma de socialibilidade.

A familia monogâmica é vulgarmente compreendida como a união entre duas pessoas. Mas essa é uma visão absolutamente falsa. Primeiro porque a forma da família não é compreendida em sua efetividade histórica, é naturalizada como a única forma, segundo ela é retirada de dentro das determinações sociais que a fazem nascer historicamente. É necessário ter em mente que a família monogâmica não se caracteriza pela união de duas pessoas, o amor romântico (produto da modernidade), ou a união de um homem e três mulheres pela via do casamento é tão monogâmico quanto se a união deste fosse com apenas uma mulher.  Isto porque o que determina a família monogâmica é o fato de ter tornado-se privada, fórum particular dos indivíduos dado sua função social de unidade econômica básica na sociedade de classes.  Há várias razões para tal, mas essa forma da família nasce das necessidades históricas que brotam com o surgimento da propriedade privada, por exemplo, a herança foi uma necessidade surgida que tornou necessário o nome do pai perseverar sobre a anterior forma de organização da família que tinha o direito materno como fundamento. Outra questão é, como os homens estão dedicados a reproduzir sua propriedade privada, a mulher torna-se organizadora do lar e das questões da vida privada, aqui surge uma divisão do trabalho no interior da família que nasce das necessidades da divisão social do trabalho existente fora do núcleo familiar. O homem trabalha e a mulher cuida dos filhos deriva do fato do trabalho não constituir mais algo interno a própria constituição familiar como o era na sociedade primitiva. A própria criação dos filhos como obrigação individual dos pais nasce com a propriedade privada, já que nas sociedades primitivas a educação e formação era tarefa socializada e não de fórum privado.  Essa subjugação da mulher fundamenta-se no surgimento da propriedade privada e da família monogâmica, que se caracteriza por tal conjunto de determinações e não pela união entre dois indivíduos ou pela união entre 6 por exemplo.

De outro lado, para assegurar a propriedade privada, e para organizar as unidades econômicas o Estado faz-se imprescindível, nasce juntamento o Direito para organizar a dominação de classe, já que sem normas jurídicas a luta entre as classes tomaria uma forma de guerra civil. Além disso, o Estado centraliza no primeiro momento (antiguidade) todas as funções da classe dominante, dos senhores de Escravos, desde o exército, constituído pelos próprios senhores de escravos que neste momento da história possuem interesses em comum, já que o enriquecimento de cada um só pode ser feito a partir da colaboração de todos.


Algo que é necessário comentar, é que a propriedade privada, o Estado e a família monogâmica surgem a mais ou menos 12.000 ou 14.000 mil anos, com o início do escravismo (o modo de produção asiático também nasce neste momento, mas ele tem um fim um pouco diferente do escravismo), ao contrário do que por vezes é entendido, de que essa iniciaria apenas com a dissolução do feudalismo e início do capitalismo.


Retomando, o que podemos visualizar é que o nascimento do Estado, como forma privilegiada de organização dos interesses da classe dominante, deriva do desenvolvimento da propriedade privada que requer igualmente a forma monogâmica da família. Como a propriedade privada tem um impulso a se universalizar, já que pode utilizar o excedente produzido pelos escravos para seu enriquecimento e para a conquista, igualmente a forma monogâmico da família e o Estado se faz presente onde a propriedade privada venha a ser a forma dominante na reprodução social de uma sociedade determinada em algum ponto da história.

Qual conclusão tiramos disto? Existe alguma mudança radical nestes aspectos para a sociedade burguesa? Sim, existem mudanças fundamentais, mas não fundantes.


O Estado, apesar de suas incríveis transformações ocorridas historicamente, desde sua descentralização no feudalismo, até a sua centralização no absolutismo, até a sua forma plenamente burguesa, o que chamamos de Estado moderno cumpre a função social de assegurar a reprodução social quando a mediação fundamental desta é o trabalho, ou fruto do trabalho que é expropriado, quando a reprodução da sociedade é mediada pela reprodução da propriedade privada dos meios fundamentais de produção.


As determinações mais profundas dessa função social do Estado, do Direito, da família monogâmica, mesmo com grandes transformações permanecem com sua essencialidade, são fundamentadas e possuem sua existência hipotecada à propriedade privada e atuam como sustentação necessária desta, e particularmente à dinâmica do capital.


Nesse sentido, o direito tem uma função objetiva nessa sociedade, proteger e assegurar a reprodução da sociedade em que rege o capital, assegurar que o trabalho assalariado tenha viabilidade, através da igualdade jurídica, que encobre as relações reais de exploração produzidas pelo capital.

A alienação 


Bem, tentemos tratar o assunto de maneira simples. O ser social é um ser que nasceu humano, o homo sapiens não iniciou sua trajetória na terra como ser humano, não era um ser consciente desde o princípio que se relacionava com a natureza livremente, se o homo sapiens tem pelo menos 200.000 anos segundo as evidências, o ser social só se inicia a mais ou menos 108.000.


Mas, então o que fundamenta esse ser social? O trabalho, a relação homem - natureza. Onde o ser humano na medida em que transforma a natureza conforme suas finalidades, para sanar suas necessidades, alimentação, habitação e etc, humaniza a natureza e torna-se ele mesmo natureza humanizada como diz Marx.


Esse processo, que tende ser constantemente renovado, o homem precisa reproduzir suas condições de vida, funda um processo de entificação do ser humano, ele vai se humanizando, suas relações tornam-se cada vez mais sociais, mais transpassadas por valores, por mediações que não são mais as naturais e puramente instintivas como é o caso dos animais.


Um exemplo basta, nós comemos, atendemos a uma necessidade biológica, mas não o fazemos de qualquer modo, há várias mediações sociais que aparecem nessa ação, tanto valores, quanto instrumentos, quanto a própria forma de cozer o alimento. O sexo igualmente, não atendemos a necessidade puramente biológicas, nossas relações são atravessadas por afeto, valores e etc. 


A alienação, no entanto, é um fenômeno que faz com que as relações entre os indivíduos produza desumanizações. A alienação do trabalho fundamenta todas as outras alienações da sociedade burguesa, e isto faz com que todas as relações entre os indivíduos tornam-se desumanizadas.

Bom, este processo desenvolve-se dentro de um processo civilizatório do capital, o capital propicia em certa medida que a humanidade possa, mesmo com a alienação, desenvolver-se, isto é, desenvolver aquelas relações e mediações cada vez mais sociais, fundamentados no desenvolvimento das forças produtivas.


O que ocorre é que o capital já esgotou essas potencialidades, essas capacidades civilizatórias, assim o fazendo, chegamos ao ponto em que a barbárie e a desumanização se põe com cada vez mais força, justamente porque não há mais medidas possíveis dentro da ordem do capital para que este resolva essas contradições que ele mesma fundamenta.


Mesmo que esse rapaz, e ele foi preso por fazer novamente a mesma coisa no dia de hoje, vá preso, a questão continuará latente, porque são essas relações sociais apodrecidas que produzem essas subjetividades desumanizadas, e nem vamos discutir o mérito das doenças psicológicas, já que essas são igualmente frutos  (em sua maioria) dessas mesmas relações.


As tendências dessa sociabilidade são de apodrecerem, a esse processo segue-se processos subjetivos de desumanização, reflexo da desumanização objetiva.


O que se deve ter em mente é justamente que a superação do patriarcado vincula-se de forma mediada à superação do Estado, do Capital, da propriedade privada. O juiz, quanto o cidadão que ejaculou e que fez isso repetidamente são personificações dessas relações em apodrecimento. É por isso que para o comunista, é evidente que a emancipação da mulher liga-se de imediato a emancipação humana.


Frederico Lambertucci é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Grande Dourados.

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