Publicado originalmente no site The Next Recession
Tradução de Luiz Felipe Francez
Fui
recentemente entrevistado pelo meu livro, A
Longa Depressão, e por outras ideias sobre economia, por José Carlos Díaz
Silva do Departamento de Economia da Universidade do México (UNAM) onde fui
convidado no próximo Março de 2017 para ministrar uma série de palestras.
Na primeira parte dessa entrevista, José fez perguntas sobre os temas básicos do meu livro.
JDC: Em termos gerais, como o senhor explica a crise recente? Podemos ligar o crash de 2008 nos Estados Unidos com os problemas que se seguiram na Espanha, Grécia e Irlanda, e o ultimo com o cenário recente como um processo único de crise?
MR: Em meu livro, “A Grande Recessão” e no subsequente, “A Longa Depressão”, argumentei que o crash financeiro global de 2008 e a consequente e profunda queda global da produção capitalista foram causadas por uma combinação da queda da rentabilidade do capital produtivo com o empréstimo excessivo para especular com capital fictício (ações, títulos e imóveis). A certo ponto, os empréstimos e hipotecas bancárias e sua ‘diversificação’ e suas hipotecas baseadas em derivativos (compradas mundo a fora) não poderiam mais ser financiadas à media que o lucro nos setores produtivos caia e os rendimentos retraíam. O grande esquema Ponzi da especulação financeira então colapsou e revelou a subjacente falência da produção capitalista. O investimento caiu e levou os empregos, rendas e o consumo com ele.
Esse
é o processo ‘normal’ das crises capitalistas: a lucratividade despenca a um
ponto onde o total dos lucros para de crescer, então o investimento colapsa e
os custos do capital (meios de produção e trabalho) são reduzidos
violentamente. Essa queda particular foi pior, pois foi combinada com a
destruição dos capitais fictícios que haviam alcançado níveis sem precedentes;
e porque estavam globalizados. Todos maiores setores econômicos e financeiros
foram afetados. O crash bancário e o aperto no crédito se espalharam para
Europa. A retração do crédito acertou em cheio os mercados imobiliários
espanhol e irlandês; e o sobrevalorizados mercados imobiliário e corporativo da
Grécia. A Grécia foi posta de joelhos pelo prévio empréstimo selvagem à baixas
taxas pelas corporações gregas especialmente em imóveis; a evasão fiscal e fuga
de capitais dessas empresas e dos ricos significaram que o governo não tinha
receitas suficientes para lidar com um colapso da economia e pagar seus
credores, os bancos alemães e franceses.
Então a crise do Euro foi verdadeiramente uma crise global do capitalismo. Mas ela tinha caracterizas especiais na medida em que as partes mais fracas da zona do Euro eram atingidas porque dependiam dos investimentos do núcleo do sistema (Alemanha, França etc.) E não havia a vontade dos líderes da zona do Euro subsidiarem suas economias mais debilitadas.
Então a crise do Euro foi verdadeiramente uma crise global do capitalismo. Mas ela tinha caracterizas especiais na medida em que as partes mais fracas da zona do Euro eram atingidas porque dependiam dos investimentos do núcleo do sistema (Alemanha, França etc.) E não havia a vontade dos líderes da zona do Euro subsidiarem suas economias mais debilitadas.
JDC: Por que é importante construir uma teoria geral das crises capitalistas?
MR: Se não desenvolvermos teorias gerais então permaneceremos na ignorância da superfície ao nível da aparência dos fenômenos. No caso de crises, cada queda na produção capitalista pode parecer ter uma causa diferente. A crise de 1929 foi causada pelo colapso do mercado de ações; a de 1974-5 pela alta do petróleo; a de 2008-9 pelo crash mercado imobiliário. E ainda assim, as crises sobre o capitalismo ocorrem regular e repetidamente. O que sugere que há causas subjacentes e gerais a serem descobertas. As crises capitalistas não são apenas eventos aleatórios.
O
método científico é uma tentativa de delinear leis que expliquem porque as
coisas ocorrem e, então, ser apto a entender como, por que e quando podem
acontecer novamente. Considero que o método científico aplica-se à economia, à
economia política tanto quanto às chamadas “ciências naturais”. Claro, é
difícil obter resultados precisos quando o comportamento humano entra na
variável e os experimentos em laboratório são descartados. Mas, o poder dos
agregados e múltiplos dados ajudam. Tendências podem ser determinadas e até
mesmo pontos de reversão.
Se
pudermos desenvolver uma teoria geral das crises, então podemos checa-la com as
evidencias e ver sua validade – e ainda mais, podemos tentar prever a
probabilidade e o tempo em que ocorrerá próxima quebra. A previsão do tempo
costumava ser uma atividade não científica e tão somente baseada na experiência
de fazendeiros ao longo dos séculos (não sem alguma validade). Mas os
cientistas, aplicando a teoria e usando mais dados melhoraram a previsão do
tempo até que esta se tornou bem precisa para até três dias à frente, e quase
infalível ao longo do dia.
Finalmente,
uma teoria geral das crises também revela que o capitalismo é um modo de
produção defeituoso quem nunca poderá entregar estável e harmónico
desenvolvimento das forças produtivas para satisfazer as necessidades das
pessoas ao redor do globo. Somente sua substituição por uma produção planejada
e de propriedade comum pode oferecer isto.
JDC: Quando falamos da pertinência da queda da taxa de lucro como determinante das crises, é comum sublinhar o trabalho de Marx como a explicação mais forte. Isto é, se Marx mesmo considerou a queda da taxa de lucro como a fundação da principal explicação das crises, então temos de pensa-la como correta, mas e se encontrássemos alguma evidencia textual, nos escritos de Marx, que mostrasse que ele abandonou esta tese nos seus últimos anos de trabalho, então se tornaria incorreto pensar a queda da taxa de lucro como principal explicação das crises. O quão frutífero é esse modo de pesquisar? É possível que esperar por uma “aprovação de Marx” é nocivo para a possibilidade da construção duma teoria das crises?
JDC: Quando falamos da pertinência da queda da taxa de lucro como determinante das crises, é comum sublinhar o trabalho de Marx como a explicação mais forte. Isto é, se Marx mesmo considerou a queda da taxa de lucro como a fundação da principal explicação das crises, então temos de pensa-la como correta, mas e se encontrássemos alguma evidencia textual, nos escritos de Marx, que mostrasse que ele abandonou esta tese nos seus últimos anos de trabalho, então se tornaria incorreto pensar a queda da taxa de lucro como principal explicação das crises. O quão frutífero é esse modo de pesquisar? É possível que esperar por uma “aprovação de Marx” é nocivo para a possibilidade da construção duma teoria das crises?
MR:
Interpretar os volumosos escritos marxianos para verificar qual sua teoria das
crises é útil, mas só em alguma medida. A contribuição marxiana deve ser o
fundamento de qualquer efetiva e relevante teoria das crises sobre o
capitalismo, em minha opinião. Mas como você disse, pode haver muitas
interpretações e o não finalizado trabalho de Marx leva a ambiguidades que
podem ocupar os acadêmicos por uma vida! Então, há muitos limites nesse tipo de
pesquisa. Ainda que concordássemos sobre o que é a teoria da crise marxiana (ou
ainda se ele tinha uma – por que isso também está em disputa), e se ele
estivesse simplesmente errado?
Além
disso, faz 150 anos desde que Marx desenvolveu sua análise do capitalismo
baseado principalmente no exemplo do capital britânico na metade do século XIX.
O mundo e o capitalismo se moveram desde então – em particular, são os EUA o
capital hegemônico e dominante, o capitalismo agora global e controlado ainda
mais que antes pelo capital financeiro. Assim, uma teoria da crise deve levar
em consideração esses novos desenvolvimentos. Também, temos muito mais dados e
informações para trabalhar em comparação com o que Marx dispunha. A tarefa é agora não mais continuar
analisando e reinterpretando Marx, mas por sobre seus ombros aumentar nosso
entendimento.
JCD: Se definirmos a composição orgânica do capital como o nível de valor dos meios de produção em relação ao valor da força de trabalho utilizada, essa variável depende dos fatores distributivos ou da taxa de lucro? É importante levar em conta a composição material do capital e a composição orgânica do capital?
MR: A composição orgânica do capital é uma importante categoria econômica marxiana. Ela mostra a relação entre o trabalho humano com as maquinas como os meios de produção. Sob o capitalismo, os capitalista individuais competem entre si para extrair a maior quantia de valor (e mais valor após o pagamento dos salários da força de trabalho) dos seus trabalhadores. Essa corrida competitiva por lucro (obtendo a maior participação possível no total de valor produzido) força os capitalistas a aumentar o uso de maquinas de modo a aumentar a produtividade do trabalho, diminuindo o trabalho (custos). Então, Marx reconheceu que uma crescente composição orgânica do capital era a tendência de longo prazo do modo de produção capitalista. De fato, foi a base da lei da queda tendencial da taxa de lucro (a lei como tal). A composição orgânica do capital é medida em dinheiro, mas Marx diz que ela reflete a composição técnica do capital (maquinas medidas em horas de trabalho contra a quantia de horas trabalhadas). No entanto,, o aumento em maquinaria pelos capitalistas para substituir o trabalho aumentará a produtividade do trabalho e reduzirá o valor da força de trabalho se os custos de reprodução do trabalho caírem. E também pode vir a reduzir os custos das máquinas. Portanto, a composição do valor do capital pode cair. Mas Marx disse que, via de regra, isso poderia retardar o aumento da composição orgânica do capital, não causando sua queda no longo prazo.
Toda
evidência empírica mostra que Marx estava certo. Assim a suposição básica de
Marx sobre a rentabilidade, de que haverá uma crescente composição orgânica do
capital ao longo do tempo, é realista e comprovada. Se não houver mudança na
taxa de exploração ou no mais valor produzido pela força de trabalho, então uma
crescente composição orgânica levará a uma queda na taxa de lucro. No entanto, a crescente mecanização
geralmente leva a um aumento da produtividade do trabalho e da taxa de mais
valor produzido. Isso gera uma contra-tendência à crescente composição orgânica
do capital e a tendência a queda da taxa de lucro. Mas essa tendência
prevalecerá sobre as contra-tendências ao longo do tempo.
JCD: É a dinâmica entre a queda da taxa de lucro e suas contra-tendências a explicação dos ciclos econômicos? Por que é assim? Quais as diferenças disso entre as ideias dos ciclos longo Kondratievianos e a ideia Schumpeteriana sobre os ciclos econômicos?
MR:
Sim, em Marx é a dinâmica entre o crescimento orgânico da composição do capital
e as contra-tendências de uma taxa crescente de mais valor e uma queda da
composição de valor do capital. A lei de rentabilidade de Marx significa que,
eventualmente, uma queda na taxa de lucro leva a uma queda da massa lucro ou,
ao menos, uma queda de novo valor criado. Isso leva a uma queda de novos
investimentos. Os capitalistas então procuram reduzir seus custos de capital (força
de trabalho e ativos). Então, o valor do capital é desvalorizado (após a
falência e fusão de capitais e um grande aumento do exército industrial de
reserva) até ao ponto em que a massa e a taxa de lucro comece a aumentar
novamente para os capitalistas sobreviventes, então o investimento retorna e,
juntamente com ele, o emprego e a renda. O ciclo inteiro começa novamente.
Em
minha opinião, esse ciclo de lucros (lucratividade), como eu o chamo, é a base
do assim chamado ciclo de negócios (ou ciclo econômico). Mas não é o mesmo. Isso
é afetado pelo volume de negócios do capital em setores produtivos e
improdutivos, tais quais habitação, como também pelo comercio internacional
etc. O ciclo de lucros, de ponta a ponta, pode durar 30-36 anos, enquanto o
ciclo moderno (ciclo de Juglar) duro geralmente entre 8-10 anos. Então, por
exemplo, no período de 1946-82, houve vários ciclos de negócios e quedas (1952,
1970, 1974-5, 1980-2).
O
ciclo longo Kondratieviano, se existir, e estou inclinado a pensar que exista,
é de maior alcance, mais de 54 até 72 anos, (e penso estar se alargando ainda
mais). Os Kondratievs são impulsionados pelas oscilações dos preços das
commodities no mercado mundial e, provavelmente, pelo conjunto dos ciclos
tecnológicos descritos por Schumpeter, - mas também pela direção dos ciclos de
lucros. Os Kondratievs estão se alargando, pois as pessoas estão vivendo mais,
(ao menos nos países desenvolvidos), então o efeito geracional é agora quatro
vezes 18 anos, não mais quatro vezes 14 anos. Isso afeta a duração do ciclo de
descobertas, desenvolvimento, explosão, maturidade e estagnação –
possivelmente. De qualquer maneira, estas são hipóteses a serem provada. Os
dados são poucos. Mas argumento em meu livro, A Longa Depressão, que a
conjunção do da fase descendente do ciclo Kondratieviano, do ciclo de lucros, e
do ciclo de Juglar só ocorre uma vez a cada 60-70 anos. E quando ocorre, o
capitalismo entra numa depressão ao invés de uma queda ‘normal’. Foi esse o
caso nas décadas de 1880, na de 1930 e agora.
JDC: Quis as maiores dificuldades em calcular a taxa de lucro? Existe alguma maneira de calcular o volume do capital em circulação? Sendo possível isto, o quão diferente seria de calcular a taxa de lucro? Isso poderia explicar a constância da composição material como mostraram alguns?
MR: A dificuldade em medir a taxa de lucro a partir das categorias marxianas são múltiplas! Primeiro, temos de usar estatísticas oficiais que não são auferidas da melhor maneira para medir por categorias marxianas. De fato, alguns economistas marxistas reconhecem que tentar medir a taxa de lucro usando de estatísticas oficias em dinheiro é impossível e sem sentido. Outros reconhecem que os dados são tão pobres que praticamente não podemos fazê-lo. Eu não concordo. É o trabalho de qualquer análise científica superar essas dificuldades teóricas e práticas de medição. E muitos economistas marxistas estão fazendo justamente isso.
Com
as categorias, devemos medir a taxa de lucro global da economia, ou apenas o
setor capitalista, ou só o corporativo, só o corporativo não-financeiro, só o
‘produtivo’? Devemos ou podemos incluir o capital variável e o capital
circulante na equação? Mediremos o lucro bruto ou líquido após a depreciação?
Podemos medir corretamente a depreciação?
Todas
essas variáveis são úteis e possíveis. Os dados de muitos países estão disponíveis
e muitos estudiosos marxistas fizeram essas medições. E sim, o capital variável
deve e pode ser incluído empiricamente. E tem havido trabalhos em medir o
impacto do volume de negócios do capital também. O que aumenta a confiança
neste trabalho é que, em geral, independente da medida usada, mostra, para a
maioria dos países, que a taxa de lucro está caindo. Claro, não numa linha reta
porque existem períodos em que dominam fatores contrários, apenas por um tempo.
E cada grande queda produz uma recuperação temporária da lucratividade. Mas
esses pontos críticos ocorrem juntos. Tudo isso aumenta a confiança que a lei
de rentabilidade em Marx é válida e relevante para uma explicação das
recorrentes crises sob o capitalismo e também seu eventual declínio como modo
de produção.
JDC: Qual a maneira correta de calcular a taxa de lucro: custo histórico ou custo atual? E por que é assim?
MR: Teoricamente, a acumulação de capital deve ser vista como temporal (histórica). Com isso quero dizer, um capitalista deve pagar certa quantia de dinheiro por maquinaria e matérias primas para começar a produção. Então a força de trabalho é empregada para produzir uma nova mercadoria para venda. Não importa se o custo de substituição dessa máquina no próximo ciclo mudou. O lucro para o capitalista deve se basear no custo (histórico) original da maquinaria e não no atual (substituição). Portanto a taxa de lucro adequadamente medida deve usar as medidas de custo histórico. No entanto, é uma questão de debate teórico, com alguns estudiosos argumentando pelos custos de substituição, álbuns por algo intermediário entre os dois. O que é interessante é a diferença que isso faz na medida da taxa de lucro que é maior ou menor de acordo com a mudança dos preços dos meios de produção ao longo do tempo. Assim, no período recente onde a inflação tem sido baixa, particularmente para bens de capital, ao longo do tempo, a diferença entre a taxa de lucro medida em custos históricos versus custos correntes diminuiu.
JDC: Por que a taxa de lucro não está no centro das recentes discussões sobre a crise, tanto na academia quanto na mídia em geral? Não é paradoxal falar sobre o capital sem sublinhar os determinantes da lucratividade?
MR:
A razão pelo qual a lucratividade não ser considerada em nenhuma discussão
sobre as crises é tanto ideológica quanto teórica. A economia ‘mainstream’ não
tem nenhuma teoria real das crises de qualquer maneira: crises são apenas uma
oportunidade, eventos aleatórios ou choques para um crescimento harmonioso sob
o capitalismo; ou é apenas o resultado da interferência na concorrência e no
mercado pelos governos, ou seus bancos centrais; ou são resultado do monopólio,
ou da imprudência financeira, ou da ganância. A teoria ‘mainstream’ também nega
qualquer papel ou conceito de lucro na teoria marginalista da produção ou da
demanda. Isso é deliberado: não há espaço para uma teoria do lucro baseada na
exploração da força de trabalho (teoria do valor de Marx). Os rendimentos
decrescentes da utilidade e da produtividade não geram lucro no ponto de
equilíbrio. As teorias heterodoxas/keynesianas também negam o papel dos lucros
sendo elas também baseadas no marginalismo e na concorrência (im)perfeita.
Portanto, as crises são o resultado de uma “falta de demanda efetiva” causada
por uma mudança “irracional” das expectativas (“espíritos animais”). Não tem
nada a ver com a rentabilidade do capital, aparentemente – ou mais precisamente
a exploração do trabalho. E, no entanto, o capitalismo é um sistema baseado na
produção para o lucro e na concorrência. Então, por que o lucro não é
determinante no investimento e na produção? É uma recusa ideológica não aceitar
isso. Em vez disso, aparentemente, todos obtém sua justa participação de acordo
com sua contribuição (marginal). O Mainstream não acha explicação para crises
com um resultado; os Keynesianos olham para a “demanda” e não para os lucros
como o motor das crises.