Por onde começar a Filosofia Política?

Foto Gyorgy Lukács ao final da década de 60


Introdução


Por sua ênfase nas discussões antropológicas e em torno da realidade política ateniense o historiador da Filosofia, o francês Jean-Pierre Vernant (1914 – 2007), chegou a declarar que a Filosofia é “filha da cidade”, ou seja, havia uma preocupação por parte de tais pensadores em discutir o papel social e coletivo nas ágoras (praças públicas).

Qual tema mais está em nosso cotidiano por mais que ignoramos? Sem dúvida é a política. Como já sentenciava Aristóteles (384 – 322 a.c) em sua “Política”, “o homem é, por natureza, um ser político”. De fato não temos o que duvidar. Na Grécia Antiga, o homem era cidadão quando participava, entre outras coisas, dos assuntos na pólis, da política – decisões da e na Cidade. Aristóteles mostrou-se preocupado com a organização da família e da sociedade civil. Embora algumas de suas posições hoje sejam muito problemáticas, o Estagirita nos legou uma grande contribuição no âmbito político – inclusive na crítica da ‘ciência do adquirir’ (sugere um “meio-termo).

Em Platão (427 – 347 a.c), sua “ideal” formação da Cidade, era um Estado governado por sábios (para ele, os filósofos), como delineou em sua célebre obra “República”. Sua discussão dava em torno do conceito de justiça e para uma sociedade ideal; vários outros temas como: as diferentes formas de governo e as virtudes de seus governantes, tais como a sabedoria, coragem, temperança e justiça.

Porém, à medida que o tempo foi passando, com novas formas de organização da sociedade; governos teocráticos, formação primitiva dos primeiros Estados, etc., a compreensão do que deveria ser a política, tomará forma de como é a política. Como é o caso de Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), o qual muitos dizem que é o fundador do pensamento político contemporâneo, pois foi o primeiro a pintar os fatos “como realmente são” e não mais “como deveriam ser”.

O texto tem caráter introdutório ao assunto. É de extrema importância, em meio às pessoas de má-fé, descompromissadas com a ciência – o saber, etc., elaborar materiais com tais abordagens: conteúdo sério, numa linguagem acessível a todos; e para divulgação entre amigos e familiares.

Estudar política ou fazer política?


Para o filósofo italiano António Gramsci (1891 – 1937), a política é meio pelo qual os cidadãos agem e formam sua consciência; ele concebe o “pensamento crítico” explicitamente: para Gramsci não é – e nem pode – ser “neutro”. O “pensamento crítico” não é um jogo teórico que contrapõe duas teorias duas ideologias, nem é a “ilusão idealista” da teoria, filosofia, cultura e, consequentemente, a educação podem ser “independentes” de sua base “material” histórica. Gramsci entendeu que o pensamento crítico é a investigação contínua e o desvendamento das bases materiais da própria teoria (a filosofia política), isto é, a crítica da utilização ideológica da teoria.

Quando a pergunta do tópico, Paulo Freire (1921 – 1997) – pedagogo e, por muitos também filósofo – foi um dos principais educadores brasileiros (pouco usado aqui e pioneiro em muitos lugares como Finlândia em seu sistema educacional). Ele escreveu: “Não existe um processo educacional neutro. A educação funciona como [...] o meio através dos quais homens e mulheres lidam crítica e criativamente com a realidade e descobrem como participar da transformação de seu mundo.”.

Assim, não devemos apenas “estudar”, ou seja, apenas receber passivamente aquilo que nos chega – e até imposto – mas, refletir criticamente, ativo, atuante. Estudar de verdade persiste em investigar, mergulhar aquilo que se tem em mãos. Para Freire, entre enquadrar os alunos ou ajudá-los a ser “autônomos” (num sentido vulgarmente utilizado), ele opta pela emancipação. Entre a Educação que reproduz desigualdades e a que as transforma, optou pela transformação.

Portanto, “fazer política” é tarefa social de todos os cidadãos; estudar a política é compreender a realidade a sua volta, estabelecer meios e critérios para a ação. A práxis – teoria junto à ação – que modifica a realidade socialmente legitimada sem reflexão crítica. Só consciente dos paradigmas e problemas conseguiremos algo adiante.

Por onde começar? 


Nos tópicos iniciais, propus um apanhado bem geral e rápido. Não obstante, nos dias de hoje, as pessoas estão enjoadas de “política”, cujos noticiários estão carregados de “escândalos de corrupção”, “imoralidades”, etc. As pessoas ficam de “saco cheio” e veem nos políticos como ‘todos iguais’. A descrença e a passividade – bem como a desorganização – é parte da “desmotivação”. O processo de educação, como não era de esperar por outra coisa, sempre foi precária. As pessoas, tendo que trabalhar exaustivamente para sobreviverem, veem-se desumanizadas, inferiorizadas e “perdidas” em meio ao turbilhão de coisas que lhes chegam e causam-lhes desanimação, fatalismo e chegam a acreditar que suas vidas estarão fadadas àquela angústia da corrupção, violência e desamparo.

Porém, como apontou muito bem Karl Marx (1813 – 1883), as ferramentas da alienação social (domínio ideológico de classe): a religião, mídia, música, artes, Direito, etc., tudo para ocultar a luta de classes; a relação entre dominadores e explorados, proprietários e não proprietários. E é o mesmo Marx que salienta que “somente a classe trabalhadora pode emancipá-los do domínio do padre, converter a ciência de instrumento de dominação de classe em uma força popular, converter os próprios homens de ciências de alcoviteiros do preconceito de classe, parasitas estatais ávidos de cargos e aliados do capital em livres agentes do pensamento! A ciência só pode desempenhar seu papel genuíno na República do Trabalho” (Marx – Materiais preparatórios para a obra “A Guerra Civil na França”).

Assim, “por onde começar” é ter em mente a realidade em que vive seus anseios para uma sociabilidade melhor; no desenvolvimento humano sem dominação do ser humano pelo outro é, necessariamente, o que a Filosofia Política tem de propor, fornecer e nortear. A arma da crítica passa pela filosofia crítica! Vale lembrar-se do professor e pai da sociologia brasileira Florestan Fernandes: “Não existe neutralidade possível: ou se deve optar pelos explorados ou pelos exploradores.”.

O texto nos fornece ferramentas para ir além dos clichês e do pensamento acrítico. A ciência se faz com indagações, reflexões, mudanças, acertos e erros. A filosofia – política – tem como fundamento esses assentamentos. Compartilhar ideias, discutir saudavelmente e, mais ainda, trabalhar conjuntamente para a compreensão de mundo e nesta compreensão fazer uma atuação orgânica passa-se ser um elemento chave dos estudos e na ação política concreta.

Tais ferramentas consistem em duas coisas fundamentais: 1) mapear assuntos de interesse comum; 2) investigar incansavelmente as teorias, sair de frases prontas, para uma ação coerente. Como dizia Platão em um de seus diálogos: “As coisas mais difíceis são as mais belas”.

Em suma, começar algo é quase difícil. Muito pior ainda é não começar algo por simples receio de achar difícil. Para isso, passaremos adiante para referências sérias, baseadas em critérios com o grau de relevância acadêmica e social, bem como o foco textual foi definido.

Referências básicas para iniciar estudos em filosofia política


Advertência do autor: Ninguém pensa exatamente igual a ninguém. Cada ser é único e, portanto, tem de ser autônomo de si. Entretanto, a seleção das obras foi escolhida para uma melhor didática e melhor capacitação ao assunto. OBS: não é um manual “rígido” – e nem pretende ser. O corpo da Filosofia Política é amplo e nunca unânime. Não se trata de um “curso” de formação militante e um “manual de doutrinação” (pois para isso temos as igrejas e a mídia).

Segue, abaixo, algumas referências básicas de leitura para iniciantes com breves comentários introdutórios.

Obras clássicas:

·         A Política – Aristóteles. Uma obra de fundamental importância para a compreensão do pensamento político em Aristóteles. Nela temos uma descrição de organização da família, comércio, sociedade civil; relações de poder na família, entre outras. Um marco no pensamento político ocidental. Embora seja “amada” pelos conservadores, levando em conta que Aristóteles era um aristocrata. Ainda é autor da célebre obra “Metafísica”.

·         A República – Platão. Uma obra-prima do fundador da Academia. Na obra o filósofo discute conceitos de uma formação ideal de sociedade, no qual cada classe desempenharia suas funções; soldados para a luta, crianças para a educação e os mais capacitados intelectualmente para a política. Contrariamente a Aristóteles, Platão afirma que uma sociedade deve cuidar para uns poucos não tenham propriedades demais para a melhor convivência de todos os habitantes da pólis. Posteriormente escreveu “As Leis”.

·         O príncipe – Maquiavel. Também obra-prima do autor. Uma obra tanto lida quanto “polêmica”. Expressou a necessidade de um monarca – ou governante – com pulso firme, determinado que fosse um legítimo rei e que defendesse seu povo sem escrúpulos e nem medir esforços. A seguinte questão: “é preferível que um líder seja amado ou temido?”. Maquiavel responde que é importante ser amado e temido, porém, é melhor ser temido que amado.

·         Leviatã – Thomas Hobbes. Obra-prima. Viveu por quase 100 anos. Britânico, teve sua obra censurada um tempo pelo parlamento inglês de sua época. Dividiu este livro em quatro partes, sendo a primeira dedicada ao estudo da natureza humana: da sensação, imaginação, linguagem, razão, ciência, paixões. E só depois inicia o estudo da República, soberania, leis civis e da relação entre a religião e a política. Ainda é autor da obra “Do cidadão”.

·         Contrato social – Rousseau. Talvez a obra mais conhecida do iluminista francês. Nela está contida a célebre frase: “O homem nasce livre e por todos os lados se encontra sob grilhões”. Em tempos atuais, ela tem sua validade. O filósofo tratou da questão do “pacto social”, ou ainda, “Contrato social”, bem como o conceito de “vontade geral”.

·         Gramsci – poder, política e partido. Obra organizada pelo sociólogo brasileiro Emir Sader. O italiano só teve suas obras publicas após sua morte. Seus “Cadernos do Cárcere” são suas obras publicadas após anos de sua morte – passou muito tempo preso durante o regime fascista de Mussolini. Esta organização publicada pela editora Boitempo nos fornece de forma bem sucinta algumas das ideias e análises de Gramsci. Os densos cadernos estão editados em 3 volumes, mas esta obra em questão é de leitura muito boa e recomendável. E ainda tem a “Concepção dialética da história”, cuja obra fundamental. Na obra em questão, fundamenta-se em dois pontos fundamentais: ele define poder como as relações e forças que se dão em uma sociedade, em que esta sociedade é constituída pela estrutura e superestrutura formando o bloco histórico sendo um conjunto complexo e contraditório onde existe uma luta de classes entre burgueses x proletariado; o segundo ponto é algumas categorias que ele chama de “intelectual orgânico”, cujo é o profissional a uma classe (dominante ou trabalhadora) com um papel político. O partido político é toda organização desta sociedade e para sua existência é necessário que haja homens comuns, elemento de coerção, elemento físico (contato “físico”, moral e intelectual).

·         A origem da família, da propriedade privada e do Estado – Friedrich Engels. Obra clássica de imperdível leitura, pois nela o autor trabalha os fundamentos gerais das origens, usando de estudos científicos ali disponíveis, como também sua reflexão sobre algumas temáticas pertinentes – e ainda hoje vigentes. Na obra, a concepção materialista; a produção e reprodução da vida nos meios de existência do homem são fatores decisivos da história. O princípio fundamenta a compreensão das fases de desenvolvimento humano acompanham os progressos obtidos na produção dos meios de existência.

·          Do Espírito das Leis – Montesquieu. A principal obra do pensador Iluminista. Seu grande feito foi ter sido primórdio na divisão dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, tal como conhecemos hoje. Apesar de densa, é de suma importância as reflexões ali postas sobre essa divisão de poderes. Ainda com o pensamento monárquico, o livro é grande clássico na filosofia política moderna.

·         Cândido ou Otimismo – Voltaire. Mesmo sendo um livro curto, o autor (também Iluminista), faz uma sátira ao pensamento “otimista” de Leibniz. No livro, retrata aventuras de um jovem e seu mestre Pangloss ao redor do mundo, diante de tantas tragédias vividas, o jovem fica desesperançado, e questiona ao mestre se aquele é “realmente o melhor dos mundos possíveis” – em alusão a visão de Leibniz. O livro termina com a conhecida citação: “devemos cultivar nossos próprios jardins”.

·         Para além do capital – Istán Meszáros. Certamente um dos maiores filósofos contemporâneos. Sua densa obra, como já demonstra, o húngaro trabalha acerca dos problemas inerentes ao capitalismo, suas limitações atingidas; a inexorabilidade de autoexpansão do sistema produtivo de forma irracional; traz reflexões acerca da destruição do meio ambiente e, consequentemente, da humanidade.

Mais obras sobre o tema:

·         ALTHUSSER, Louis – Ideologia a aparelhos ideológicos do Estado.

·         BORON, Atílio. – Filosofia política moderna. De Hobbes a Marx.

·         BUARQUE, Sérgio – Raízes do Brasil.

·        CHÂTELET, François, DUHAMEL, Olivier, PISIER-KOUCHNER, Evelyne – História das Ideias Políticas.

·         KROPOTKIN, P. – A conquista do pão.

·         FEUERBACH, Ludwig – A essência do Cristianismo.

·         LUKÁCS, György – Historia e consciência de classes.

·         LUXEMBURGO, Rosa – Reforma ou revolução?

·         MARX, Karl – 18 Brumário de Luis Bonaparte.

·         SOUZA, Jessé de – A ralé Brasileira.

·         RIBEIRO, Darcy – O povo Brasileiro.

·         ROUSSEAU, Jean-Jacques – Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens.

·         WEBER, Max – A Ética protestante e o Espírito do Capitalismo.


Wesley Sousa é graduando em Filosofia pela UFSJ.. Escreve quinzenalmente para o site Coluna Popular.


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Wesley Sousa

5 Comentários

  1. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    90% de obras de esquerda, Meszáros, Marx, Gramsci e ainda quer bancar o isentão???

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    1. e vai ler o que para entender o mundo? hitler? gustavo corçao? olavo de carvalho? , nao sei porque ri, eles que mudaram o mundo com suas ideias brilhantes,todo mundo deveria ler a todos para nao falar besteira

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. 1. A nova ciência da política, Eric Voegelin.
      2. A Política da Fé e a Política do Ceticismo, Michael Oakeshott.
      3. Reflexões Sobre a Revolução na França, Edmund Burke.
      4. A Política da Prudência, Russell Kirk.
      5. Pensadores da Nova Esquerda, Roger Scruton.
      6. O Caminho da Servidão, Friedrich Hayek.
      7. A riqueza das nações, Adam Smith.
      8. O Antigo Regime e a Revolução, Alexis de Tocqueville.
      9. A Constituição Contra o Brasil, Roberto Campos.
      10. As Ideias Conservadoras,João Pereira Coutinho.
      11. A corrupção da inteligência, Flavio Gordon.
      12. O Livre Mercado e Seus Inimigos, Ludwig Von Mises.

      Tem mais indicações que você irá descobrir dentro dos livros, mas com estes 12, somado aos outros autores do post, já é um bom início para um estudo dialético sério.

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    4. Marxismo cultural kkkkkk

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