Para
firmar o recente acordo de parceria entre a Acervo Crítico e o Diário
Liberdade, publicamos aqui uma entrevista feita pelos colunistas Wesley
Sousa - representando a Acerco Crítico -, e Alex Agra - representando o Diário
Liberdade - com um dos pré-candidatos à presidência pelo PSOL, o
professor Nildo Ouriques. As perguntas feitas pelo Diário Liberdade e
pela Acervo Crítico estão marcadas com DL
e AC, respectivamente, enquanto
as respostas do professor Nildo contêm o nome dele.
Nildo Ouriques possui
doutorado em Economia pela Universidade Nacional Autônoma do México - UNAM
(1995). Atualmente é presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos
(IELA) e professor associado da Universidade Federal de Santa Catarina. Em
2010, gozou licença capacitação na Divisão de Pesquisa do Banco Central da
Venezuela e em 2012 realizou pos-doutoramento na Universidade de
Buenos Aires (UBA). Ministrou cursos sobre o pensamento crítico
latino-americano na Universidad Nacional de Tucuman (Argentina),
Universidade Bolivariana (Venezuela), Universidade de Padova (Itália)
e várias universidades brasileiras. Dirige a Coleção Pátria Grande, Biblioteca
do Pensamento Crítico Latino-Americano publicada pelo IELA e a Editora Insular
(Florianópolis) pela qual se divulga no Brasil autores clássicos da sociologia,
economia, política, história e da antropologia latino-americana jamais
publicado em nosso país.
DL: Nildo,
conta um pouco pra a gente sobre a tua trajetória militante. Quando você
começou a militância e quais eram as pautas centrais na época?
NILDO:
Bem, eu nasci em 1959, e portanto, comecei a me preocupar com política
durante a ditadura. E mais concretamente comecei a participar da política
quando entrei no movimento estudantil na Federal de Santa Catarina em 1978/79, no
período de distensão lenta, gradual e segura que era o projeto de
transição da ditadura com os civis e a Embaixada de
Washington. Foi um momento com o movimento estudantil que me permitiu ter uma
visão mais concreta do que era fazer política. Então, minha militância começou
com isso, começou na luta contra a ditadura pela democratização, e por uma concepção de
conquista de direitos sociais. Era ainda em grande medida no primeiro quase
no segundo ano, uma visão enquadrada dentro de uma perspectiva liberal,
mas o contato com a esquerda revolucionária no movimento estudantil permitiu
que eu desse um salto rápido e entendesse que a ditadura é uma ditadura do
grande capital, e me permitiu, portanto, sair daquele invólucro liberalizante de
luta pelos direitos civis, de luta pela democratização, pelo fim da ditadura,
para uma luta pelo socialismo. Fui precoce, portanto.
AC: Nildo, tu
trabalhou na Divisão de Pesquisa do Banco Central da Venezuela. Conta um
pouco para nós como foi esta experiência!
NILDO:
Esta foi uma experiência extraordinária do ponto de vista profissional e do ponto de vista
político. Profissional porque como professor universitário, os professores
pedem suas licenças (e neste caso foi uma licença de capacitação) para se
dirigirem a outro estabelecimento de ensino, a outra universidade, no Brasil ou
no estrangeiro. Mas, raramente vão para um órgão como um Banco Central. E menos
ainda como um país como a Venezuela. A grande maioria que ir para os EUA ou
para a Europa, e eu decidi, tendo outras oportunidades e tendo outros
convites, entregar minha licença capacitação no ano 2010 no Banco
Central da Venezuela. E foi um acerto extraordinário: primeiro, porque um Banco
Central, em qualquer parte do mundo, inclusive na República bolivariana da
Venezuela, é um banco central cuja maioria, o corpo técnico é um corpo
altamente capacitado, físicos, matemáticos, economistas formados em todas as
grandes universidades do mundo, e comprometidos com
a concepção conservadora de moeda, de banco central, de economia,
etc., são basicamente liberais ou keynesianos. É claro que menor medida de
extintor em figuras de esquerda, mas era ampla minoria. E ficar lá, por três
meses, todos os dias trabalhando de gravata, dentro do banco central, com a liturgia
que aquele estabelecimento exige, foi fundamental porque eu por lá estudei duas
coisas fundamentais: o controle de câmbio e o câmbio fixo. E segundo, as
origens da inflação venezuelana – que aqui são olimpicamente desconhecidos.
Então foi do ponto de vista do professor universitário foi extraordinário
porque eu pude ver qual é o drama da política econômica concretamente, longe
dos manuais ou longe do ambiente, digamos, muitas vezes abstrato, e que nós nos
encontramos. Esse é o primeiro aspecto. Segundo, lá fui enfrentar de
maneira muito clara os problemas revolução bolivariana, e, sobretudo, o
principal deles: a dificuldade de um país periférico, dependente, como a
Venezuela, superar o rentismo petroleiro. Não é uma tarefa fácil. A
crítica que aqui se faz tanto da direita quanto da esquerda no Brasil sobre os
graves problemas econômicos e o caráter dependente do capitalismo rentista
venezuelano, elas não chegam nem aos tornozelos do problema! É de um
desconhecimento sobre o que acontece na Venezuela absurda que às vezes é até
difícil de contestar tamanha é a ignorância que existe sobre o processo
concreto da Venezuela. Então, essa experiência profissional, intelectual e
político todos os dias participando de atividades, encontrando com
sindicalistas, etc., dando conferência nas universidades dando cursos de
formação, que iam muito além daquele meu compromisso com a divisão de pesquisa
do Banco Central. E esse compromisso me permitiu um conhecimento muito mais
próximo da revolução bolivariana, de suas contradições e antagonismos, da
pressão do imperialismo; da aliança que existe entre essa revolução e o sistema
bancário que ainda constitui o principal problema a ser solucionado ou a
revolução será definitivamente devorada por essa aliança de classe que lá permanece,
a despeito de algo decisivo.
Eu pude ver também o
protagonismo das massas que o dado mais importante da revolução quando milhões
de pessoas atuam em consequência, faz parte da política, algo que estamos muito
longe de conceber, no caso brasileiro. A grande maioria não consegue nem
entender como é que pode com todas as limitações de um processo conturbado que
foi a morte do ex-presidente Hugo Chávez e a ascensão do presidente Maduro e as
dificuldades que este governo tem; como é que ele consegue ganhar sucessivas
batalhas eleitorais? Por quê? Porque tem algo fundamental: as massas aprenderam
a lutar! Esta é uma dificuldade para a direita contra alguns setores de
esquerda entender esse fenômeno. Entender o bolivarianismo na
Venezuela como protagonismo das massas a despeito do Partido Socialista
Unificado dos Trabalhadores (PSUV); e a despeito daquilo que eles vinham com
certo domínio carismático que a direita chama aqui de “domínio do líder” e quer
precisamente ocultar essa liderança que tinha uma virtude que, aqui, esse
liberalismo de esquerda representada pelo lulismo nunca entenderá: um líder que
convocava o povo para a luta, e nesse processo dialético o povo aprendia a
lutar e compreendia o processo, impulsionava ainda mais o líder e o líder se
alimentava dialeticamente da ação das massas. Isso aqui é incompreensível para
os acadêmicos, para o liberalismo de esquerda (que é o petismo), inclusive
para setores do PSOL, onde milito. E naturalmente, para a direita, como não
apenas incompreensível, mas como algo que precisa ser ocultado: as massas
tenham autonomia na Venezuela, e que o processo revolucionário é efetivamente
caótico e apresenta grandes problemas. Esses problemas as massas enfrentam no
cotidiano, não são problemas que são colocados debaixo do tapete nem problemas
que solucionam com uma aliança de classes simples que pode passar a verdade por
baixo do nariz do povo. Nem pensar! O grau de politização da sociedade civil
venezuelana não tem paralelo na América Latina! Nenhum país conseguiu isso, a despeito
de todas as críticas que se possa fazer. Somente um desconhecimento muito
grande ou uma má fé de igual tamanho para ocultar esse dado elementar. E tudo
isso me foi permitido por eu participar dessa Divisão de Pesquisa do Banco
Central Venezuelano, nesses três meses que foram muito intensos; e depois as
dezenas de vezes que eu visitei o país. Antes dessa experiência e depois que
continuei frequentando a Venezuela, a cada ano duas ou três vezes, participando
de eventos do Banco Central e de organizações populares, organizações
políticas, em eventos universitários que nunca deixei de acompanhar esse
processo que é tão rico e tão importante para todos nós da América
Latina.
DL: Nildo,
você também trabalhou na Fundação Escola do Serviço Público (FESP). Qual
é o peso que você dá a esse fato da tua vida ao seu processo de
formação?
NILDO: Bem,
esse foi meu primeiro emprego. Eu me formei aqui na Federal de Santa Catarina
em dezembro de 84, e em janeiro de 85 estava contratado. Foi um convite feito
pelo Theotônio dos Santos, e lá na FESP, a partir de Janeiro daquele
ano, não só trabalhando no governo do Brizola, eu conheci um conjunto
intelectuais como o Ruy Mauro Marini, como Vânia Bambirra, como
Rene Dreyfuss, e um conjunto de latino-americanos - Orlando Caputo e
depois André Gunder Frank - e outros europeus como
Immanuel Wallerstein, Perry Anderson, Ernest Mandel, um conjunto de
outros latino-americanos, como Hector Oqueli. Uma quantidade deles que me
permitiram duas coisas importantes: primeiro, entrar em contato com um ambiente
mais cosmopolita do Rio de Janeiro, muito mais aberto que São Paulo, e entrar
em contato com toda essa intelectualidade latino-americana e o marxismo
europeu, em contato direto com essas figuras. Isso me permitiu observar que a
minha formação com um certo caráter provinciano e tecnocrático, não me limitava
intelectualmente, e foi importantíssimo, portanto, para minha formação
esse ano na Fundação Escola de Serviço Público. Além disso, tinha estreito
contato com os sindicatos. O sindicato de Volta Redonda dos
metalúrgicos, o sindicato dos metalúrgicos do Rio de Janeiro, sobretudo em
Volta Redonda na CSN. E no Rio de Janeiro com todas as empresas que
naquela época produziam barcos, e eu assessorava os sindicatos, e junto com o
técnico do DIEESE, nós analisávamos balanços, e encrespávamos contra os patrões
nas negociações. Era um trabalho voluntário, foi muito importante. Aí conheci
mais toda a esquerda carioca, a esquerda brasileira que circulava no Rio de
Janeiro. Foi uma atualização muito importante do ponto de vista intelectual e
do ponto de vista político, com aprendizagem em um ano, em que eu recuperei o
tempo perdido e foi muito fundamental para no futuro estabelecer pontos com
intelectuais latino-americanos. Portanto, saindo de Florianópolis naquele ano e
ir para o Rio de Janeiro já com esse grau de exigência intelectual que aquela
cidade permitia, foi decisivo para minha formação. Eu saí da
faculdade e tive um teste de time grande. Creio que me saí razoavelmente bem.
Foi fundamental para mim, agradeço até hoje a possibilidade de ter trabalhado
naquele governo, que era um governo que eu não apoiava, já estava trabalhando
no petismo, já era um petista filiado inclusive, mas
acompanhava pari passu as medidas e as ações do governador Leonel
Brizola. Entendi essa trama bem e pude estudar bastante, o ano inteiro de
estudo.
AC: Nildo,
muitos questionaram a sua declaração feita no jornal GGN de que não há avanço
da direita no mundo. O argumento corrente dos críticos é que a direita não
precisa de apoio popular para impor suas medidas e avançar sob o povo. Dizem
que se houveram golpes recentemente no Brasil, no Paraguai, em Honduras (em
2009 e nas eleições recentes), eleição de Macri na Argentina, traição
da “Revolução Cidadã” no Equador, inclusive com a chegada ao poder de nazistas
na Áustria, isso certamente seria um avanço da direita. Como você responde a
essa crítica?
NILDO:
Bem, a ideia de que tem um urso que vai sair da floresta e nos devorar é uma
ideia, aqui, tem utilidade: em primeiro lugar, tenta reforçar que o nosso
horizonte utópico permitido nas eleições é o Lula. Em segundo, que nada pode
ser feito para além do que fora feito daqueles 13 anos dessa corrupção moral,
política, econômica e social do governo lulista. Então esse é o ponto. Esse é o
debate que envolve essa questão do avanço da direita; segundo, se nós
observássemos claramente o que está acontecendo nos EUA, você vai ver que a
grande figura da última eleição foi Bernie Sanders, não foi Donald Trump –
que ademais está envolvido com uma possibilidade do impeachment; e na
Europa, todas as últimas eleições mais importantes, na Inglaterra, na França,
foram exatamente expressão do avanço da esquerda. A grande novidade foi um
renascimento da esquerda. Na América Latina nada mais eloquente: é só você me
indicar qual é o governo de direita que tem ampla popularidade entre nós. Não
há! Os principais países, o México, Argentina, o Brasil mesmo... os governos
estão em frangalhos! Agora, é claro que a crise econômica colocou a necessidade
para todos os capitais de fazer um avanço contra o interesse dos trabalhadores.
Isso é mundial. Mas os trabalhadores estão voltando a se organizarem. O Brasil
é, neste contexto, o país latino-americano, com maior atraso! De resto, queria
mencionar algo: o que esperar da classe dominante senão golpes como do
Paraguai? Se você quiser, como aqui no Brasil, um golpe parlamentar; mas, se
você quiser, inclusive, a fraude nas eleições de Honduras agora. Mas observe
que isso é o padrão (exceto se vocês estiverem esperando um espírito
republicano da direita latino-americana, de resto, ela nunca teve). Agora, o
que é mais surpreendente aqui não é o suposto avanço da direita, é a apatia
daquilo que foi a esquerda. Observem que a Dilma foi incapaz de lutar pelo seu
próprio mandato e convocar o povo para derrotar aquilo que chamavam de “golpe”!
Ora, se esse setor foi incapaz de lutar pela sua própria sobrevivência, como
querem usar o meu discurso de ser o discurso que “não reconhece o avanço da
direita”? No máximo que poderia dizer, aqui, é que no Brasil, o discurso
lulista – e o discurso dilmista – e mais do que isso, a prática, foi
incapaz de enfrentar o avanço da direita convocando o povo. Por que não
fizeram? Porque de fato não acredito nisso, ainda mais se acreditarem que o
golpe não era contra eles, mas contra o povo, com mais razão teriam que ter
convocado! Por que não convocaram? Porque eles estão de acordo com o programa
liberal que está sendo posto em prática com algumas conquistas sociais ou com
aquilo que chamo de “digestão moral da pobreza”.
Bom, por último quero
agregar algo fundamental. A França sempre teve uma direita – assim como a
Áustria –, bem como a Alemanha sempre teve. Na França, inclusive, a direita é
sempre bem votada. Há caso de alguma ameaça de fascismo lá, de “direitização”
completa e ameaça à democracia burguesa? Ora, nenhuma possiblidade.
Zero possiblidade!
DL:
Aproveitando o mote sobre América Latina: como você enxerga a relação entre os
militares e o povo no Brasil e porque em outros países da América Latina isso é
diferente?
NILDO:
Bem, essa é uma relação muito complexa. Tudo que diz respeito à América Latina
deve ser entendido como uma unidade na diversidade. A situação dos militares
cubanos, por exemplo, é completamente diferente da situação dos militares no
México, na Argentina, e no Brasil, por razões mais do que óbvias. A situação dos
militares na Nicarágua - que passaram pela revolução sandinista - também é
completamente diferente de toda América Central. E é claro que países em que a
transição foi muito mais conservadora e o controle de Washington e dos
militares estadunidenses, como é no caso do Brasil e é no caso do México, é
realmente espantoso. A situação dos militares venezuelanos era completamente
diferente, mas com aparição de Hugo Chávez. Isso mudou, deu um salto
qualitativo em poucos anos. Não esqueçam: é surpreendente que um militar, um
coronel, um tenente-coronel, se levante em armas contra um governo civil dotado
de legitimidade constitucional, mas o que aqueles militares bolivarianos viram?
O esgotamento de um regime. Portanto, o apego a regras democráticas apenas
formais é um erro estratégico da esquerda latino-americana, e ao contrário, não
podemos entrar no conto de que a defesa da democracia é em qualquer caso, uma
obrigação de todos nós. Ora, um regime político podre, corrupto, que não
representa mais ninguém, não pode ser confundido com uma democracia. Ao
contrário, tem que ser indicado como uma espécie perversa de regime político
que serve a causa dos poderosos sem tocar naqueles interesses essenciais da
imensa maioria da população que produz a riqueza. Os militares, portanto, tem
que ser objeto de intensa atenção nossa. Não daria para fazer aqui um relato
detalhado de cada um desses países. Há mudanças importantes no Equador e na
Bolívia, como vocês podem imaginar. Eu diria que nesse aspecto as
coisas estão também em movimento no Brasil, como sempre estiveram. Mas, nós
aqui estamos oscilando entre a segurança hemisférica. que é um mandamento que
vem de West Point nos Estados Unidos para cá, e é uma linha do
departamento do Estado estadunidense dos militares lá dentro dos Estados Unidos
ou a doutrina do inimigo interno que, leva a Doutrina da Segurança Nacional.
Nós precisamos superar esses dois ambientes, precisamos criar aqui
uma concepção que tá no primeiro capítulo da nossa constituição, a
comunidade, a constituição de uma comunidade latino-americana e caribenha de
nações. E os militares, portanto, tem que assumir essa concepção bolivariana,
não no sentido panfletário, mas no sentido que não há segurança possível
para nós, como mostrou o fracasso do TIAR (Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca), que os Estados Unidos estarão obrigados a
defender a América Latina com uma guerra com os outros países. O que eles
fizeram? Na guerra das Malvinas, ficaram do lado dos Ingleses contra os
argentinos. São lições históricas fundamentais que fazem com que nossos
militares não possam confiar nos militares dos Estados Unidos, e o militar
consciente aqui, tem que ter clareza do anti-imperialismo.
Não só clareza desse
anti-imperialismo, como tem que saber que infeliz do militar que atira e
tortura o seu povo, que é um ensinamento de Simón Bolívar. Isso é
fundamental. O povo não pode ser o inimigo interno. Ao
contrário, o povo é o único protagonista possível. Então precisamos limpar das
Forças Armadas essa concepção que em grande medida é dominante nos
nossos generais, na formação dos nossos militares, nos convênios internacionais
que orientam o Estado-Maior das Forças Armadas e dotar esses generais de um
compromisso com nosso povo. E segundo, precisamos nós da esquerda fazer intensa
política com os militares. A ideia de que nós temos que manter a neutralidade
dos militares é uma forma de entregá-las para a influência dos Estados Unidos e
a concepção que domina a Avenida Paulista, que no menor risco, na
possibilidade ver seus interesses ameaçados, não vacilarão em convencer os
militares a atacar o nosso povo em nome dos interesses das metrópoles e da
classe dominante, que é sempre muito diminuta. Os militares, finalmente, eles
oscilam a partir da luta de classes, e é nessa modulação da luta de classe que
nós temos que ter uma concepção do que são os militares. E
concebê-los não como um corpo monolítico, mas um corpo sujeito a todas as
pressões - porque o grosso das Forças Armadas no Brasil é feito das classes
populares. É preciso ter clareza disso. E essa doutrina pró Washington e essa
doutrina elitista que domina as Forças Armadas, ela não tem base de sustentação
nas classes populares. Ela pode servir como ideologia. E agora como não tem o
inimigo do comunismo internacional, nós temos que ter uma discussão muito clara
com os militares e mostrar que nós precisamos articular a revolução brasileira
com os interesses nacionais, e esses interesses nacionais não ocultam os
interesses de classe. Ao contrário, só podemos defender os interesses nacionais
que efetivamente existem, quando amparados numa visão de classe em que a
maioria do povo que produz a riqueza tem que se apropriar dela e os militares
estão nesse jogo. Portanto, nós temos essas tarefas para superar em relação aos
militares.
DL:
Há um tempo atrás, o general Mourão deu uma declaração higienista falando da
necessidade de exterminar o que há de indígena, português e africano nas raízes
do povo brasileiro. Como você enxerga a relação entre esses elementos da nossa
origem e os aspectos culturais da América Latina? Isso justifica um
"isolamento" do Brasil em relação ao sentimento de pertencimento à
América Latina?
NILDO:
Bem, o General Mourão na prática ele quer uma reforma moral e cultural do povo
brasileiro, extirpando as nossas raízes lusitanas, as nossas raízes africanas,
e as nossas raízes indígenas. É uma visão completamente eurocêntrica, despótica
e apoiada por uma minoria dentro dos Estados Unidos. Mourão é um general a
serviço de uma concepção estadunidense de segurança hemisférica que
eu acabei de mencionar. Agora, não tem legitimidade no conjunto das Forças
Armadas, e ele se opõe a isso precisamente porque ele quer se opor a
essa concepção bolivariana que eu reivindico: que é
uma concepção fundamental pra nós, e que cresce não só no seio das
Forças Armadas, cresce sobretudo no nosso povo a ideia de que nós somos - como
de fato somos - um país latino-americano que pertencemos a esse continente, temos o mesmo passado histórico, que sofremos com as mesmas determinações,
os atavismos políticos e que sofremos a mesma pressão imperialista da
dissolução do império português e espanhol; a ascensão do domínio inglês e
agora a ascensão do domínio estadunidense. Portanto, no momento em que o povo
latino-americano começa a ter cada vez mais - e o Brasil em especial -
uma concepção latino-americanista de pertencimento e identidade de
povo, de unidade territorial de integração latino-americana como uma peça de
emancipação, é natural que Mourão, antes do que pronunciar algo novo. Ele é na
verdade um ponta-de-lança contra essa concepção que já está cada vez
mais avançado entre nós. As pessoas quando se insurgem, se escandalizam contra
Mourão, elas são incapazes de observar que Mourão está atuando contra esse
movimento quase imperceptível, que é de cada vez mais o nosso povo ter
identidade latino-americana, e é por isso que ele aparece. Ele não aparece
preconizando novo, ele aparece insurgindo contra essa tendência nova que é esse
latino-americanismo que toma conta da sociedade brasileira, que encanta a
sociedade brasileira, que ela começa a identificar, começa a entender sobre
América Latina, começa estudar América Latina e começa a ver que nós
podemos fazer uma Pátria Grande comum. Essa é a razão de Mourão.
Agora, o Brasil não está
isolado da América Latina e de seu povo, não. As elites, os empresários, uma parte dos
militares, mesmo nos militares, há grandes projetos de aproximação com o
exército venezuelano, com o exército boliviano e peruano, cooperações, está em
permanente movimento. É claro que tudo monitorado pelos Estados Unidos. Porém, os Estados Unidos não pode mais ditar a ordem aqui como faziam
durante a ditadura, percebe? Então essa é a mudança, e o Brasil então não tem
mais isolamento. O que ocorre então são duas lutas: aqueles que percebem a
integração latino-americana como uma arma de emancipação, e aqueles que
continuam buscando nos Estados Unidos uma concepção eurocêntrica de
história, de futuro, de presente, de passado, a perpetuação do
subdesenvolvimento e da dependência. E aí sim, para esses o isolamento do
Brasil não é um mal, é um privilégio. Mas isso é o que nos afundou até agora, e
eles estão lutando contra a roda da história, porque nós cada vez mais
integrados na América Latina, sobretudo, nosso povo.
AC:
Professor Nildo, você tem mencionado bastante sobre a questão da
“mentalidade colonial” na formação intelectual. A educação técnico-científica
até que ponto é esteio basilar vinculada à ideologia burguesa
do apassivamento das massas e na corrosão do pensamento crítico?
NILDO:
Bom, aqui são vários aspectos: primeiro que a mentalidade colonial ela não
é um ato imaginário, ela é produto de três séculos de colonialismo e depois
mais dois de neocolonialismo. Portanto, definitivamente, coloca entre aspas
mentalidade. A categoria de colonialismo parece não orientar a intelectualidade
brasileira. Parece que foi extirpado a despeito da pressão da indústria
cultural, que é avassaladora e na qual envolve o mundo das Universidades; a
despeito da extração de um excedente econômico gigantesco daqui que fundamenta
a dependência, que é substancialmente distinto de uma modalidade colonial, mas
é uma forma de perpetuação, no capitalismo, de uma alteração qualitativa e
continua fazendo da economia brasileira, uma economia complementar a economia
mundial. Portanto, a mentalidade colonial ela é produto – esse comportamento
colonizado – cuja expressão máxima é o eurocentrismo – ela continua sendo a
justificativa ideológica e o comportamento intelectual adequado para uma
economia dependente e periférica. Acho que esse é o principal problema. Uma
educação técnico-científica, como um esteio para uma ideologia burguesa
de apassivamento das massas e da corrosão do pensamento crítico, pode
ser tudo, menos uma educação técnico-científica, que eu continuarei dizendo
como indispensável. A característica fundamental desse passivamente das massas
e a corrosão do pensamento crítico entre nós correspondem ao fato, em primeiro
lugar, que a educação que nós temos não é cientificamente sólida: ela é e
ideológica em larga medida. Tudo que você pode verificar faculdade economia,
por exemplo, de sociologia, é o fato de que os problemas fundamentais da
economia, do Estado, da cultura e da política, não aparecem ali. E sem um espírito científico fica capaz de compreendê-lo; ou se você for ao
centro tecnológico e perguntar lá sobre a dependência tecnológica, o sujeito é
formado em cálculo diferencial 1, 2 e 3; resistência de materiais; matemática
sólida; física... e ele não sabe da dependência científica e tecnológica! Veja
que ignorância que é; alienação terrível. Portanto, qual é a possibilidade no
espírito científico? Claro, o que se dá na verdade é uma formação técnica, com
alguma qualidade, que não permita o aluno sair da jaula em que ele se encontra
de tal maneira que ele consegue ter certa firmeza profissional sem, contudo,
tocar na realidade brasileira que lhe é completamente alheio. Essa formação
técnico-científica muitas vezes adquire um caráter tecnocrático, o que sempre é
dominante na faculdade de Economia, mas é o dominante na faculdade de Medicina,
Odontologia, em que os graves problemas de saúde bucal, da saúde em geral
do povo brasileiro, não aparece, como não aparece à dependência
científico-tecnológica no centro tecnológico; e como não aparece essa
dependência ideológica numa faculdade de Sociologia!
Veja que estamos indo no
problema grave, gravíssimo! E precisamente, não entender essa “mentalidade
colonial” é não entender o caráter alienante do que se ensina nas
universidades, por isso que eu tenho insistido que diante da ofensiva da
direita para privatizar as Universidades, etc., eu não saio em defesa dessa
universidade. Essa Universidade tal como ela está ela é indefensável, porque
ela não é a “universidade necessária”. O que é universidade necessária? É
aquela que consagraria toda sua existência para superar o subdesenvolvimento e
a dependência. Nós estamos longe disso e o ensino, em consequência, não
funciona. As pesquisas, extensão, sofreram um grave empobrecimento todos esses
anos sejam na mão da direita seja na mão do petismo; e
continua a deriva. Nós precisamos encontrar, então, a atualização do
projeto da Universidade Necessária que supere tanto o colonialismo intelectual
quanto essa formação técnico-científica destituída de arraigo na realidade
brasileira e latino-americana. E claro, como não tem arraigo aqui tampouco pode
conceber os problemas do mundo.
DL: Nildo,
é possível, com um programa reformista autêntico (como foi o de Jango no
passado), minimizar a dependência do Brasil e as consequências da relação
centro-periferia?
NILDO: O
reformismo sempre será uma arma fundamental de todos os povos. Os povos não
começam pelas revoluções. Os povos começam sempre atuando por reivindicações
imediatas, reivindicando políticas públicas. Logo encontram que o Estado
capitalista e sua crise financeira são incapazes de atender a política pública,
e então vão ambicionando maior nível de reformas, cada vez mais autênticas. Na
medida em que formulam reformas mais autênticas e o povo em movimento, começam
a perceber que as reformas são irrealizáveis no marco do capitalismo. Por quê?
Porque se fossem, a burguesia mesmo faria, e ela não faz. Ela adia, castra, evita, ela esteriliza e ela apresenta algumas reivindicações, como foi o
caso de 64; a reforma bancária, a reforma agrária, a reforma urbana, na forma
de contra-reforma. Nunca esqueço: o estatuto da terra aprovado pela
ditadura foi uma forma de enfrentar o tema agrário dentro de
uma concepção capitalista estrangeirizante, cujo resultado visível
hoje é esse latifúndio gigantesco com as benesses e o fortalecimento da posição
do Brasil na divisão internacional do trabalho, de
maneira ultraregressiva. Um programa reformista autêntico sempre será
bem-vindo, mas veja que depois de Jango nós nunca tivemos isso. Lula? Não foi
nem sequer reformista, foi um sujeito que praticou algumas políticas públicas,
exatamente para evitar reformas estruturantes. Quando o petismo fala
que é um reformismo fraco, é uma vergonha que usem esse conceito. O reformismo
é algo valioso, como ensinou Rosa Luxemburgo contra
as concepções de Eduard Bernstein, lá na década de 20 do
século passado. Era muito claramente estabelecido: nós revolucionários, não
somos contra reformas, por isso que não é Reforma OU Revolução, Rosa Luxemburgo
ensinou de maneira clássica: é Reforma E Revolução. Nós aqui no Brasil nos
últimos anos não tivemos revolução, nem reforma. E tivemos políticas públicas
cujo imaginário era precisamente iludir as grandes maiores de que era possível
atacar a miséria, a exploração, a violência, e a opressão nos marcos do
capitalismo. E aí, deu no que deu essa decadência moral, política, histórica e
programática do petismo, e a miséria desse líder eleitoral, mas não líder
popular, que é Luiz Inácio Lula da Silva, um político vulgar. Então, não é
possível imaginar que mesmo um reformismo à lá João Goulart pode resolver nosso
problema, é o grande ensinamento histórico do golpe contra João Goulart, cujo foi um golpe de uma ditadura militar apoiada por Washington, e que nos deu 21
anos de ditadura. Por isso mesmo é que eu não fico vulgarizando a palavra
golpe, por que na nossa história a destituição da presidente Dilma não pode ser
considerada como um golpe. Um golpe para nós é aquele que teve em 64, se você
disser: "é um golpe parlamentar", eu ainda poderia aceitar, mas um
golpe assim, seco, não. Golpe foi o que nós tivemos em primeiro de abril de 64,
na madrugada do final do dia 31 de março, e que levou a uma ditadura de 21
anos. Agora veja: aquele governo de João Goulart nos ensinou que mesmo uma
proposta reformista séria, que atacava a lei de remessa de lucros, que fazia a
reforma agrária na lei ou na marra, que fazia uma reforma urbana, uma reforma
bancária, uma reforma universitária, ela não é viável se não for ao contexto da
revolução brasileira.
AC: Nildo,
um ponto que você é sempre ímpar para debate: qual é a diferença entre
dependência hoje com a financeirização; a dependência antes do processo de
industrialização e a dependência depois deste processo no país? Como isso se
reflete na formação social do país, por exemplo, no que os liberais chamam de
“concentração de renda”?
NILDO:
Bem, eu tenho caracterizado o desenvolvimento capitalista brasileiro como o
capitalismo dependente rentístico. Tem que ter cuidado com conceito, mas
estou convencido do seu conteúdo. A ideia da industrialização que foi o máximo
da consciência burguesa na América Latina, representados pela Cepal e
com os seus teóricos, como Celso Furtado e cia., não dão mais conta de tratar a
evolução recente do desenvolvimento capitalista no Brasil. Tampouco a essa
ideia de “inserção subordinada” vindo da Unicamp é capaz de atender com clareza
essa transformação; e outras formulações que ando por aí muito pouco precisas
Não é mais possível numa economia capitalista global/mundial uma um
desenvolvimento periférico como aquele que nós tivemos nos anos 70 e 80. Hoje o
setor manufatureiro dos Estados Unidos e da China garantem a um preço muito
baixo todas as condições de reprodução material para as camadas médias e para o
proletariado na escala global e, portanto, não permitirá mais transição
processos de industrialização como aquele que nós vimos no passado. Essa é a
principal alteração. E é por isso que essa medida que levou a essa fração
financeira da burguesia brasileira estabelecer-se em 1994 uma hegemonia sobre a
burguesia industrial comercial e agrária. Por isso que o bordão hoje
fundamental da Globo (o principal partido político da direita e da classe
dominante) é o “agro é tec, o agro é pop, o agro é tudo, o agro é a riqueza do
Brasil”. Ora, isso é verdadeiramente escandaloso do ponto de vista da economia
política! Nós aprendemos desde Adam Smith, que a origem da riqueza é a
manufatura, é o que os EUA e a China fazem, não o que o Brasil está fazendo, de
tal que maneira que isso é uma catástrofe para todos nós! É o aprofundamento da
dependência – a reprodução ampliada da dependência. Esse é o dado novo.
Portanto, qualquer outra tentativa de “democratização” da riqueza ou de
industrialização está completamente fadada ao fracasso e dentro da ordem.
Somente um novo bloco de classes orientado pela ruptura do sistema
poderia oferecer uma alternativa diferente, tampouco pode reproduzir o caminho
chinês. Mas o caminho chinês mostra para nós em que condições é possível
enfrentar uma economia capitalista mundializada é assim desde alguns
séculos atrás. Essa é a questão nova. Isso que temos que observar. Então, eu
não atuo com este conceito de “’financeirização”: é hegemonia do capital
financeiro sobre as demais frações que submeteram docilmente em 1994 a/pelas
possibilidades de bloco de classes que estabeleceram entre eles e contra a
maioria de novo povo. Portanto, todas as contrarreformas que estamos vendo
hoje, elas são produtos daquela aliança, e esse é o dado fundamental. Esse é o
dado definitivo. Não entender o Plano Real é não entender essa nova hegemonia
que veio para ficar, só podendo ser destituída por uma ruptura, com aquilo
que como um economista burguês, por exemplo, Celso Furtado, chamava “modelo”, e
eu chamo de “sistema”. Tem que romper com este sistema. Essa é a questão
fundamental.
AC:
Recentemente temos visto uma forte insatisfação para com a austeridade e
superexploração diante as contrarreformas do capital monopolista. Você vê algum
levante revolucionário significativo aqui na América Latina num período de
médio prazo?
NILDO: Não
tenho a menor dúvida que a ofensiva liberal que pretende aprofundar a
dependência e a superexploração na América Latina já está encontrando uma
resposta no movimento sindical, das organizações camponesas; dos indígenas em
toda América Latina contra o extrativismo, da desigualdade regional que faz,
por exemplo, esta diferença abissal entre o norte e nordeste, sul e sudeste no
Brasil; a violência contra os trabalhadores urbanos e rurais; contra as
mulheres e a população negra. Enfim, tudo isso está se cobrando um preço – como
sempre cobrou – e não há novidade alguma nisso agora. A rebeldia, a rebelião e
as revoluções serão a norma em 2018 e 2019. Como pensar que num país e num
continente já estruturalmente desigual, e que se aprofunda essa desigualdade, o
comportamento da população será de apatia e indiferença ou de aceitação
passiva? Nenhuma possibilidade que isto ocorra, ao contrário. Não digo nem no
médio prazo, já parto do curto prazo. Podem observar: presenciaremos grandes
revoltas, rebeliões, e possivelmente, grandes revoluções, se tivermos a
consciência que este projeto veio para pegar; e que não há possibilidade de
mediação de classes ou de conciliação de classes. Nós vamos ter uma proposta
revolucionária (a da Revolução Brasileira) e uma proposta de socialismo. Isso
tem de estar posto na ordem do dia! Já está posto estruturalmente, é que não
apareceu para milhões, mas a transição de uma consciência ingênua para uma crítica
também é produto das próprias condições econômicas, políticas e sociais que nós
estamos vivendo. E me impressiono com a rapidez que este processo está
ocorrendo, ainda que seja invisível para grande parte de dirigentes políticos,
sindicalistas, jornalistas, acadêmicos e intelectuais.
DL: Nildo,
uma crítica recorrente feita à tua candidatura é que não faria sentido o PSOL
lançar um acadêmico. Como você vê essa crítica e como você enxerga a diferença
entre intelectual e acadêmico?
NILDO:
Bom, em primeiro lugar, essas críticas eu não sei se vem de algum operário. Em
geral quando essa crítica aparece, ela vem de algum parlamentar que não tem
nenhuma extração operária e vem de algum membro do partido que precisamente
frequenta quase que única e exclusivamente os bancos universitários, onde não
têm experiência nem de camponês, nem de operário, e nem de favelado. Em segundo
lugar, é que eu não sou um acadêmico. Passei a minha vida inteira fazendo crítica
aos acadêmicos, que não conhece meu trabalho na universidade pode fazer essa
crítica, que é uma crítica muito rasteira. A minha candidatura é uma
candidatura essencialmente política, o que eles não estão, alguns autores não
estão acostumados a ver, é precisamente um intelectual com compromisso
revolucionário. E é isso que alguns acham que é tudo, menos sério. E estou dizendo: é tudo sério, menos qualquer outra brincadeira. O que eu tô dizendo
claramente é que eu queimei os barcos. A crise é tamanha que precisamente por
ter um acúmulo teórico, me levou até uma práxis política revolucionária, e me
levou para um partido político que como vocês sabem, no PSOL, ou no PSTU ou no
PCB, ou em qualquer partido da esquerda brasileira, organizações pequenas, não
estou Incluindo aí naturalmente o PC do B nem o PT, que o PT é menos
ainda. É um partido da ordem hoje claramente estabelecido, tenho
dito isso há tantos anos, desde que eu me desfiliei lá no segundo ano do
primeiro mandato do presidente Lula, deixando muito claramente que isso aí
seria um fracasso. Bem, essa crise me levou até uma nova práxis política, e é
uma prática política partidária. Agora vejam que a minha distinção dentro do
partido entre intelectuais e acadêmicos, continua cobrando o preço e irritando
muita gente.
Por quê? Porque tem muita
gente dentro do PSOL que tem uma concepção acadêmica, e não
uma concepção política. Agora, também tem algo aí que é
fundamental. Muita gente despreza um candidato com lastro teórico,
porque faz parte da tradição da esquerda brasileira, dessa esquerda
pós-ditadura, não da esquerda anterior à ditadura, ter um desprezo pela teoria.
Ora, o desprezo pela teoria é dar com os burros na água. Quem desprezar a
teoria nesse contexto, que achar que vai poder resolver o Brasil com
voluntarismo, que se some à candidatura do Lula, porque o Lula professa sempre
um anti-intelectualismo visceral. Da mesma forma que a direita
professa um anti povo, degradando Lula, porque ele não tem diploma
universitário. Ora, o diploma universitário é o que menos conta. Lula é um
político burguês, vulgar, como outro qualquer, que atuou em favor da classe
dominante. Sempre desprezou teoria, o que é muito diferente de ele não ter tido
uma oportunidade de ir pra um banco escolar universitário. Mas essa confusão
que o Lula alimenta e que a direita alimenta, é muito conveniente para querer
bloquear alguém com capacidade intelectual e compromisso político. E uma figura
como o meu perfil, modestamente, digo, é incômodo para os dois bandos. Mas isso
é uma tendência que veio para ficar na sociedade brasileira. Não sou o único, e
nem agora e cada vez mais vocês vão se defrontar com gente com grande
capacidade teórica, atuando no meio político, no meio sindical, no meio das
organizações sociais, e que não necessariamente tem extração universitária. Registro
por fim, na Argentina, e para dar outro exemplo, no México, os grandes
intelectuais não tem origem universitária. Essa é uma tradição brasileira,
lamentável.
DL:
Recentemente, você publicou uma carta ao presidente do PSOL, Juliano Medeiros.
Você avalia que essa ausência de debate das candidaturas internas e insistência
na candidatura de Boulos configura um golpe do PSOL contra suas
próprias correntes?
NILDO:
Não, não diria que se trata de um golpe. Diria que há um trato incompatível com
o partido que defende o socialismo e a liberdade. Por isso dirigi uma carta
aberta, porque me parece absolutamente incompatível com o partido que tem no
seu nome o socialismo e liberdade atuar de maneira burocrática no controle das
estruturas porque possui uma maioria. Eu alertei, e continuo alertando: um
partido precisa da maioria e da minoria, porque a luta social exige uma unidade
imensa. É uma unidade na diversidade, é uma unidade no conflito, e nós não
podemos negar o conflito que a gente existe dentro do partido, porque esse
conflito é o resultado de um conflito que existe na sociedade. Então, eu posso estar
a ser candidato e estar reivindicando um programa de transformação
revolucionária da sociedade brasileira, e Juliano pode estar pensando o oposto,
que tem que ter um diálogo com o petismo, que tem que ter um projeto
reformista; que tem que ter um programa de transformação dentro da ordem, não
basta afirmar o horizonte retórico do socialismo, é preciso tomar medidas aqui,
agora. E uma das questões fundamentais que ele é o presidente de todos nós. E
tem que atuar em consequência. Então, o que eu fiz questão de estabelecer foi,
de maneira muito respeitosa, madura e aberta, a crítica, a
minha concepção de como partido tem que ser dirigido, a despeito de
eu ser minoria hoje no partido, e nós não podemos reproduzir no PSOL as piores
práticas que nós vimos em outras agremiações. Ora, o petismo não
chegou a essa decadência moral, programática e política, essa vulgarização completa da política, por acaso. E nós temos que
aprender com aquela experiência, e aprender a com aquela experiência não é
fazer um seminário para refletir sobre ela, é mudar a nossa prática
radicalmente. Se Boulos que é um dirigente de um movimento social
importante, quiser vir para o partido, ele que venha construir o partido como
todos nós estamos fazendo. Ele que venha organizar o partido desde dentro, e
não numa plataforma Vamos! que é exterior ao partido, é incompatível para mim
fortalecer o partido, e estar atuando numa plataforma Vamos! e ter uma
plataforma diluída. E uma plataforma que a despeito de 100.000 acessos, é muito
pouco para o Brasil. Quase nada. E uma imitação barata e sem condições, sem
reflexão do que foi o PODEMOS na Espanha, cuja é uma experiência completamente
distinta da nossa e nem aquilo que ela tem de meritório lá ela é bem
compreendida aqui por Boulos e companhia. Então, essa luta aberta,
franca, que eu estou fazendo, me parece que é absolutamente saudável para
constituir uma esquerda que não cometa os erros do petismo. E que supere,
dialética e historicamente, o petismo. E que nós não temos entre nós
práticas nefastas. Eu acho que ele é um dirigente jovem, pode aprender, tem
possibilidades, a realidade brasileira está exigindo, e nós dependemos desso
debate aberto, franco, sobre isso. Sem mistificação de nenhum tipo.
O petismo foi uma péssima escola para a juventude de muita gente, e é
preciso compreender isso. Foi péssimo, foi um horror, foi uma piscina de
horrores. Desde a criação do Instituto Lula, que era uma forma de sabotar o
partido, até seguir cegamente um sujeito que liquidou no seu lado qualquer
possibilidade de criação de lideranças políticas importantes, não fosse aquelas
parlamentares, aquelas devotas do voto. Aquelas tributárias do voto.
Começava no PT a se estabelecer aquilo: quem tinha voto e quem não tinha. Ora,
esse foi o caminho para consolidar uma visão parlamentar de política que levou
ao cretinismo parlamentar e a corrupção generalizada do partido e suas as
distâncias. Nós temos uma oportunidade histórica de superar aquele fracasso. E
acho, finalmente, que Juliano Medeiros não é ele, é toda
uma concepção majoritária no partido, que ele preside agora, e que
ele tem condições de, se tiver sensibilidade, inteligência e
sobretudo, saber que um partido se faz com milhões de pessoas, conduzir isso de
um melhor plano. E o tratamento que eu quero para minha candidatura, para minha
pré-candidatura, é o que eu quero para todos os demais. E o partido tem que ser
instrumento de todos, tem que honrar o nome do socialismo, e sobretudo da
liberdade. A liberdade não é aquilo que a gente pratica só para nós. É aquilo
que a gente pratica para o outro, pra aquele que tem
uma concepção diferente de nós.
AC:
Professor Nildo, percebemos que o trabalho com a população, ainda que
conflituosa, perante os grandes monopólios de mídia tem surgido algum
efeito, tanto que as chamadas “mídias alternativas” vêm sendo bastante
utilizadas e há um forte rechaçamento da confiança no poder midiático.
Em sua visão, isso pode ser uma arma crítica para construção da revolução
brasileira?
NILDO:
A mídia pode muito, mas não pode tudo. A mídia não pode
ser fetichizada. O que eu quero dizer? A mídia está submetida a
esse jogo das classes sociais. É claro que, para reproduzir Chomsky, “o
controle das mentes numa sociedade democrática”, não é um instrumento
desprezível. Meu amigo Gilberto Vasconcelos cunhou o conceito “capitalismo
vídeo-financeiro”, que é uma forma sofisticada de domínio ideológico político e
cultural que não devemos desprezar. Mas, não podemos cair no risco que esse é
um deusch ex machine, que domina tudo, a despeito das oscilações
da população, em sua composição, dos conflitos sociais e políticos, que é, em
última instância quem continua determinando tudo. Agora, é claro que nesse
contexto, nós não podemos perder o fundamental: primeiro; uma sociedade
efetivamente democrática não pode conviver com monopólio dos meios de
comunicação! Portanto, a supressão desse regime midiático ele é
fundamental. Segundo; tampouco pode as redes sociais e
a mídia alternativa combater os monopólios. Isso não existe a menor
possibilidade. Nós podemos usá-las, como estou usando aqui, e alguns milhares
de pessoas podem ver. Mas é claro que quem pode com todas nossas mídias alternativas
competir com um dia, uma noite só, com o Jornal Nacional da Rede Globo, em que
60, 70, 80 milhões assistem todos os santos dias aquela ladainha? Aquela
produção de ideologia. Aquele manufaturamento da opinião pública.
Tenho estudado muito os temas do jornalismo, da mídia e os teóricos
sobre este assunto há muitos anos e observo muito claramente que essas duas
ilusões permanecem: 1) a ideia que não podemos tocar nos monopólios que seria
“ataque à liberdade de imprensa”, que de resto, George Orson na
década de 40 elucidando que aí não tem nada de “liberdade de imprensa”; segundo
lugar, a ideia que as mídias alternativas e redes sociais são capazes
de enfrentar o poder do monopólio, na formatação da opinião pública, da
fabricação desta. Não são! Nós temos que continuar fazendo a luta nos dois
ambientes colocando claramente o horizonte de uma sociedade democrática aqui e
agora já, para o programa de transformação, nos fins dos monopólios. Portanto,
o fim da Rede Globo – no caso brasileiro – tal como ele está hoje, isso não
pode existir. Tem que haver um processo radical de democratização dos meios de
comunicação que dentro da ordem não é possível. Só é contra esta ordem. Porque
esta ordem estabelecida está de acordo com este sistema organizado. Então, não
é possível mudá-la com as “próximas eleições” ou eleição de um governo que vá
“respeitar as regras” do sistema político. O governo terá que enfrentar as
regras sacrossantas do sistema político. Essa é a primeira questão. E a
segunda: não colocar como se fosse uma possibilidade como se eu com meu
Facebook, com minhas redes sociais, Twitter e vocês com canais alternativos
pudessem enfrentar esse processo gigantesco. Não somos capazes. Mas nós temos
que entrar na batalha e entendendo que temos que cumprir na fronteira e no
limite das nossas possibilidades o nosso combate. Os dinamismos da crise é que
vão determinar, em última instância, qual é o rumo do combate. E nós temos que
fazê-lo com lucidez, não colocar a mídia, seja monopólica ou alternativa
como acima do conflito de classe, mas do contrário: colocar como seu
comportamento depende da luta de classes.
DL: Nildo,
quais são as tarefas fundamentais dos jovens militantes hoje?
NILDO: Bem, eu diria que a
juventude sempre tem uma aposta especial, e a juventude
está em condições muito difíceis hoje. E por isso mesmo que ela tem um papel de
protagonista. Em primeiro lugar, é ela que tem que assumir esse protagonismo
político na crise, e ela está submetida a um esquema cultural violentíssimo,
cuja orientação é a indústria cultural dos países metropolitanos. E uma
identidade, aqui no Brasil, com um padrão de consumo da classe média, portanto,
distante do nosso povo, distante da nossa economia, distante da nossa política
e da nossa cultura. Agora, a juventude tem que manter o seu caráter herege e
também uma vontade iracunda, completamente iracunda, e completamente herege. E
é uma exigência desses tempos bicudos, ter um compromisso com a teoria e com
uma práxis revolucionária. Aliás, isso sempre foi assim. Sempre foi uma
exigência de todos os tempos. No Brasil, é mais dramático, porque exatamente
agora as coisas estão muito mais difíceis para todos nós. Para os trabalhadores
do campo, cidade, para as mulheres, para os negros, para os estudantes e para
os velhos. Imagine a situação da velhice no Brasil. Agora vai ser mais terrível
do que qualquer outro tempo. E nós vamos assistir velhinhos, muitos deles cada
vez mais atuantes. Mudam as condições gerais, e muda o perfil de atuação. Então, observe que a posição da juventude é identificar uma juventude como parte do
povo brasileiro. Portanto, este projeto de juventude que a gente observa, em
geral, que é uma juventude de extração de classe média, ela é incapaz de
assentar um verdadeiro projeto de juventude, em abstrato. Nós precisamos ver
uma juventude iracunda, uma juventude que não se entrega, que não se vende, que
se rebela, e que definitivamente não está contente com os rumos desse mundo.
Essa rebeldia dos jovens sempre foi um combustível de toda revolução e todo
período de crise. Agora ele tá mais forte, mais pulsante. É nossa função
alimentá-los, discutir com eles abertamente, sempre de maneira conflituosa
também, porque não é fácil. A juventude acha a todo o momento que tá
descobrindo a pólvora né, mas é assim mesmo. É parte do processo que a
gente tem que tá discutindo com eles, junto com eles, braços dados com
eles.
DL: Nildo,
manda um recado e vamos fechar a entrevista.
NILDO:
Bem, eu quero agradecer a oportunidade de ter conversado com vocês. Uma
entrevista é sempre importante para expor algumas hipóteses, e, sobretudo
intensificar o debate. E para uma pré-candidatura dentro do PSOL, disposta a
levar a cabo o programa da revolução brasileira e discutir isso abertamente no
Brasil - o que eu estou fazendo, esse contato é um privilégio. Agradeço, portanto,
a oportunidade. Um grande abraço a todos
vocês!