O declínio da ciência, o declínio do capitalismo



Este declínio do capitalismo tem muitas evidências empíricas. Os think-tanks “burgueses”, como o Brookings Institute, argumentam que a produtividade diminuiu desde os anos 70.

Traduzido por Andrey Santiago - estudante de Serviço Social pela UFSC

Poderia outro Einstein existir nesta era? Uma pergunta melhor é quando o espírito do programa de pesquisa dele ira emergir novamente em nossa situação atual. Pelo programa de pesquisa, me refiro a atividade que compreendeu por alguns experimentos mentais e heurísticos que não revolucionaram somente a física mas toda a nossa ontologia em geral. Por meio de uma combinação de imaginação e proezas matemáticas, como imaginar-se montando em um raio, e depois traduzir essa imaginação para a linguagem da geometria, Einstein revolucionou nossas mais fundamentais intuições de espaço e tempo.
Avançando 100 anos no futuro, onde a física se tornou cada vez mais especializada e fragmentada, com a física teórica atomizada em várias subdisciplinas. Dado esse panorama complexo, simplesmente não banda suficiente para envolver a complexidade informacional de todos os campos relevantes, a fim de compreender algo holístico e fundamental. Em vez disso, o conhecimento científico é atomizado entre várias disciplinas. No entanto, embora essa divisão do trabalho e o aumento da complexidade informacional tenham uma lógica legítima, como muitos campos, realmente se tornam mais especializados e complexos em um sentido útil e autêntico – essa complexidade tem retornos marginais decrescentes. Nos podemos ver o efeito em alguns montes de papel de física teórica, com teoria após teoria que talvez tenha só uma ligação ténue com o mundo. Em algum ponto, a complexidade e a literatura cresceram exponencialmente, engolfando as confirmações empíricas.
Um dos exemplos mais notáveis ​​dos retornos decrescentes da complexidade é a falta de mudanças revolucionárias na física teórica. As últimas maiores revoluções físicas, a mecânica quântica e a relatividade, aconteceram há cerca de cem anos. Isto é, apesar do enorme aumento no número de cientistas e disciplinas ao longo do último século. Não há escassez de modelos e teorias, mas a criação de novas previsões e confirmações empíricas está diminuindo, como evidenciada pela inabilidade de caros experimentos físicos de confirmar qualquer nova partícula conjeturada pela ultima geração de físicos teóricos. Em outras palavras, para usar as ideias de Lakatos, a física teórica está se degenerando, porque há um aumento exponencial na complexidade das informações sem muito conteúdo empírico para embasa-las. Em suma, todos os novos e caros cientistas, computadores, teorias (por exemplo, supersimetria, teoria das cordas) e campos crípticos estão gerando retornos decrescentes no conhecimento.
No entanto, não apenas as ciências acadêmicas estão se degenerando. Nesta fase do capitalismo, o programa de pesquisa degenerativa é universal. Este programa de pesquisa universal inclui todos os campos relevantes da investigação e conhecimento humanos. Logo, essa degeneração não existe apenas no topo da academia, mas se espalha por qualquer instituição que se proponha a resolver problemas. Nós achamos uma diminuição dos retornos na produtividade de varias indústrias e na economia como um todo, o que sinaliza a também diminuição na complexidade. Em todas as partes da sociedade há um aumento na complexidade que traz uma diminuição nos retornos. Como todas essas instituições estão resolvendo problemas e usando algum tipo de método / episteme, podemos dizer que suas teorias do mundo são degenerativas, em analogia ao conceito lakatosiano de programa de pesquisa degenerativa. Apesar de seu inchaço em especialistas, os retornos marginais no “conhecimento” necessário para a produção diminuem.
Talvez o aspecto mais incrível desse declínio seja a existência de especialistas em métodos quase totalmente degenerativos. Como os métodos degenerativos aumentam exponencialmente em volume – métodos que não têm muito apoio empírico, a complexidade informacional precisa de mais especialistas para gerenciá-lo, e esses especialistas são quase totalmente especializados nesses métodos em decomposição. Economistas e teóricos das cordas são os exemplos mais essenciais de profissionais degenerativos.
Essa degeneração do programa universal de pesquisa e, com ele, a criação de uma casta degenerativa de profissionais não passou despercebida pela população. Este declínio provavelmente alimentou parte da onda anti-intelectual e anti-tecnocrática que levou Trump ao poder. Por exemplo, as pessoas muitas vezes se queixam da crescente inacessibilidade da literatura acadêmica, com sua superprodução de jargões obscuros. Outro exemplo é o ódio direto aos administradores, gerentes e outros profissionais tecnocratas, que são vistos como fazendo um trabalho cada vez mais abstrato que não se conectam tanto com o que acontece na realidade. Por exemplo, um alvo comum de críticas para esse fenômeno é o inchaço administrativo que afeta as universidades.
Este processo abstrato do programa de pesquisa degenerativa está ligado à saúde do capitalismo, em um ciclo de feedback bidirecional, já que é através da solução de problemas que o capitalismo desenvolve o crescimento tecnológico e econômico. Talvez possamos entender melhor a saúde do capitalismo, referindo-nos às idéias do antropólogo Joseph Tainter. Tainter argumenta que as sociedades são fundamentalmente máquinas de resolução de problemas e que elas adicionam complexidade na forma de instituições, especialistas, burocratas e informações, a fim de aumentar sua capacidade de resolver problemas a curto prazo. Por exemplo, os primeiros sistemas de irrigação nas civilizações mesopotâmicas, cruciais para a agricultura e, portanto, para a sobrevivência, criaram sua própria camada de especialistas para gerenciar esses sistemas.
No entanto, a complexidade é cara, pois adiciona mais uso de energia/recursos per capita. Além disso, a capacidade de resolução de problemas das instituições diminui em retornos à medida que se acrescenta complexidade mais cara. Em algum momento, as sociedades complexas acabam tendo uma camada muito cara de gerentes, especialistas e burocratas que não conseguem mais resolver problemas. Em breve, porque a complexidade não está mais tornando a sociedade mais produtiva, a base econômica, como a produção agrícola, não pode crescer tão rapidamente quanto a complexidade cara, fazendo a sociedade entrar em colapso. Esse colapso redefine a complexidade produzindo sociedades mais simples. Tainter argumenta que esse era o destino de muitos impérios e civilizações antigas, como os romanos, olmecas e maias. Assim, Tainter aqui defende uma teoria do declínio do modo de produção, onde os modos de produção são “cíclicos” e têm um estágio ascendente e descendente. Usando essa imagem, podemos começar a identificar um capitalismo em estagio de declínio.
Este declínio do capitalismo tem muitas evidências empíricas. Os think-tanks “burgueses”, como o Brookings Institute, argumentam que a produtividade diminuiu desde os anos 70. Economistas marxistas como Michael Roberts afirmam que os dados empíricos mostram que a taxa de lucro caiu desde o final da década de 1940 nos EUA. Sem mencionar a recente Grande Recessão de 2008. No entanto, esse declínio econômico e material está ligado ao programa de pesquisa degenerativa, já que a dispendiosa complexidade das instituições degenerativas se expande mais rapidamente do que a base econômica (por exemplo, PIB). Por exemplo, o crescimento exponencial de administradores em saúde e universidade às custas de médicos e professores é sintomático dessa degeneração.
A degeneração do programa universal de pesquisa tem duas conseqüências importantes. Primeiro, que uma grande parte de figuras de autoridade que baseiam seus conhecimentos em credenciais é ilegítima. A razão é que, se eles fazem parte de uma casta degenerativa de profissionais (políticos, economistas, etc.), eles não podem reivindicar autoridade sobre o conhecimento relevante, porque todo o seu método está corrompido. Isso implica que os socialistas não devem se sentir intimidados pelas credenciais e pelo currículo dos tecnocratas mais próximos do poder. Como mencionado antes, populistas de direita como Trump entendem parcialmente este fenômeno, que desencadeou seu eleitorado reacionário contra os “liberais limousine” (analago ao termo “esquerda caviar” usado no Brasil) e “deep-statists” (o deep state é uma teoria que diz que existe um Estado dentro do Estado, essas pessoas seriam favoraveis a esse Estado Profundo) em Washington. É hora de nós, socialistas, entendermos essa verdade em particular, e não sermos medo de combater o suposto realismo e expertise do centro neoliberal. A segunda consequência é que nossos métodos de investigação, como ciência ou filosofia, estão paralisados. Em vez disso, o loop de complexidade de feedback cria mais especialistas degenerativos especialistas em uma complexidade informacional que tem uma conexão tênue com os fatos do mundo. Doutores inteiros são feitos em métodos degenerativos – por exemplo, cientistas especializados em alguma estrutura teórica particular em física que não foi validada empiricamente.
Qual é a abordagem socialista para a degeneração do programa de pesquisa? Embora não se possa dizer que os socialistas não sofrerão problemas semelhantes, dado que a complexidade informacional sempre será necessária quando se lida com nossa complexa civilização, o capitalismo tem incentivos particularmente perversos para programas de pesquisa degenerativa. Por exemplo, a forma como o programa de pesquisa degenerativa sobrevive é através da manutenção de portões que salvaguardam a divisão do trabalho por profissionais bem pagos e poderosos. Um exemplo óbvio é a economia profissional atual, que requer, em grande parte, uma absorção de matemática sofisticada em nível de pós-graduação para entrar na profissão, mesmo que esses modelos matemáticos sejam em grande parte degenerativos. Na paisagem política em geral, o Estado é formado por políticos e tecnocratas de carreira, que salvaguardam suas posições por meio de uma guarda antidemocrática na forma de uma rede de elites e preenchimentos de currículos. A justificativa para essa manutenção é que esses cuidadores acumulam poder e riqueza através da proteção de seus programas de pesquisa degenerativa. Além disso, o capitalismo acelera a quebra da divisão do trabalho, uma vez que persegue a produtividade de curto prazo a todo custo, mesmo quando essa complexidade a longo prazo se torna cara e passiva.
A cura socialista para a degeneração do programa de pesquisa poderia consistir em dois ingredientes principais. Primeiro, que as instituições que comandam o vasto controle sobre a sociedade e seus recursos deveriam democratizar e rotacionar seus funcionários e “pesquisadores”. Por exemplo, no caso do Estado, uma abordagem socialista eliminaria a existência de políticos de carreira, estabelecendo limites rigorosos para os mandatos e tornando muitos funcionários, como os juízes, serem responsabilizados ​​pela vontade democrática. Como há retornos decrescentes no conhecimento por meio da especialização e da complexidade informacional, uma ampla educação pública (até o nível de bacharelato universitário) poderia garantir um corpo de cidadãos suficientemente educados para que possam participar dos assuntos do dia-a-dia do Estado. Em vez de uma casta de profissionais degenerativos que controlam o Estado, um corpo educado de cidadãos-trabalhadores poderia administrar os assuntos do dia-a-dia do Estado através de uma combinação de ordenação, democracia e limites de prazo rigorosos.
O segundo ingrediente consiste na redução de grande parte da complexidade, concentrando-se na redução do dia de trabalho através do planejamento econômico. Uma vez que um dos principais dogmas do socialismo é reduzir o dia de trabalho para que a sociedade seja governada pelos imperativos do tempo livre em oposição à compulsão do trabalho, isso exigiria a eliminação de indústrias que não satisfazem a necessidade social (finanças , imobiliário, alguns do setor de serviços, alguns aspectos da academia) para criar um estado mais enxuto e mínimo. Uma vez que o dia de trabalho é reduzido a apenas o necessário para a auto-reprodução da sociedade, haverá tempo livre para as pessoas participarem de qualquer programa de pesquisa de sua escolha. Fazer isso pode dar origem a programas de pesquisa alternativos que não exigem o domínio de imensa complexidade informacional para participar. Talvez a próxima revolução científica só possa surgir ao tornar a ciência mais democrática e livre. Essa visão contrasta com a ciência elitista que existe hoje, que está à mercê de profissionais hiperespecializados, incapazes de ter uma visão holística do campo e, portanto, incapazes de compreender as leis fundamentais da realidade.

Wesley Sousa

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem