Erik Killmonger (Interpretado por: Michael B. Jordan) |
Fenando Pereira é graduando de Filosofia pela PUC-Minas.
Slavoj Žižek num de seus livros, Lacrimae rerum:
ensaios sobre cinema moderno, comenta sobre uma questão que
Levi Strauss abordou, numa mesma tribo, separada em duas castas, a superior que
comandava o poder e outra que tinha obediência à primeira, fez o
seguinte exercício; pegou o chefe da primeira e disse, desenhe para mim como
representa sua tribo com os demais nesse círculo, o mesmo desenhou dentro
do círculo, dois círculos concêntricos, representando assim em seu “ponto de
vista” uma certa harmonia em sua tribo, perante ele e seus súditos, depois
Strauss pediu para que um dos que serviam ao “andar superior” como ele via sua
tribo representada no círculo, para surpresa, teve no meio do círculo uma reta,
que dividia seus chefes e eles os súditos, no meio. Podemos dizer que a tribo
de baixo, é a esquerda e a de cima a tribo detentora do poder; a direita,
em termos para nossa sociedade.
Os filmes hollywoodianos, ou até mesmo, claro, dentro da
sociedade, de certa maneira consegue, ter essa “visão estruturalista”, posso
citar vários exemplos, que isso se expressa (por favor, não cairemos num “local
de fala”, já que mesmo um sujeito da classe trabalhadora por vários fatores
ainda consegue não se ver representado ou até mesmo lute pela mesma) dentre os
filmes de herói que isso é recorrente. No último, pelo menos que assisti;
Pantera Negra (2018) isso é evidente, o vilão é o que podemos chamar de herói
para esquerda, mas enquanto um filme hollywoodiano, tem uma visão da esquerda
pela direita, assim como Žižek no artigo Ditadura do
proletariado em Gotham City.* diz em resumo; o personagem Bane em Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012) é
um líder de esquerda do jeito que a direita vê; “autoritário”, “justiceiro”,
“que quer uma eugenia social” e por aí vai.
No filme Pantera Negra, T'Challa, protagonista, o novo Rei de
Wakanda, tem uma visão da direita, como Strauss denuncia, ele vê harmonia em
sua cidade-estado, enquanto Killmonger, também da família real, nascido,
mas criado longe do reino de Wakanda, onde sofreu e viveu as relações
do mundo com todas suas contradições, tem a visão da esquerda, um radical
(que assim seja) que quer fazer uma verdadeira revolução mundial, trazer um
novo mundo, em que a justiça seja feita. Por outro lado o Rei T'Challa quer ainda manter
Wakanda (uma civilização avançadíssima no Continente Africano) longe do mundo,
apartada das relações internacionais sem utilizar sua tecnologia de última ponta, pois
para o monarca, acabaria para fins predatórios.
[spoiler] No fim sabemos quem venceu essa disputa real de e por Wakanda, Killmonger o vilão
(para nós de esquerda herói) teve seu fim, e T'Challa pode
manter Wakanda apartada do mundo, mas com leves reformas (ora, um reformista,
afinal).
Como no início do texto disse que isso é recorrente nos filmes
de herói, ou aventura (talvez no geral), cito por exemplo Batman vs
Super-Homem: O Despertar da Justiça (2016), que mesmo não percebamos, um
revolucionário aparece no filme, o General Amajagh, claro, com uma
visão da direita, ele é chamado de terrorista, aposto que poucos
perceberam, mas ele é chave do filme inteiro, vejam bem sua fala logo no início
do longa em entrevista com a Lois Laine;
Lois Lane: Você é terrorista, General?
General Amajagh: Não disseram que a entrevista seria com uma mulher. [claro que o terrorista
seria um sexista, poxa vida]
Lois Lane: Não sou só uma mulher, sou uma jornalista.
General Amajagh : O que eu sou é um homem com nada, além do amor de meu
povo.
Lois Lane: Quem está pagando por esses seguranças, General?
General Amajagh : Quem paga pelos drones que nos sobrevoam à noite? Uma
pergunta leva a outra. Não é?
Lois Lane: Como quiser, General. Os Estados Unidos declararam
neutralidade na guerra civil do seu país tanto na política, quanto em
princípio. [a ideologia operando com sucesso]
General Amajagh : Você acaba de expor essas ficções americanas, são
ditas como se fossem verdades. Homens com poder não obedecem, política e
nem princípios, Srta. Lane. Ninguém é indiferente. Ninguém é neutro.
O General Amajagh tem sua participação curta no filme, mas já denota;
a briga entre Batman e Superman não passa de briga entre a ordem, entre duas
alas que defendem a mesma coisa no fim das contas para os EUA, fica evidente é
quando Amajagh é morto no início do filme, ele nem ao menos vira
poeira, essas que deixam algum rastro, mas realmente é um personagem fora da
realidade, fora da realpolitik, para uns “uma utopia esquerdista,
ultrapassada e romântica.”
No filme Rogue One: Uma História de Star Wars há
também essa ocorrência, de que todo radical é perigoso, um utópico, todo
radical/revolucionário é uma ameaça; Saw Guererra é um deles, considerado um
agente perigoso aos rebeldes acaba sendo isolado numa pequena lua Jedha. Não muito por acaso é um personagem assumidamente baseado em Che Guevara (ora,
ora se não temos aqui a mesma ocorrência, a esquerda do jeito que a direita
vê).
O importante notar nessas narrativas, mesmo que passem longe do
cenário heroico, vale lembrar aqui o excelente Fences (2017), em que se o
espectador tem uma visão política mais à esquerda verá o filme como uma obra
extremamente ultrapassada, no muito terá sérias criticas, ou mesmo que é uma
obra que mostre a realidade como ela é; uma família suburbana negra nos EUA com
todas suas contradições, agora se um público de direita o assistir; um exemplo
de cidadãos, um exemplo de família, um patriarca com suas obrigações perante as
mazelas do mundo. Claro, não cairemos num relativismo, mas sim partir de que há
ideologias em disputa na realidade, há tomadas de partidos no mundo e isso
acaba reverberando no mundo da arte e não poderia ser o contrário. Afinal como
o General Amajagh nos lembrou; Ninguém é indiferente. Ninguém
é neutro.
___
nota:
* artigo do Zizek: https://blogdaboitempo.com.br/2012/08/08/ditadura-do-proletariado-em-gotham-city-artigo-de-slavoj-zizek-sobre-batman-o-cavaleiro-das-trevas-ressurge/
nota:
* artigo do Zizek: https://blogdaboitempo.com.br/2012/08/08/ditadura-do-proletariado-em-gotham-city-artigo-de-slavoj-zizek-sobre-batman-o-cavaleiro-das-trevas-ressurge/
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Texto bem interessante mas uma pequena observação: apesar do seu discurso de justiça e liberação negra, a campanha de Killmonger era supremacista e imperialista com Wakanda como metrópole do mundo e isso é explícito no texto. "Sei como os colonizadores pensam, venço eles no jogo deles." como se pode ver na estratégia colonial de virar as várias facções de Wakanda umas contra as outras, "O sol nunca irá se pôr no nosso Império". Claro, o personagem foi escrito assim para não parecer razoável demais, no fundo ainda é um filme pipoca para crianças e o conflito não pode ser complexo demais.
ResponderExcluirMuito Interessante.Vou ter que assistir de novo Batman v Superman. :)
ResponderExcluirSão recomendações sensacionais! Todos me fizeram ficar tocada. São ótimos para nos questionar e promover uma reflexão além de serem ótimas produções. Eu gosto muito do genero documental, porque sempre nos impactam . O último que vi e fiquei impressionada foi Diga o nome dela: A vida e Morte de Sandra Bland. Vi mais informações no link: https://br.hbomax.tv/movie/TTL718109/Diga-O-Nome-Dela-A-Vida-E-A-Morte-De-Sandra-Bland com os dias e horários para ver em casa. Super recomendo a todos que queiram refletir sobre nossa sociedade atual e a questão racial.
ResponderExcluirQual o principal conflito do filme pantera negra?
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