A revista Época não entendeu nada |
Publicado originalmente no blogsite Eh Várzea
Data 31 de março de 2018
Elogio da tortura, negação
da história, anti-intelectualismo, macarthismo, desprezo por quaisquer valores
democráticos, paranoia nacionalista. Mistura-se tudo isso com dispositivos para
a destruição do debate público: notícias falsas, contextos
mentirosos para imagens verdadeiras, vídeos tratando de questões
internacionais com legendas falseadas. Eis a Nova Direita.
Os arquitetos da Nova
Direita brasileira, polemistas como Carlos Andreazza ou Rodrigo Constantino, negam esse panorama. Tentam dar um
verniz intelectual a essa salada ignorando quantos não estão soterrados sobre
inúmeras camadas de paranoia, repetindo algo sobre George Soros e Globalismo,
enquanto vozes mais poderosas arrastam seu público para uma espécie de culto da própria personalidade. Christian Dunker tem razão, Olavo já perdeu a sua.
Mas as “pequenas verdades”
vendidas pela Nova Direita fazem sucesso no mercado de ideias. Algumas são
confortáveis e triunfalistas: desenham o mundo como um sistema perfeito,
perturbado pelas “mentiras dos esquerdistas” e pela intervenção do Estado na
vida do cidadão. Outras, mais estranhas, pregam o retorno ao absolutismo, a
glorificação do passado Europeu, a ideia torta de que o brasileiro pertenceria
ao “Ocidente” do qual tanto fala a Nova Direita do Hemisfério Norte.
As narrativas vendidas pela
Nova Direita são pequenas verdades por dois motivos: são realmente pequenas e
cabem em uma frase, num meme, não possuem qualquer nuance; por outro lado são
vendidas enquanto “verdades” mas sua dose de verdade é mínima, ínfima. Podem
nascer como argumentos mas frequentemente morrem como falácias.
O cardápio de pequenas
verdades da Nova Direita é variado. Às vezes um pedaço de uma discussão
política mais ampla (o papel do Estado na economia), noutras uma falácia
absoluta (“checagem de fatos é censura“). Todas contribuem para formar
o mosaico de paranoia e desinformação que tomou conta do jogo político político
global nos últimos quatro anos. As pequenas verdades da Nova Direita brotam de
muitos solos. Algumas crescem a partir de questionamentos aos chavões da
esquerda militante, outras nascem da esfera de influenciadores digitais cujo
único compromisso é com o ultraje e a audiência.
No edifício das pequenas
verdades toda discussão política deve estar esmagada entre o maniqueísmo e o
relativismo. Qualquer argumento contra a Nova Direita é passível de ser
“refutado” com alguma frase sobre Stálin ou Mao. Mas não tente citar Hitler ou
Mussolini como contrapontos autoritários de direita: já se colocou à venda uma
pequena verdade confortável que assegura aos conservadores que todo o mal do autoritarismo dos
anos 1930 veio da esquerda!
Quando seus líderes falam
sobre assassinato ou perseguição de dissidentes políticos a Nova Direita logo
diz que tudo não passa “de discurso”, “piada” ou dizer que as palavras do
grande líder não podem ser interpretadas literalmente. O mesmo não pode ser
dito daqueles que a Nova Direita considera seus “inimigos”. A esses cabe a mais
cuidadosa análise de tudo o que já foi dito ou feito. Os inimigos devem ser expostos como hipócritas usando de frases
ou expressões pinçadas fora de contexto e reproduzidas dezenas de milhares de
vezes nas redes sociais. Frases ou expressões as quais, aliás, a Nova
Direita se orgulha de poder falar, já que não precisa prestar contas “ao
politicamente correto” e reserva para si mesma o domínio exclusivo sobre
os campos da metáfora, do sarcasmo, da ironia e do humor.
Nesse ponto o leitor pode
estar se perguntando se algo do que foi descrito aqui não valeria para setores
da esquerda. Talvez. O empobrecimento do debate público parece um fenômeno
generalizado, potencializado pelas mídias sociais. E não digo isso porque acho
que é necessário ser “intelectual”, “refinado” e usar jargões para discutir
quaisquer tópicos. Não é. O
maior problema é que estamos progressivamente nos afastando dos dados, dos
fatos, embriagados pelo viés de confirmação. Isso não quer disse que a
retórica inútil de “ambos os lados” vai nos salvar da realidade: os riscos do autoritarismo à direita são reais. Embalados
por discursos que remetem a teorias da conspiração dos anos 1930, como “marxismo cultural” ou “genocídio branco“, os aspirantes a autoritários são vendidos como campeões de um
certo Ocidente.
Por que ideias tão extremas
se tornaram populares? Há várias explicações possíveis: manipulação de
algoritmos de redes sociais, radicalização de partes da centro-direita depois
de perdas eleitorais dez anos atrás, o sucesso inegável de think-tanks e
propagandistas bem financiados, o fenômeno das notícias falsas, etc. De
qualquer forma assistimos a uma estratégia de sucesso que consiste em associar
valores muito comuns (zelo pelos familiares, religiosidade, desejo de trabalhar
ou construir algo) a líderes e ideais extremistas. A difusão das pequenas
verdades é essencial nessa empreitada, elas garantem a ampliação do medo e da
incerteza, da consolidação da ideia de que a miséria ou o declínio que as
pessoas experimentam seria causada pelas nefastas ideologias pregadas pelos
“esquerdistas” e suas consequências.
Por Nova Direita aqui eu me
refiro a um agregado ideológico mais ou menos coeso, combinando ideais do
conservadorismo, libertarianismo e reacionarismo – e por vezes, de maneira
consciente ou inconsciente, flertando com constructos da supremacia racial
euro-americana e até do nazifascismo. Isso não quer dizer que as pessoas
que apoiam ou se interessam pelos os ideais da Nova Direita seriam necessariamente
simpáticas a ideias supremacistas, nazistas ou fascistas. O problema, mais complicado, é que essas ideias circulam com
facilidade nesses meios, buscando aceitação através do “rebranding”.
Mas vamos ao que interessa:
o edifício das pequenas verdades cresce cada vez mais rápido, já que os
líderes, influenciadores e ideólogos da Nova direita o constroem diariamente.
Por isso é importante analisar suas bases.
Absurdismo Político? |
1.
Todo o mal reside na esquerda
Muito comum nos círculos de
conservadores e reacionários ultramontanos, a ideia de que a esquerda
personifica um mal transcendente é recorrente. Essa “pequena verdade” forma a
base do pensamento da Nova Direita. Ela fundamenta todo tipo de revisionismo
histórico, desde a negação de que haveria qualquer autoritarismo na direita
(“não houve Ditadura Militar no Brasil”, “Hitler era socialista”, “o
Nazifascismo era de esquerda” etc), passando pela ideia de que qualquer
pensamento da esquerda seria patológico. Essa falácia em forma de
“pequena verdade” é a grande fundamentação do pensamento da Nova Direita. Ela
também tem uma propriedade recursiva: permite uma torção argumentativa que
transforma todo novo mal explicitado em “esquerdismo”. Vide os absurdos argumentos
que os neonazistas assassinos de Charlottesville seriam, na verdade,
“esquerdistas” vinculados do partido Democrata.
Essa “pequena verdade” é
construída com uma simples omissão dos fatos sobre a natureza da política
norte-americana pós-Guerra da Secessão e sobre como os Partidos Democrata e Republicano inverteram suas políticas
durante a luta pelos Direitos Civis. Nada disso interessa para a Nova
Direita: eles venderão a “pequena verdade” conveniente de que aqueles que
marcharam em Charlottesville não são de direita mesmo que a Alt-Right
diga que
marcha por valores conservadores, pelo livre mercado, pelo genocídio de
minorias étnicas, por Donald Trump e contra valores progressistas.
A negação da possibilidade
do mal ou do autoritarismo na direita é muito bem casada com uma torção da
noção de liberdade: a sociedade civil que possui demandas progressistas será
reduzida a um braço do Estado e representada como parte de um establishment
tirano. A participação política passa ser vista como uma espécie de pecado
original, a não ser que demande a suposta redução do Estado.
2. Capitalismo não é um
sistema econômico como outro qualquer, com falhas e sucessos, mas um “reflexo
da natureza”
Essa “pequena verdade” é
muito comum nos circuitos de liberais, libertários e anarcocapitalistas. Ela se
origina do pressuposto de que seria possível projetar o capitalismo
retrospectivamente na história da humanidade, ou de que trocas espontâneas
seriam “o capitalismo”. Também é corroborada por uma leitura simplista e
caricata sobre a natureza dos genes e da teoria da seleção natural, projetando a competição econômica como um reflexo das trocas de
energia na cadeia alimentar, por exemplo. O efeito disso é o que Mark
Fisher chamava de “Realismo Capitalista“, um fenômeno no qual o capitalismo é
conflagrado com a própria realidade, e o modelo do Mercado passa a ser
idealizado como o padrão para todos os aspectos da vida. Qualquer tentativa de
discutir ou reformar ao capitalismo torna-se utópica, anti-natural ou
necessariamente perigosa.
Mais estranho, a única forma
de combater consequências indesejáveis do capitalismo seria com um “mais
liberdade econômica”, ou seja, retirando progressivamente taxação e regulações
por parte do Estado. Os problemas seriam então “naturalmente” resolvidos
através da livre iniciativa, auxiliada pela crescente e constante evolução das
tecnologias. Discussões que apontem fatos que escapam a essa lógica (escassez
de combustíveis fósseis, mudanças climáticas, extinção em massa) serão tratadas como “conspirações” instrumentalizadas para
impedir o glorioso futuro prometido pela livre iniciativa em seu
estado puro. E no mundo da não-intervenção, o princípio da livre iniciativa
nunca é perturbado pela assimetria de poder entre indivíduos, comunidades,
nações e corporações transnacionais (exceto se o indivíduo em questão for o
George Soros).
Esse pensamento deriva de
uma radicalização da ideia de que dinâmicas sociais, econômicas e ambientais
tenderiam ao equilíbrio. A política passa a figurar como um um meio de
garantir a “não intervenção”. Quando essa lógica falha em mostrar resultados
esperados, círculos paleo-libertários e conservadores começam a enumerar
inimigos: “terroristas comunistas”, “banqueiros socialistas”, “elites
globalistas” ou “imigrantes parasitas”. Não tardará para que a Nova Direita
passe a exigir que a mão pesada do Estado intervenha, sob a forma das Forças
Armadas ou aparatos de segurança, contra esses inimigos sob a justificativa de
assegurar supostas liberdades.
“Debates” |
3.
“Você critica o capitalismo mas tem um iPhone”.
Essa “pequena verdade” parte
de uma contradição aparente na esquerda intelectual ou de classe média:
criticar o capitalismo, em qualquer aspecto, exigira que as pessoas não
fizessem uso do que a Nova Direita considera como seus produtos. Misturada ao
estereótipo do gauche caviar, do simpatizante do socialismo que vive
do melhor que “o capitalismo proporciona”. Mas da crítica ao estilo de vida da
esquerda intelectualizada essa “pequena verdade” logo evoluiu para bordões que
congregam qualquer “comunista” a se mudar do seu país ou ir viver na floresta,
já que a o convívio em sociedade e instituições seriam formas “naturais” do
próprio capitalismo.
Tal “pequena verdade” aponta
uma contradição inescapável para qualquer um que proponha mudanças: o fato de o
sujeito está inserido naquilo que quer transformar. O pensamento peculiar
por trás desse argumento é o de que não é o trabalho do sujeito mas “o
capitalismo” o agente responsável pelo sucesso pessoal ou pela existência
de quaisquer bens materiais. Comentários desse tipo serão seguidos por
qualquer murmúrio sobre Cuba ou Venezuela, como se a republiqueta socialista e
o petroestado populista fossem os únicos lugares do planeta onde o trabalho do
indivíduo não é recompensado devidamente – ou que vivem crises de escassez.
Logo a questão torna-se de
natureza moral: questionar qualquer aspecto do capitalismo é imoral para aquele
que vive no capitalismo. Rio abaixo, a Nova Direita começa sua defesa do
capitalismo através de fatos e questões lógicas mas logo passa para o campo da
natureza humana e da moral. Discussões sobre essas contradições serão resumidas
à acusações de “esquerdismo” ou “comunismo”. Paralelamente o realismo
capitalista opera como uma saída simplória e reducionista às contradições dos
diversos modos de produção, questões geopolíticas e históricas.
4.
Indivíduos sempre são responsáveis por suas escolhas. O meio não influencia sua
trajetória de vida ou suas escolhas morais a menos que tenham sido
“doutrinados”.
Essa “pequena verdade”, em
sua primeira parte, deriva da crença de que o indivíduo é o princípio
fundamental da organização social. O individualismo faz parte de uma longa
tradição da filosofia política, expresso em diferentes níveis, mas foi
popularizado nas últimas décadas por meio do Tatcherismo e também pelo sucesso tardio do Objetivismo
de Ayn Rand. O argumento de fundo individualista é muito comum na
discussão sobre a criminalidade no Brasil, onde a esquerda mobiliza questões
como a desigualdade social, a ineficiência da Guerra às Drogas e o modus
operandi das forças policiais, e a direita enfatiza como ponto central a
categoria de “bandido” como a fonte do problema.
Removidos os bandidos, por
encarceramento ou execução, o problema da criminalidade epidêmica estaria
resolvido. O aumento galopante da letalidade policial e da morte violenta de
policiais – muitas vezes atuando numa dupla jornada na segurança privada –
seria apenas uma consequência direta e única da ação “dos bandidos”. Os
bandidos seriam pessoas moralmente corrompidas, cuja escolha pela “vida fácil”
no crime não teria qualquer relação com o meio em que vivem: vide o exemplo de
tantas outras pessoas que não fizeram o mesmo. Já os excessos e crimes, se
cometidos por policiais seriam o resultado de uma sociedade que não os
valoriza, dos perigos do trabalho e tantas outras justificativas – muitas delas
baseadas em fatos reais. Em suma, a corrupção policial seria “fruto da
sociedade” e a “bandidagem” seria consequência de atos e escolhas individuais.
Curiosamente, em outro
nível, a Nova Direita trata do constante perigo da “doutrinação” pairando sob a
vida do cidadão. O fantasma da doutrinação se apresentaria principalmente na
escola e outros espaços de educação, vistos como dominados pelos perigosos
esquerdistas. Ali munidos de “livros do MEC” os professores estariam
doutrinando seus alunos nos mais diferentes aspectos do que a Nova Direita
chama de “marxismo cultural”, cujos conteúdos variam desde a
rejeição à Ditadura Militar de 1964 passando por ensinamentos sobre os legados
do colonialismo, diversidade social, educação sexual, ou respeito à
homossexuais. A esquerda, para a Nova Direita, só existe por que “doutrina” as
gerações mais novas através da educação. Na era da desatenção museus e escolas
são representados como perigosos templos da doutrinação marxista supostamente
responsáveis pelas restrições ao “livre pensamento”.
5.
“No Islã é pior. Cale a boca e aceite.”
Essa “pequena verdade”
deriva de um fenômeno recente, no qual céticos, ateus e secularistas
euro-americanos deixaram de criticar a atuação do instituições do Cristianismo
na esfera política e passaram a dizer que o Islã seria “a verdadeira ameaça ao Ocidente“. O abandono do foco
no Cristianismo fez com que esses pensadores tivessem uma causa em comum com
setores da extrema-direita, mantendo o trabalho fácil de tratar de uma religião
em crise profunda, vinda de uma região arrasada por guerras e uma geopolítica que
favorece um fundamentalismo extremamente destrutivo. Esse era um lugar
novo confortável do ateísmo militante: quem em sã consciência tentaria defender
uma religião cujos fundamentalistas mais violentos chacinam cidadãos desarmados
em várias partes do globo?
O surgimento do Daesh (mais
conhecido Estado Islâmico) foi um marco mais impactante que destruição das
Torres Gêmeas pela Al Qaeda. A Nova Direita entendeu isso como uma oportunidade
e logo se tornou passou a difundir a mensagem do Daesh, fingindo que ela
corresponde à totalidade do Islã. O aparato de propaganda violenta do Daesh
(venda de escravos, execuções, cenas de guerra) ajudou a Nova Direita a
produzir um rebaixamento moral sem precedentes: tudo passa a ser
justificável porque o Daesh já fez pior.
Homossexuais não podem
reclamar quando políticos os chamam de imorais ou desumanos, quando sofrem
violência na rua, porque estivessem em território do Daesh seriam sumariamente
executados. Mulheres não podem elaborar sobre certa permissividade social em relação
estupro porque o Daesh estuprou dezenas de milhares de prisioneiras de guerra.
A denúncia de padres e pastores acusados de abuso sexual de menores não deve
ser feita uma vez que certos países muçulmanos aceitariam o casamento de
adultos com crianças. Se um supremacista racista invade uma mesquita ou templo Sikh e
chacina seus frequentadores, devemos nos calar por causa dos atentados
recorrentes na Europa. O Estado Islâmico rapidamente tornou-se uma
referencia moral inconsciente, cujas atrocidades incontáveis e absurdas
passaram a ser o norte para o que deve ou não deve ser permitido.
6.
“Não tenho corrupto de estimação”.
Essa “pequena verdade”
deriva de uma estratégia muito bem sucedida da Nova Direita no Brasil: assumir
que a política é “suja” e usar o discurso moralizador da política como forma de
se eximir de responsabilidades sobre o próprio voto e preferências eleitorais. Esse discurso engendra uma lógica na qual os políticos apoiados
pela Nova Direita acabam “consumidos” como se fossem celebridades. A
lógica é a mesma do ciclo de vida das celebridades no aparato midiático: fama,
adoração, desgraça, anonimato (repita). Vários campeões da moralidade política
estiveram nas Páginas Amarelas ou na capa da Veja: Fernando Collor, o “caçador
de Marajás”; Demóstenes Torres, o “mosqueteiro da ética”; a “súbita força” de
Eduardo Cunha; Aécio Neves dizendo que é “vital recuperar a dignidade da
política”. Agora Jair Bolsonaro é exaltado como “o único honesto” uma vez que
não foi tocado pela Lava Jato – mesmo que tantos outros políticos também não sejam
investigados.
Uma questão é a obsessão com
os moralizadores, outra é a releitura rápida da história de modo a se isentar
de tê-los apoiado quando são revelados como corruptos. Assim que um moralizador
cai em desgraça, outro está já está em processo para assumir seu lugar. Então
basta dizer que “não apoia corruptos”, afirmar que apoiou o antigo moralizador
por “falta de opção” e se aglutinar em torno do novo moralizador. Essa isenção
de responsabilidade através da lógica do consumo é bastante apropriada, uma
adequação à narrativa de que as principais responsabilidades do cidadão se
resumiriam a “produzir e consumir”. Num ambiente dominado pelas notícias do
momento essa “pequena verdade” se sustenta com facilidade.
7.
“Essa geração…”.
O que deveria ser um mote
dos mais velhos contra os mais novos em tempos de transformação social
acelerada acabou se tornando uma das pequenas verdades da Nova Direita. Essa
pequena verdade afirma que a geração atual seria “fraca” ou “mimada” e que suas
demandas pelo reconhecimento de minorias ou redistribuição de riquezas surgiria
como um reflexo dessa fraqueza. Esse argumento é mobilizado principalmente pela
juventude engajada na Nova Direita, que mira a si mesma numa versão romantizada
do “conservadorismo” do passado. Angela
Nagle entende que essa forma de fazer política da Nova Direita teria se
fortalecido como resposta à política de identidades que se popularizou através
da internet. O que ela chama de “esquerda tumblr” distribuiu a ideia de que
as minorias são virtuosas por sua condição subalterna. A virtude estaria no
fato de que viver como minoria exige força e conflito constante contra o status
quo opressivo. Infelizmente, parte da subcultura de internet que teria surgido
desse princípio acabou tornando-se demasiadamente autorreferente, obcecada com
temas arcanos e subjetividade – algo para um texto futuro.
A Nova Direita juvenil
procura inverter esse argumento, misturando o realismo capitalista, uma adesão
à categoria de “opressor” e um suposto apologismo ao Ocidente (pois é). Isso
permite uma identificação coletiva, como um passe de mágica, com “grandes
nomes” da História: de filósofos da Grécia Antiga a generais da Europa. Também
permite uma expansão do pensamento mágico que coloca atrás de si mesmo o
monopólio sobre todas as conquistas humanas. Esse modo autocongratulatório
de existência se tornou comum justamente em grupos de underdogs na
internet que por qualquer motivo acham que postar memes congratulando o
massacre de civis muçulmanos na Bósnia, as torturas do DOPS ou as execuções do
governo Pinochet consistem em formas de “salvar a civilização Ocidental” de
bolcheviques e justiceiros sociais.
8.
“Tem que acabar os Direitos Humanos”.
Essa “pequena verdade” se
apoia na ideia de que o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos
seria uma forma de “proteger bandidos”. Ignora-se que a Declaração foi assinada
como um importante legado após o fim da 2a Guerra Mundial, depois de um
conflito que arruinou a Europa e foi acompanhado de um genocídio sistemático.
Algumas figuras da Nova Direita de inspiração libertária dirão que o problema
está em ter o Estado reforçando tais direitos. Os reacionários dirão que nos
“velhos bons tempos” haveria menos violência porque não existiam os tais
“Direitos Humanos”. Essa pequena verdade é de longe uma das mais
complicadas e com possíveis implicações destrutivas, em
especial quando a apologia ao genocídio passou novamente à integrar o discurso
público.
Para saber mais
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