Por Ricardo Colombo Gallina - graduando em Psicologia pela UFGD
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Que a psicologia atual, com seus pés
fincados nas mais variadas formas de determinismo (seja ele social ou
biológico), é passível de várias críticas não é novidade para ninguém. Não só
ela é passível, como é preciso este esforço de apreensão e crítica da
psicologia pelas novas gerações, a fim de buscar em suas raízes a verdadeira
constituição da consciência humana, o problema da personalidade e resolver, de
uma vez por todas – e se for possível, o milenar debate da determinação
biológica ou formação psicossocial de características humanas (sendo o dito
egoísmo a principal delas, em nossa discussão atual).[1]
O marxismo, de modo geral, pôs-se na
vanguarda desse debate há muito tempo, denunciando as viseiras históricas
burguesas de generalizar tais características humanas histórico-culturais para
a totalidade da história humana. No empirismo ingênuo, tal operação não seria
de todo equivocada, porém a um olhar mais atento, seus limites mostram-se
evidentes. Uma simples pesquisa no registro fóssil e na paleoantropologia nos
mostra que nossa história como humanidade não é integralmente estratificada e
hierarquizada, portanto não temos uma tal natureza egoísta que invariavelmente
nos leva às desigualdades, da mesma forma que não se tem evidências
convincentes de que mecanismos biológicos nos determinam de maneira mecânica,
de tal modo que a desigualdade e o egoísmo sejam inelimináveis do convívio
humano, independentemente da formação social.[2]
Influências, críticas e relações de Vigotski com outras
teorias
Nesse sentido, Vigotski faz-se
imprescindível para travar esse debate no campo da psicologia. Lev Semionovitch
jamais fugiu da polêmica, começando em sua primeira apresentação em um
congresso de psicologia (que hoje toma-se como o marco biográfico da entrada de
Vigotski na psicologia) com um ácido artigo sobre a reflexologia e seu possível
uso como um método para a psicologia, apresentação que lhe rendeu uma indicação
e posterior convite para o Instituto de Psicologia, em Moscou, então dirigido
por Kornilov, que defendia, à época, o paradigma da reactologia como o método
materialista e marxista para a reconstrução da psicologia, fazendo-a uma
ciência marxista. Aqui já se faz claro um aspecto da construção teórica
vigotskiana: não se toma como certo ou errado nenhuma formulação até que a
mesma seja devidamente testada. Por isso mesmo, Vigotski foi até as últimas
consequências da reflexologia, levando ao limite tal metodologia e só então
convencendo-se que uma psicologia dos reflexos não era suficiente para estudar
toda a complexidade da consciência humana (que então era tratada por ele como
“reflexo de reflexos”). (VIGOTSKI, 1999)
Posteriormente, Vigotski migra para
uma metodologia muito próximo do behaviorismo estadunidense, uma “fase”
sintetizada no texto “A consciência como um problema da psicologia do
comportamento”. É possível identificar duas ideias principais neste texto, a
primeira vincula Vigotski diretamente com a escola behaviorista, considerando a
consciência como um problema da “estrutura do comportamento”, isto é, que é a
partir das manifestações externas, comportamentais, que torna-se possível uma
investigação objetiva da consciência, apenas em seus atos manifestos. E a
segunda ideia, a de que a consciência é um aspecto da atividade de trabalho
humano. Neste mesmo texto Vigotski abdica de sua “fase” anterior e reconhece os
limites da reflexologia, dizendo que o que deve ser estudado é “o
comportamento, seu mecanismo, suas partes constitutivas e sua estrutura”.
Assim, a consciência torna-se derivada do social como um modelo: o mecanismo do
comportamento social e o mecanismo da consciência são os mesmos.
Sobre a psicanálise, Vigotski toma
um distanciamento crítico, ao mesmo tempo que reconhece as contribuições de
Freud para a psicologia, admitindo ser necessária “uma extensa e profunda
análise da teoria freudiana” para confirmar que aspectos seriam contraditórios
e que aspectos seriam convergentes com o marxismo, segundo Van der Veer &
Valsiner (1996, p. 114). Ainda sobre isto, Vigotski diz que
como
Pavlov, Freud descobriu coisas demais para criar um sistema abstrato. Mas, […]
o investigador Freud criou um sistema: introduzindo uma nova palavra, fazendo
um termo concordar com o outro, descrevendo um novo fato, tirando uma nova conclusão,
em todo lugar, passo a passo, ele criou um novo sistema. Isto só significa que
a estrutura de seu sistema é profundamente original, obscura e complexa, e
muito difícil de entender… É por isso que a psicanálise requer uma análise
metodológica extremamente crítica e cuidadosa e não uma sobreposição ingênua
das características de dois sistemas diferentes. (VIGOTSKI apud VAN DER VEER
& VALSINER, 1996, p. 114)
Tal postura de Vigotski também pode
ser verificada em seu prefácio, escrito junto com Luria, ao livro “Além do
princípio do prazer”, de Freud, e no livro “Psicologia da arte”, no capítulo
quatro, intitulado “Arte e psicanálise”.
Até a construção da teoria
histórico-cultural, foram muitas as influências de outras escolas da psicologia
em Vigotski, mas talvez a mais influente tenha sido a Gestalt. Em boa parte de
seus escritos fazem-se presentes citações e mais citações dos trabalhos de
Köhler, Koffka e Lewin, não como autores a serem criticados e cujos trabalhos e
descobertas servem como base para mostrar equívocos metodológicos e teóricos na
pesquisa objetiva em psicologia, mas como sólidas fontes de insights
para a resolução de problemas da psicologia, como autores que podem até não dar
as respostas coerentes, mas que fazem as perguntas certas. O “método funcional
da estimulação dupla”, como convencionou-se chamar, por exemplo, pode ser
identificado como um desenvolvimento a partir do método de Köhler de situar o
“sujeito […] em uma condição estruturada com diferentes objetos possíveis
disponíveis para serem usados a fim de atingir uma meta, cujo acesso era
bloqueado pela estrutura física do ambiente”, assim, “o sujeito podia inventar
uma maneira de solucionar o problema, contornando ou superando o bloqueio da
meta, […] ou fazendo uso dos objetos disponíveis na dada situação para alcançar
a meta”. Porém, superando Köhler, para Vigotski
o
papel do experimentador em sua nova metodologia não era meramente chegar a um
“perfil diagnóstico” das funções psicológicas superiores e inferiores, mas
promover ativamente a transição do estado de coisas atual para o estado novo
(ainda não existente): […] o sujeito é colocado em uma situação estrutura em
que há um problema (que segue as linhas da psicologia da Gestalt) e recebe uma
orientação ativa no sentido da construção de um novo meio para chegar ao fim da
solução do problema. (VAN DER VEER & VALSINER, 1996, p. 185-7)
De modo geral, a psicologia da
Gestalt e suas influências em Vigotski poderiam ser exaustivamente discutidas
em um texto à parte, pois são várias e fundamentais no desenvolvimento
intelectual do psicólogo soviético, sobretudo para seu livro “Estudos sobre a
história do comportamento” (cf. VIGOTSKI & LURIA, 1996), escrito em parceria
com Luria, mas o importante a se destacar é que, com a mesma postura que
Vigotski assumia com todas as outras escolas, com a Gestalt sua postura foi de
assimilação crítica das formulações dos psicólogos gestaltistas alemães,
selecionando informações e descobertas que julgava importantes e apontando as
necessárias críticas às não relevantes.
A
construção da “psicologia marxista” na URSS e a posição de Vigotski
Dentro de todas essas “fases” e
influências, não se exclui o debate em torno da construção de uma psicologia
marxista que, desde a Revolução de 1917, estava sendo travado na Rússia e na
União Soviética. Evidentemente, após o triunfo da Revolução e a tomada do poder
pelos bolcheviques, construiu-se na Rússia e na União Soviética um ambiente
movimentado e fértil no campo intelectual, com um amplo reconhecimento e
estímulos para a ciência e, principalmente, a educação, que foi desde o início
uma grande preocupação do novo Estado, com vários textos sendo escritos pelos
revolucionários (o de Kollontai, por exemplo) e com suas formulações sendo
incorporadas, em maior ou menor grau, pelos novos cientistas da Rússia.
A psicologia não fugiu desse debate
e na década de 1920, principalmente a partir de 1923-24, o debate sobre a
incorporação das formulações de Marx, Engels e Lenin no campo do estudo da
psique humana e o desenvolvimento de um método objetivo para o estudo da mesma
começou a ser travado nos congressos, encontros e institutos das universidades
soviéticas. As primeiras ideias foram favoráveis a um materialismo mais
determinista e, assim, a reflexologia assumiu um papel dominante nessa primeira
fase do desenvolvimento da psicologia soviética.
Dessa forma, Vigotski se inseria
nesses debates buscando respostas de como construir a nova psicologia marxista
a partir de métodos objetivos que dessem conta de explicar os fenômenos da
psique sem reducionismos. No entanto, próximo de sua maturidade Vigotski não
mais defendeu a utilização do termo “psicologia marxista” (o texto
“Istoricheskii smysl psikhologicheskovo krizisa”/”O sentido histórico da crise
da psicologia” foi escrito entre 1925-27). A argumentação contrária à uma
“psicologia marxista” segue muitas linhas, as quais tentarei tratar nas
próximas linhas de maneira breve e sintética.
Já no final do texto, depois de
diagnosticar a crise e seus motivos, Vigotski propõe que a psicologia deve ser
integrada em uma psicologia geral, que deve ser rigorosamente estruturada em
torno de uma metodologia que dê conta dos fenômenos específicos dessa área do
conhecimento, dessa esfera da realidade (a consciência, o aspecto psíquico do
ser humano). Dessa forma, apresenta uma hipótese onde nos diz que
a
análise da crise e da estrutura da psicologia testemunha indiscutivelmente que
nenhum sistema filosófico pode dominar diretamente a psicologia como ciência
sem a ajuda da metodologia, ou seja, sem criar uma ciência geral; que a única
aplicação legítima do marxismo em psicologia seria a criação de uma psicologia
geral cujos conceitos se formulem em dependência direta da dialética geral,
porque essa psicologia nada seria além da dialética da psicologia; toda
aplicação do marxismo à psicologia por outras vias, ou a partir de outros
pressupostos, fora dessa formulação, conduzirá inevitavelmente a construções
escolásticas ou verbalistas e a dissolver a dialética em pesquisas e testes; a
raciocinar sobre as coisas baseando-se em seus traços externos, casuais e
secundários; à perda total de todo critério objetivo e a tentar negar todas as
tendências históricas no desenvolvimento da psicologia; a uma revolução
simplesmente terminológica. (VIGOTSKI, 1999, p. 392)
Isto é, o marxismo só será útil na
construção da psicologia na medida que se apreenda, de modo geral, o método
marxista e que se faça o emprego deste em respeito metodológico às legalidades
próprias dos fenômenos psicológicos, sob pena de se cair em “construções
escolásticas ou verbalistas”, e, principalmente – muita atenção neste ponto -
“a tentar negar todas as tendências históricas no desenvolvimento da
psicologia”. Portanto, o emprego da “dialética” é condição sine qua non
para uma efetiva entrada do marxismo na psicologia e a consequente resolução
dessa crise metodológica na área. Contudo, deve-se compreender o que Vigotski
quer dizer com “dialética”, e nos diz o bielorrusso:
Da
mesma maneira que a história, a sociologia necessita de uma teoria especial
intermediária, do materialismo histórico, que esclareça o valor concreto das leis abstratas do
materialismo dialético para o grupo de fenômenos de que se ocupa. E igualmente
necessária é a ainda não criada, mas inevitável, teoria do marxismo biológico e
do materialismo psicológico, como ciência intermediária, que explique a
aplicação concreta dos princípios abstratos do materialismo dialético ao grupo
de fenômenos que trabalha. A dialética abarca a natureza, o pensamento, a
história: é a ciência em geral, universal ao máximo. Essa teoria do marxismo
psicológico ou dialética da psicologia é o que eu considero psicologia geral.
(VIGOTSKI, p. 392-393)
Temos, então, que a dialética
constitui os princípios e leis mais gerais sobre a Natureza, entendida como a
totalidade da realidade, que “abarca a natureza, o pensamento, a história: a
ciência em geral, universal ao máximo”, a dinâmica própria da realidade, o
movimento em sentido amplo. No entanto, estas leis mais gerais “entram” na
concretude das áreas específicas através das “ciências intermediárias”, que dão
conta de formular no nível mais particular os “princípios abstratos do
materialismo dialético ao grupo de fenômenos que trabalha”. Assim, a dialética
é a abstração da dinâmica mais geral da realidade, que engloba o universal e os
particulares, que organizam-se nas ciências intermediárias, responsáveis pela
formulação desses conteúdos abstratos em formalizações mais particulares, que
deem conta da concretude dos fenômenos. Continua Vigotski (p. 393-395):
Para
criar essas teorias intermediárias – ou metodologias, ou ciências gerais – será
necessário desvendar a essência do grupo de fenômenos correspondentes, as leis
sobre suas variações, suas características quantitativas e qualitativas, sua
causalidade, criar as categorias e conceitos que lhes são próprios, criar seu O
capital. […] O que precisamos encontrar em nossos autores é uma teoria que
ajude a conhecer a psique, mas de modo algum a solução do problema da psique, a
fórmula que contenha e resuma a totalidade da verdade científica, [a qual] não
tinham chegado nem Marx, nem Engels, nem Plekhanov. […] O que sim pode ser
buscado previamente nos mestres do marxismo não é a solução da questão, e nem
mesmo uma hipótese de trabalho (porque estas são obtidas sobre a base da
própria ciência), mas o método de construção da hipótese. Não quero receber de
lambuja, pescando aqui e ali algumas citações, o que é a psique, o que desejo é
aprender na totalidade do método de Marx como se constrói a ciência, como
enfocar a análise da psique.
Nos fica evidente, a partir deste
trecho, que a verdade psicológica não está em Marx e Engels, mas que é possível
chegar a esta verdade a partir da “verdade metodológica” do marxismo, isto é, a
partir do método de Marx e Engels estruturar uma nova metodologia que dê conta
de analisar e compreender na sua essência os fenômenos que constituem a psique,
e não coletar excertos dos textos destes autores com a finalidade de neles
encontrar definições prontas. Aqui vale ressaltar que o método não é igual aos
fatos, portanto não há contradição alguma em Vigotski aceitar o método
marxista, ao mesmo tempo que aceita formulações da Gestalt, por exemplo.
A negação da
“psicologia marxista”
Aprofundando a ideia de que não faz
sentido falarmos em uma “psicologia marxista”, Vigotski defende que se construa
apenas a psicologia, buscando torná-la cada vez mais uma ciência,
no sentido de que ela tem sua própria história, seu desenvolvimento, e
contribuições de vários autores que não podem ser simplesmente jogadas fora, e,
portanto, o principal é buscar uma unificação metodológica da psicologia,
reconhecendo suas disciplinas “menores” (psicologia infantil, psicopatologia, psicologia
comparada, psicologia animal, etc), porque, segundo Vigotski (1999, p. 417),
“[a] tarefa não consiste em diferenciar nosso trabalho de todo o
trabalho psicológico do passado, mas em uni-lo num só conjunto sobre uma
nova base com tudo que foi estudado cientificamente pela psicologia”, e
portanto todo o desenvolvimento dessa ciência, embora ainda não esteja de fato
realizada, é importante para o resultado final. Ainda sobre isto, e citando
James, o psicólogo soviético nos chama atenção ao fato que “a psicologia terá
seus gênios e seus investigadores modestos, mas o que surgir desse trabalho
conjunto de gerações de gênios e simples mestres da ciência será, precisamente,
psicologia”. Assim, Vigotski apresenta o problema da seguinte maneira:
E
para nós a questão deve ser formulada assim: nossa ciência se tornará marxista
na medida em que se tornar verdadeira, científica; e é precisamente à sua
transformação em verdadeira, e não a coordená-la com a teoria de Marx, que nos
dedicaremos. Tanto para preservar o legítimo significado da palavra, como por
responder à essência do problema não podemos dizer “psicologia marxista”, no
sentido em que se diz: psicologia associativa, experimental, empírica,
eidética. A psicologia marxista não é uma escola entre outras, mas a única
psicologia verdadeira como ciência; outra psicologia, afora ela, não pode
existir. E, pelo contrário: tudo que já existiu de verdadeiramente
científico na psicologia faz parte da psicologia marxista: esse conceito é mais
amplo que o de escola e inclusive o de corrente. Coincide com o conceito de
psicologia científica em geral, onde quer que se estude e seja quem for que o
faça. (1999, p. 415)
E, reforçando o que já havia
formulado, a ideia de que a psicologia deve construir-se em conjunto como uma
ciência unificada e geral, continua:
É
nesse sentido que Blonski emprega o termo de “psicologia científica”. E tem
toda razão. Tudo que gostaríamos de fazer, o significado de nossa reforma,
nossa discrepância com empiristas, o caráter fundamental de nossa ciência […],
tudo isso se expressa nesse termo. Um termo que me satisfaria por completo se
não fosse desnecessário. Sendo mais exato: o significado já está claramente
evidente. Porque “psicologia” é o nome de uma ciência, e não de uma obra
de teatro ou de um filme: só pode ser científica. […] o termo “científico” não
só é aplicável ao ensaio de Blonski, como tambéme as investigações de Müller
(escola de Wurzburgo) sobre a memória e aos experimentos de Köhler (psicologia
da Gestalt) com os macacos, e à doutrina dos limiares de Weber-Fechner (da
psicofísica), e à teoria do jogo de Gross, e à doutrina do treinamento de
Thorndike (um dos primeiros do behaviorismo estadunidense), e à teoria da
associação de aristóteles, ou seja, a tudo que na história e na atualidade
pertence à ciência. (VIGOTSKI, 1999, p 415-416)
Nos fica evidente, portanto, que
Vigotski via a psicologia como uma ciência em processo de consolidação, e
considerava importantes todas as possíveis contribuições de quem quer que fosse
para esse desenvolvimento da psicologia. Todas as formulações são importantes
para uma área do conhecimento em construção, pois toda formulação pode trazer
as perguntas certas, mesmo que suas respostas sejam erradas. Vigotski (1999, p.
416) ainda se “atreveria inclusive a discutir para decidir que teorias,
hipóteses e argumentos, com certeza falsos, refutados ou duvidosos, também
podem ser científicos.”, justamente porque eles trazem, de alguma forma, alguma
novidade, uma contribuição pelo menos em formulação de hipóteses a serem
testadas, e isso fez da psicologia a ciência que é hoje, e continuará
pavimentando a estrada de seu desenvolvimento.
À título de
conclusão
Portanto, é no mínimo contraditório
e, na verdade, uma demonstração de ignorância, a postura daqueles que pod
znamenem Vygotskogo[3]
e com o uso da psicologia histórico-cultural, operam as “Kritischen kritik” no
sentido jogar na lata do lixo todas as demais escolas da psicologia, com
críticas das mais rasas e infundamentadas, dignas de quem nunca abriu sequer
uma página dos textos dos autores que pretendem criticar, mas mesmo assim
acham-se aptos a tal ofício.
Essa nunca foi a postura de
Vigotski, e não é possível encontrar nele qualquer respaldo para esse tipo de
desonestidade intelectual. Seu método de crítica sempre foi o de apresentar
exaustivamente os argumentos daqueles autores que ele se punha como contrário
(por exemplo, Piaget e sua teoria do desenvolvimento da fala egocêntrica,
exposta no livro “Pensamento e linguagem[4]),
analisando as nuances da teoria, e, no limite, as implicações que os postulados
tinham quando levados a seu máximo potencial explicativo, encontrando aí sua
chave para a crítica. A partir daí, apresentava suas próprias ideias sobre o
mesmo fenômeno, seguidos de demonstrações experimentais realizadas por ele
mesmo e seus colegas e colaboradores, contraponto estas com as anteriormente
expostas, do autor original. Feita essa exposição, partia para uma síntese
geral entre o autor criticado e suas próprias ideias, incorporando o que
julgava ser teórica e praticamente útil (pois sua preocupação com a psicologia
aplicada sempre esteve presente) e dispensando o que entendia como contraditório
com sua própria teoria. Então, como demonstrado ao longo do texto.
Assim, terminamos nossa argumentação
convencidos de que os leitores deste texto nutram simpatia pela psicologia como
uma ciência (proto)unificada ou em vias de unificação, como queria Vigotski, e
portanto tenham o mesmo apreço e distanciamento crítico empregados por Vigotski
na sua aproximação, familiarização e atuação nesse campo do conhecimento
abrangente, importante e fértil de potencial crítico. Assim como Vigotski
traçou seu caminho intelectual escorando-se nos grandes pensadores antes dele,
nós também devemos minimamente conhecê-los e ter muito cuidado nas críticas
para não jogar o bebê junto com a água da bacia.
Referências:
VAN DER VEER,
R.; VALSINER, J. Vygotsky: uma síntese.
São Paulo: Loyola, 1996.
VIGOTSKI, L. S. Teoria e método em psicologia. São
Paulo: Martins Fontes, 1999.
VYGOTSKY, L.
S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história
do comportamento: símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1996.
[3] “Sob
a bandeira de Vygotsky”, em russo. É uma referência ao jornal soviético “Pod
znamenem marksizma” (“Sob a bandeira do marxismo”), que circulava na União
Soviética promovendo o materialismo, combatendo o idealismo e as frequentes
“deturpações” que se faziam do marxismo. Seu sucessor foi o “Voprosy filosofii”
(“Problemas de filosofia”), iniciado em 1947.
[4] Traduzido
de maneira equivocada para o português, pois, no russo, o livro chama-se
“Michlenie i rech”, que traduz-se como “Pensamento e fala”. Não é nenhum
segredo para os que se aventuram nessa área do conhecimento que um abismo
monumental separa a “fala” da “linguagem”. Mas esses erros de traduções e suas
implicações são assunto para – quem sabe – outro texto.
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