Por Wesley Sousa - graduando em Filosofia pela UFSJ
O
livro de Jessé Souza, A Elite do Atraso, publicado em 2017, já é certamente um
livro muito conhecido do público brasileiro, seja pelo estilo linguístico seja
pela temática atual que se propõe.
O
autor escreve que o intuito foi de fazer uma leitura histórica da atual
conjuntura brasileira, porque para ele, antes de qualquer coisa, nossa crise é
uma “crise de ideias”. Nesta crise, temos um cenário para superação de certos paradigmas
ultrapassados – cuja sua legitimidade deve, no entanto, ser questionada.
A tese central do livro e sua relevância
Até
hoje, podemos afirmar, poucos marxistas fizeram uma critica a análise do
conflito brasileiro que Jessé Souza tentou colocar, por
isso, obviamente se torna uma coisa pertinente: porque seria uma indireta crítica
a tese de Max Weber ainda que use as direitas categorias dele, principalmente – e de forma paradoxal – a crítica a um tipo de weberianismo que só o Estado seria o corrupto a
favorecer o mecanismo de privatização e repasse de nossas riquezas nacionais à
empresas multinacionais. Dessa forma, a visão superficial de Sérgio Buarque
inviabilizaria a questão da “corrupção real” (que ocorre por fora do Estado
pela “elite econômica” a ponto de legitimá-la).
A
grande problemática enfrentada por Jessé ao longo do livro, ainda mais nas
partes iniciais, tem como alvo a abordagem culturalista de Sérgio Buarque de
Holanda em sua conhecida Raízes do Brasil.
Para Jessé (e ele está convicto disso), Buarque transforma os aspectos positivos da
sociedade brasileira defendidos por Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala ao dizer que a causa da desigualdade não
reside no apenas fator econômico, mas nas instâncias culturais. Nesse sentido,
todo o conflito de classes presentes no Brasil torna-se velado e transformado
em um conflito construído, irrealista, entre Estado Patrimonialista (em que
Jessé critica duramente Raymundo Faoro, autor do livro Os
Donos do Poder – e com razão), caracterizado pela ineficiência política,
personalismo, corrupção e o Mercado (representado, aqui pelo “avanço” trazido
pela nossa modernidade). Buarque justifica-se pela igualdade social clássica da
ideologia liberal. Assim, esta tradição de pensamento oculta a gênese da
relação histórica entre Estado e mercado e de sua interdependência estrutural,
porque o mercado é sempre divinizado.
A
crítica importante fornecida pelo autor sobre “a construção de uma elite toda
poderosa que habitaria o Estado só existe, na realidade, para que não vejamos a
elite real, que está ‘fora do Estado’”, ainda que ‘captura do Estado’ seja
fundamental para seus fins”. Aqui se tem uma crítica à leitura dominante, tipicamente weberiana, que o próprio
Sérgio Buarque corrobora e vira alvo direto de Jessé. Segundo o autor, o “homem
cordial se transforma em Roberto da Matta, o jeitinho brasileiro”. *
Nas
partes intermediárias, ele introduz a partir de Pierre Bourdieu, a questão das “violências
simbólicas cotidianas” contra as classes mais oprimidas da sociedade, nas opressões de classe. Outro
ponto importante é o direto ataque a ideia de “patrimonialismo”: ao confrontar
a tese conceitual de patrimonialismo, Jessé escreve que a ideia de Raimundo Faoro
“é demonstrar o caráter patrimonialista na sociedade brasileira. [...] o
conceito de patrimonialismo passa a ocupar o lugar que a noção de escravidão e
das lutas de classe que se formam a partir dela deveriam ocupar.”. Para Jessé, Faoro ao usar a república portuguesa colonialista nada mais fez que um
anacronismo pré-moderno na sua incorporação, uma ideia a-histórica e fora de
contexto e sustentação real.
Pontos críticos para além das aparências
Ao
que parece, a sociologia brasileira contemporânea está impregnada pelo petismo
e o liberalismo social (quando tem viés progressista, no caso de Jessé, na
segunda metade do livro especificamente), pois, como devemos de saber não se
pode ser um anticapitalista pela metade; não adianta nutrir ilusões reformadoras
inaugurada por Kautsky e elevada a enésima potência por Bobbio e Arendt (e seus asseclas à direita e à esquerda), cujo
ali estão o mais vulgar fetichismo sociológico munido de um politicismo que vê
no pragmatismo a solução imediata para os problemas da república liberal
burguesa.
Jessé
buscou, como era de se esperar, a crítica moralista ao judiciário brasileiro nas partes finais do seu livro.
Uma crítica republicana no referente às classes sociais, tipicamente
weberianas, à sua crítica acerca dos “privilégios da classe média”, para
fundamentar a ideia de uma “ascensão social dos mais pobres nos governos do PT”.
Embora seja parcial verdade, a desigualdade de renda acelerou nesse período.
Estamos longe, como sugere o autor, de fazermos uma “democratização da mídia”
para sequer termos uma TV pública – e vale lembrar que foi no governo petista
que Lula fechou mais TVs comunitárias que FHC (Lula tinha como ministro das
comunicações Hélio Costa, um aliado da família Marinho da Rede Globo).
O sociólogo acertou quando descreveu o caráter moralista da classe média, mas erra ao atacar o efeito pela causa: a tal classe média não nutre ódio só pelo PT ou pelos pobres, mas reproduz uma ideologia que sustenta a burguesia em ideias, que se dá nas relações das estratificações sociais do sistema capitalista e não por um governo, como colocou equivocadamente. Fica, contudo, a parecer uma propaganda partidária e um moralismo cristão contra o moralismo burguês. O preconceito de classe se torna, em Jessé, a defesa de um programa que não tocou nessa questão da ideologia e nem na materialidade substancial desta engrenagem capitalista.
O sociólogo acertou quando descreveu o caráter moralista da classe média, mas erra ao atacar o efeito pela causa: a tal classe média não nutre ódio só pelo PT ou pelos pobres, mas reproduz uma ideologia que sustenta a burguesia em ideias, que se dá nas relações das estratificações sociais do sistema capitalista e não por um governo, como colocou equivocadamente. Fica, contudo, a parecer uma propaganda partidária e um moralismo cristão contra o moralismo burguês. O preconceito de classe se torna, em Jessé, a defesa de um programa que não tocou nessa questão da ideologia e nem na materialidade substancial desta engrenagem capitalista.
Como
descreve o amigo Felipe Lustosa, crer não ser mais o desconhecimento acerca do
estudo axiológico do valor, mas sim mal-caratismo socialdemocrata e a frágil
tentativa de “humanização” num mundo coisificado. E é exatamente neste ponto
que entra em campo o nosso ideólogo que se posiciona à esquerda. Esse é o ponto
chave em que Jessé e outros dessa “sociologia” buscam: seu desejo íntimo é
preservar o metabolismo do capital, com “melhorias dentro de um governo” (para
ele, o petismo). Para essa sociologia, só há reprodução de ideologia: o capitalismo não é o problema central e
sim o “neoliberalismo”.
Jessé
é contra o “neoliberalismo” e não contra a subsunção formal do proletariado à
forma valor e ao sobre-trabalho; se põe contra o “neoliberalismo” e não contra a
propriedade privada dos meios de produção; é contra o “neoliberalismo” e não contra
o Estado Burguês e nem da abolição das classes sociais! (Ele cita
explicitamente o “exemplo” da Alemanha dos anos 80 como “paraíso comunista de
Marx” no qual ele viveu no seu curso superior...).
Ele
é um liberal contra os neoliberais, pois quer um “capitalismo justo”. Ao dizer nas
páginas iniciais que “o principal aqui é evitar compreender as classes de modo
superficial e economicista, como o fazem tanto o liberalismo quanto o marxismo”,
se apresentaria, na aparência, com as tintas de um marxismo ou de “crítico ao varalatismo do
culturalismo racista” quando lhe é conveniente. Seu intuito foi, certamente, uma análise da sociedade brasileira até o momento que não pode atacar seus reais problemas sistemáticos (com exceção a questão da herança racista, de fato, evidente). O pior, esse palavrório todo leva as mentes propensas às reflexões críticas ao mais do mesmo. Seria de supor, portanto, A Elite
do Atraso de Jessé ser o seu atraso intelectual?
* colaboração de Jéssica Carvalho, graduanda em Filosofia pela UFSJ.