Por Bruno Miller Theodosio - Mestrando em Economia Política pela UFRJ
Data 07 de Agosto de 2018
Publicado originalmente no blogsite Fomentando
As eleições sempre despertam meu
interesse como economista e como cidadão, pois os candidatos e partidos expõem
seus planos para a economia e quais serão as diretrizes para os quatro anos
seguintes. Não é de hoje que o tema da austeridade é o eixo central em torno do
qual se articulam as propostas dos candidatos no campo da economia.
Criou-se um
mito nos últimos anos: a economia do país funciona como a nossa casa. Em casa,
se temos gastos excessivos e, portanto, acumulamos dívidas, é necessário
diminuir os gastos para fechar as contas. A diferença entre o “pai de família”
e o país é que o provedor da casa não determina o quanto ganha (salário) nem o
preço de suas dívidas (a taxa de juros). Já o país estabelece o preço de suas
dívidas, a SELIC, que é a taxa de juros que remunera os títulos da dívida
pública e determina o ritmo da economia. Se o ambiente econômico se torna
favorável, o governo pode arrecadar mais, pois haverá mais renda, mais gastos e
um ciclo virtuoso. Portanto, a gestão econômica do Estado, a tal macroeconomia,
mostra que o governo determina não só o quanto ganha como também o custo de sua
dívida.
A luta contra
a austeridade aparece como a luta pela democracia nos dias de hoje. É através
dela que podemos retomar o protagonismo do Estado enquanto agente econômico que
permite às pessoas o acesso aos bens públicos (saúde, educação, transporte,
segurança, entre outros). A austeridade está colocada no Brasil como programa
político para os próximos 20 anos através da PEC dos Gastos (EC-95/2016). Em
resumo: as despesas não poderão crescer além do que for necessário corrigir da inflação.
O problema é que o crescimento populacional continuará exercendo sua pressão e
a demanda pelos gastos públicos aumentará; mas se os gastos não puderem
aumentar haverá, relativamente, uma redução dos gastos em relação ao que é
hoje. O futuro terá mais gente, mas não mais gastos para atender as
necessidades da população.
A luta contra
a austeridade também é a afirmação da soberania nacional. Isto porque a
austeridade vem junto com uma perspectiva de mundo que entende que o mercado é
o agente mais eficiente para organizar a sociedade e, assim, o governo não só
deve gastar menos como o também deve privatizar o que puder e deixar que o
mercado gerencie as riquezas públicas. Porém, ao transferir para as empresas
privadas a gestão de alguns ativos o governo deixa de cuidar de riquezas
naturais estratégicas para o crescimento social, como por exemplo a matriz
energética que pode passar da mão do Estado brasileiro para empresas privadas
chinesas, inglesas ou norte-americanas. Ganhar royalties pela exploração do
petróleo é diferente de explorar os campos e poder determinar diretamente a
alocação das receitas do petróleo. Outra parte do raciocínio vem da ideia de
que alguns gastos não devem estar na mão invisível do mercado. O mercado
(financeiro, pois este é seu sobrenome) funciona por mecanismos de
lucratividade e busca atividades em que possa haver lucros. Todavia, alguns
serviços não devem se subordinar aos imperativos do mercado: a melhor educação
não é a que mais dá lucro, a melhor saúde não é a mais barata. A melhor
educação é aquela que permite que o indivíduo ultrapasse suas barreiras e a
melhor saúde é aquela que atenda às carências da sociedade. É a utilidade e não
o lucro que devem mover algumas atividades.
Cuidar das
riquezas nacionais requer gastos, mas gastos que não são custos afundados, pois
revertem benefícios futuro. Isto nos impõe olhar para os gastos sociais como
investimentos. Ao gerir o investimento público o Estado garante a soberania
nacional, inclusive militar, assegura o futuro de gerações que podem vislumbrar
ascensão social porque no futuro haverá oportunidades, cuida do patrimônio
biológico brasileiro, estabelece um ambiente favorável para os negócios. É
claro que é necessário discutir a qualidade do gasto e a alocação dos recursos.
O discurso da
austeridade é colocado pelo mercado (financeiro) em vista de que se o governo
gasta menos, ele faz o que os economistas chamam de superávit primário. O que
ninguém conta é que o superávit primário, ou seja, o gasto reduzido em relação
às despesas serve para se pagar os juros da dívida pública. Os maiores
detentores dos títulos da dívida pública brasileira são os bancos, assim, o
mecanismo de geração de lucros para os bancos se retroalimenta: enquanto o
Brasil tem taxas de juros altíssimas, spreads bancários enormes, assegura
através da defesa da austeridade mais recursos para o pagamento dos juros da
dívida público, grande parte nos ativos dos bancos. É um mecanismo de
concentração de renda em prol daqueles que já a detêm.
A CAPES, uma
entidade de fomento à pesquisa, já informou em recente documento que a partir
de agosto de 2019 não haverá dinheiro para pagar os bolsistas de pós-graduação
(mestrado, doutorado e pós-doutorado), nem os programas que internacionalizam a
ciência brasileira. A ciência e, portanto, a educação são motores do
crescimento social (não só econômico), pois é através da pesquisa acadêmica que
novas respostas podem ser encontradas aos velhos problemas, sejam sociais,
médicos, biológicos, tecnológicos, astronômicos, etc. A pesquisa acadêmica é
importante, sobretudo em tempos de “terra plana” ou na crença de que vacinas
causam doenças: é preciso que o conhecimento acadêmico transborde para além dos
muros das universidades e chegue à mesa de casa, ao consultório, aos gabinetes
dos policy makers e aos estratos sociais mais baixos, evitando a disseminação
de informações falsas, caos e confusão.
Nestas
eleições somente os seguintes candidatos se posicionaram contra a PEC dos
Gastos: Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Manuela D’Avila, Lula e Marina. O que os
difere em termos de quais políticas econômicas eles seguirão é crucial para
defender esta ou aquela candidatura. Porém, é em torno destes nomes que as
atenções devem se centrar, sobretudo daqueles que achem que o mecanismo de
geração de renda para o mercado financeiro é injusto do ponto de vista social
em um país com 13 milhões de desempregados (dados de julho de 2018). O passo
seguinte é discutir o fim da reforma trabalhista e a reforma da previdência.
Enquanto não
derrotarmos o austericídio estaremos condenados como Sísifo e acorrentados como
Prometeu: um ciclo vicioso e que se retroalimenta de retrocessos sociais,
pobreza, desigualdade de oportunidades e concentração de renda e riqueza.
A Acervo Crítico sempre abre espaços para colunas de Opinião para nossos seguidores e leitores. Caso queiram contribuir, entrem em contato conosco!