Por Lucas Parreira Àlvares - mestrando em Direito pela UFMG
Há um vazio na estante dos
livros críticos. Esquecida - para não dizer ignorada - pela literatura
antropológica, pela literatura feminista, e até mesmo pela literatura marxista,
o nome Eleanor Leacock tem passado por despercebido.
Eleanor Burke Leacock nasceu
no ano de 1922 em Greenwich Village, New Jersey. Por influência de seus pais,
que participavam semanalmente de clubes de leituras, Leacock foi apresentada
ainda jovem aos textos de Marx, Engels, e outros pensadores revolucionários[1]. Sempre estudou em escolas
públicas, mas foi quando recebeu uma bolsa para a prestigiada Dalton School, que suas percepções
acerca da divisão de classes sociais se acentuaram ao notar as diferenças
evidentes de padrões entre sua família e a de seus colegas de classe do ensino
privado.
Já na graduação em
Humanidades no Radcliffe College,
Leacock foi apresentada a intelectuais que muito a influenciariam
posteriormente, como é o caso de Daryll Forde[2], e principalmente Gordon
Childe[3]. Além disso, foi na Radcliffe que ela aprofundou seus
estudos sobre o evolucionista Lewis Morgan[4], bem como nos
revolucionários Marx e Engels. Anos depois, Leacock foi transferida para o Barnard College, onde se formou em 1944.
Após se formar, Leacock quis
trabalhar com Ruth Benedict[5] em Washington no Office of War Information, comitê que
fazia oposição à disseminação dos ideais fascistas nos Estados Unidos. Porém,
foi impedida pelo FBI de se estabelecer em Washington sob acusação de praticar
ações “anti-americanas” na época do Radcliffe.
Portanto, optou por fazer sua pós-graduação na Columbia University, e defendeu em sua dissertação um trabalho
acerca dos Inuítes[6]
Montagnais-Naskapi da região de Labrador, no Canadá. Com uma abordagem
marxista, Leacock dissertou sobre as relações de produção dos Montagnais-Naskapi,
e descobriu que os recursos obtidos para sobrevivência não eram propriedade
privada, e sim, de propriedade comunal – mesmo depois de séculos de produção de
mercadorias daquela comunidade.
Foram aproximadamente 40
anos de estudos acerca das populações nativas da América do Norte, sendo
Leacock pioneira na visão de que essas sociedades só poderiam ser concebidas
através do olhar que visava às consequências do processo de colonização pelo
qual essas sociedades sofreram.
Em 1952 ela recebeu seu
título de doutorado na Columbia University.
Porém, sua condição enquanto marxista, mulher, e mãe de duas filhas, impuseram
dificuldades para que ela se inserisse nas oportunidades acadêmicas que
acabavam por serem preenchidas por seus pares. Mesmo assim, Leacock ocupou por
11 anos a cadeira de Antropologia do Brooklyn Polytechnic Institute. Foi nesse tempo que ela despertou seu interesse
pela Antropologia Urbana, investigando as políticas educacionais para
deficientes mentais. Nesse período, empregada também na
New York University no período
noturno, Leacock desenvolveu pesquisas junto ao pensamento de Lewis Morgan
através de três enfoques principais: a condição igualitária das sociedades
selvagens e bárbaras; o evolucionismo cultural; e a crítica à noção de que a
pobreza era fundamento dessas sociedades.
Como consequência do
aprofundamento de seus estudos em Morgan, Leacock foi se aperfeiçoando enquanto
feminista marxista ao se interessar pela relação entre gênero e classe nas
sociedades primitivas, e se tornou referência na temática. Leacock (1963)
tomou-se da hipótese de Morgan de que há uma associação existente entre o
desenvolvimento do patriarcado e a formação do Estado e das classes sociais.
Em 1972, Leacock se
transferiu para a City College of New
York, onde ajudou a construir o Departamento de Antropologia na
instituição, que tinha sido recentemente desvinculado à Sociologia. Permaneceu
por lá até sua morte, no ano de 1987. Segundo seu obituário[7], Leacock faleceu em
decorrência de um acidente vascular cerebral, em Honolulu, aos 64 anos,
deixando marido e quatro filhos.
Eleanor Leacock é
considerada a mais importante Antropóloga Marxista dos Estados Unidos. Suas
pesquisas relacionam o surgimento da opressão de gênero em consonância com o
surgimento das classes sociais, através de processos ligados à produção de
mercadorias, formação das instituições do Estado, o colonialismo, ou modelos de
desenvolvimento. Não obstante, uma das singularidades de Leacock é o fato de
que sempre prezou por uma linguagem mais acessível em seus trabalhos, pois
rejeitava o que ela considerava enquanto “elitismo da prosa acadêmica” (GAILEY,
1988, p.219) – tão presente nas ciências humanas e sociais de seu tempo.
Dentre suas principais obras, estão: The Montagnais "Hunting Territory" and the
Fur Trade (1954);
Teaching and Learning in City Schools: a Comparative Study (1969);
Politics and History in Band Societies (1982, em coautoria com Richard Lee[8]);
Myths of male dominance: collected articles on women cross-culturally (1981).
Além de suas
obras, Leacock foi reconhecida pelas suas edições e introdução a importantes
obras etnológicas, como Ancient Society (edição de 1963), de Morgan.
Referências
Bibliográficas
ALTEN,
Kristin. Biographies: Eleanor Burke Leacock. 1998. Disponível
em: <http://www.indiana.edu/~wanthro/theory_pages/Leacock.htm>. Acesso
em: 26 abr. 2016.
TNYT. Obituary: Eleanor Leacock, 64, A Professor of
Anthropology. The New
York Times. New
Yorke, p. 11-12. 7 mar. 1987.
ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Expressão Popular, 3Ed., 2012, 302p.
GAILEY, Christine
Ward. Eleanor Leacock. In: Women
Anthropologist: a biographical dictionary. New York: Greeenswood Press,
1988.
LEACOCK, Eleanor
Burke. Introduction. In: MORGAN, Lewis Henry. Ancient Society. New York: Meridian Books, 1963.
__________, Eleanor Burke. Introdução à
Edição Estadunidense. In: ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo:
Expressão Popular, 3Ed., 2012, p.227-302.
[1] As informações biográficas de
Eleanor Leacock aqui apresentadas possuem como referência a biografia
disponibilizada pela Indiana University
Bloomington. Link para acesso: http://goo.gl/uTwZ9t
[2] Cyril Daryll Forde (1902-1973)
foi um importante antropólogo britânico, tendo desenvolvido atividades junto a
Radcliffe-Brown, Evans-Pritchard, e Meyer Fortes.
[3] Vere Gordon Childe (1892-1957) é
o mais renomado arqueólogo marxista, até então. É mundialmente conhecido por
ter sido responsável por cunhar o termo “Revolução Neolítica”, tão importante
para os estudos sobre a pré-história.
[4] Lewis Henry Morgan (1818-1881) é
considerado o principal antropólogo da corrente evolucionista. Do seu livro Ancient Society, de 1877, Karl Marx
(1988) fez alguns comentários e extraiu diversos fragmentos, organização que
parecia ter como fim a formulação de uma obra. Porém, com a morte de Marx em
1883, coube a Engels, baseado tanto nas anotações de Marx quanto no livro de
Morgan, desenvolver a obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do
Estado”, datada de 1884.
[5] Ruth Benedict (1887-1948) foi
uma das principais antropólogas americanas do século XX.
[8] Richard Borshay Lee (1937 -) é
um renomado antropólogo canadense.
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