A Ghost Story e o bloco do eu sozinho


ele é o mudo, o solitário” - Walter Benjamin
A Ghost Story (2017). Rooney Mara interpreta 'M' em foco, 'C' Casey Affleck logo atrás. 

Por Fernando Pereira - estudante de Filosofia pela PUC-MG.



A Ghost Story (2017), até pelo título nos remete a tentativa do comum, é só mais uma história diante de tantas outras. Alguns críticos dizem que a obra tem muito o que falar, diversas camadas, um filme circular e por aí vai, porém o que não me deixou passar foi a técnica que a obra utiliza, o fluxo de consciência, podemos ver isso em vários filmes em maior ou menor grau, algumas obras do Wong Kar Wai, Charlie Kaufman, claro, é uma técnica que veio da literatura que segundo Reginaldo Oliveira Silva * marca um passo mais radical do romance segundo Lukács; “Se, de início, o romance destina-se ao burguês na sua solidão, a sua continuidade parece consistir num isolamento ainda mais radical, em que figura a consciência apartada do real.” Essa é chave para compreensão de A Ghost Story, é uma obra que tenta passar que o mundo externo pouco importa, o que importa é o eu, ele comanda e expurga o externo, enclausurando em sua própria consciência.

A obra se passa em torno de um casal, ‘C’ (Casey Affleck) e ‘M’ (Rooney Mara), após algumas cenas, ‘C’ sofre um acidente que o leva a morte, se transforma num fantasma, e não se contenta, ele não quer ir para o além que lhe é oferecido num portal. Então retorna para a mesma casa que morava junto a ‘M’, ali presencia sua ex-esposa ao cotidiano, pelo luto, por suas dores por sentir falta do companheiro, até ‘M’ decidir deixar a casa, esquecer o passado, deixar o luto passar.

A aventura de ‘C’ é notável, após se tornar um fantasma ele não tem mais a percepção de tempo como os mortais, já que ele não tem mais sua forma física, sua percepção obedece esse princípio. Nesse contexto o filme força ao fluxo de consciência, trazendo o mundo conforme o ponto de vista de ‘C’ e reforçando o radicalismo do romance como Reginaldo O. Silva defende: solidão e enclausura, pois o mundo externo é essencialmente opressivo. Pra tanto que no filme isso se torna mais claro quando há um monólogo, em resumo; tudo o que acontece no universo é por mero acaso, de nada importará sua obra, o mundo e as coisas que existem acabarão de alguma forma. Poderia usar a fórmula de Žižek para esse filme de um otimismo no pessimismo, mas não caberia, pois aqui ao contrário do filme Melancolia (2011), não há saída desse mundo, a não ser quando sua jornada eremita desvenda qual seu sentido na terra, no filme não há tal sentido, é a busca por reconhecimento do eu apenas, o mundo já não importa mais.

O que podemos tirar desse filme é o sintoma da nossa sociedade, por mais que tentemos esforçar a sermos reconhecidos como indivíduos, enclausuramos nisso, o mundo é um grande algoz, por isso refugiar no eu. [spoiler] O que nos revela isso no filme é quando o ‘C’ consegue finalmente ler o bilhete deixado pela ex-esposa, o começo do filme desvenda o final, vamos as falas;

“ ‘M’ (Rooney Mara) - Quando era criança, nós nos mudávamos muito e eu escrevia esses bilhetes, e os dobrava bem pequenininhos. Então os escondia em lugares diferentes, para que, se um dia voltasse, houvesse uma parte de mim esperando.
(...)
‘C’ (Casey Affleck) - O que estava escrito?

M’ - Eram apenas velhas rimas e poemas. Coisas das quais queria me lembrar morando naquela casa ou O QUE EU GOSTAVA NELA.”

‘M’ lembrou ou não de ‘C’ no bilhete, não importa, o que importa é que ela mencionou ‘C’ no bilhete, assim sua jornada completou, assim ‘C’ deixou sua existência fantasmagórica, pois era o que ‘C’ gostaria, de ser mencionado, retornar algo para que lembrasse que de fato tinha existido. Só assim o tempo cessaria e pararia de fazer um looping eterno. Termino numa citação que resume bem a condição que a obra traz e que o personagem é refém:

“Na eternidade, onde o tempo não existe, nada pode crescer, nada pode se transformar. Nada muda. Então a morte criou o tempo para desenvolver as coisas que poderia matar. E vocês renasceram, mas na mesma vida em que sempre nasceram.” - Rust Cohle em True Detective (2014). 

Nota:
Da epopéia burguesa ao fluxo da consciência: a escrita literária em tempos difíceis. >>> Em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/article/viewFile/1360/1030

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