O problema democrático em Schumpeter

1853 - 1950


Por Cleber Andrade - graduando em Filosofia pela UFSJ


            A democracia para ser legitima deve ter seu alicerce em três pilares, a saber; a disputa entre lideranças opostas, segundo o poder do soberano deve fundar-se através do voto popular e por último mais não menos importante o representante não pode atentar contra a vida do representado quando este último exerce seu direito à liberdade de expressão, bem como protestar e ser oposição ao governo. Porém um problema maior assombra os teóricos da democracia, a saber a eficácia da representação. Pois após a eleição os representados não tem nenhuma participação efetiva nas decisões dos governantes, em última análise existe uma representação de interesses de grupos mais não de indivíduos, além do que a decisão sempre é tomada segundo a vontade do eleito não necessariamente levando em conta a vontade dos seus eleitores. Este texto tem como proposito debater sobre a problemática da representação, sobretudo sua ineficácia tendo como base o texto do economista Schumpeter: capitalismo, democracia e socialismo. 

DEFINIÇÃO MÍNIMA DE DEMOCRACIA

        Etimologicamente falando a luz da linguagem grega democracia é a junção de duas palavras Demos, povo e Kratos, domínio poder, sendo assim demokratia, em latim democratia, pode ser entendida como poder do povo ou governo do povo. Isto porque a democracia surgiu na polís grega como oposição aos regimes aristocratas e oligárquicos, onde o poder era fundado a base do uso da força ou em teorias teológicas, a saber: o rei era o representante de deus na terra. A democracia surge neste contexto na Grécia para acabar com estes regimes citados e colocar o poder nas mãos do povo que de forma direta exercia sua cidadania. Deste modo o poder era fundado no discurso racional (O logos) dos cidadãos, embora ainda poucos fossem considerados cidadãos da polís. Com o passar do tempo após as revoluções francesas e inglesas a democracia passou a funcionar de forma representativa e é aqui que respalda as críticas modernas, a saber a representação.

        Em outras palavras pode-se dizer que a democracia do século XVIII é um sistema de regras que visa tomar decisões políticas, publicas, que vão de encontro ao bem comum ou da vontade do povo. Sempre levando em conta que é o próprio povo quem elege os governantes.

A filosofia da democracia do século XVIII pode ser expressa da seguinte maneira: o método democrático é o arranjo institucional para se chegar a certas decisões políticas que realizam o bem comum, cabendo ao próprio povo decidir, através da eleição de indivíduos que se reúnem para cumprir-lhe a vontade (Schumpeter. Capitalismo socialismo e democracia).

O BEM COMUM

        A representação, o bem comum e o poder do povo são termos normalmente associados ao regime democrático, porém na realidade o que vemos é uma representação muito limitada, está se resume a participação dos eleitores a eleição; a função mesmo de escolher quem os representa. Além disto uma impossibilidade de se atingir o bem comum, isto porque dentro de um Estado existem diversos grupos sociais com seus valores próprios e em cada um deles encontramos uma definição de bem comum, que muitas vezes entra em colapso com valores de outrem, sendo praticamente impossível agradar a todos ao mesmo tempo. Essa multiplicidade de valores parece não ser levada em conta por teóricos da ciência como, por exemplo a corrente: utilitarista. O utilitarismo tem como premissa o cálculo de consequência: as decisões devem ser tomadas levando em conta que aquela ação deve atingir o bem para o maior número possível de pessoas dentro de um grupo social.

Não há, para começar, um bem comum inequivocamente determinado que o povo aceite ou que possa aceitar por força de argumentação racional. Não se deve isso primariamente ao fato de (307) que as pessoas podem desejar outras coisas que não o bem comum, mas pela razão muito mais fundamental de que, para diferentes indivíduos e grupos, o bem comum provavelmente significará coisas muito diversas. Esse fato, ignorado pelo utilitarista devido à sua estreiteza de ponto-de-vista sobre o mundo dos valores humanos, provocará dificuldades sobre as questões de princípio, que não podem ser reconciliadas por argumentação racional. Isto porque os valores supremos — nosso conceito sobre o que devem ser a vida e a sociedade — situam-se além dos domínios da lógica. Em alguns casos, é possível encontrar terreno comum entre eles, mas não em todos (Schumpeter. Capitalismo socialismo e democracia).

        O bem comum como fundamento democrático se mostra impossível uma vez que tal bem não existe. Isto porque dentro de um Estado temos diversos grupos cada qual com seus valores e definições próprias sobre que é o viver bem e sobre o que é bem comum. E nem sempre as crenças que levam a esses valores são lógicas, por exemplo a religiosa. Sendo assim não é possível fazer da forma que pretende o utilitarista pois não há como aproximar através do discursão racional esses valores para a finalidade de se chegar a um bem comum aceito por todos os grupos, pois há muita divergência entre eles.

Vontade Geral

Muitos filósofos e cientistas políticos apontam para a vontade geral como fator essencial de uma democracia, sobretudo o contratualistas Rousseau foi um dos primeiros a apontar para esta direção. Além disso para Rousseau os integrantes do pacto social deveriam se alienar completamente ao Estado e colocar seus direitos e suas poses sobre a vontade geral. Pois assim todos teriam as mesmas condições e se tornariam um único corpo político, moral e coletivo. Uma assembleia composta por todos os votantes onde se expressaria a vontade geral, além disto por todos terem a mesma alienação nenhum cidadão se sobreporia sobre o outro.

Se separarmos então, do pacto social, o que não é de sua essência, percebemos que ele se reduz aos seguintes termos; “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo.
Imediatamente, esse ato de associação produz, em lugar de pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos da assembleia, e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade (WEFFORT, p. 220).

            A grosso modo vontade geral é entendida por Rousseau como; a soma dos interesses comuns, e não se confunde com vontade de todos que seria a soma da vontade dos particulares.

Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta se prende somente ao interesse comum: a outra, ao interesse privado e não passa de uma soma das vontades particulares. Quando se retiram, porém, dessas mesmas vontades, os excessos e as faltas que nela se destroem mutuamente, resta como soma das diferenças, a vontade geral. ““WEFFORT, p. 228).

            Porém, a vontade geral pode ser entendida de outras perspectivais como a utilitarista; esta doutrina pressupõem que este conceito é um bem determinado e compreendido por todos. Entretanto a não ser que assumíssemos a existência de ideias inatas o ideal de um bem entendido por todos da mesma maneira é uma ilusão.

            Ademais os utilitaristas retiram da vontade individual a vontade do povo, ou seja a partir de uma discussão racional intuem a vontade do povo a partir das vontades particulares. Para fazer isto é preciso unificar as vontades particulares e fundi-las através da discussão racional. Por fim os utilitarista conferem a vontade do povo um status de dignidade ética, critério comum as democracia clássica.

Mas, em terceiro, em consequência das duas proposições anteriores, desvanece-se no ar o conceito da vontade do povo ou da volontê gênêrale, adotado pelos utilitaristas, pois esse conceito pressupõe um bem inequivocamente determinado e compreendido por todos (Schumpeter. Capitalismo socialismo e democracia).

             Porém é interessante notar que se não existir um bem comum, um norte, que guia essa vontade geral a mesma deixa de existir. Uma vez que não se comprova a existência do bem comum; pois como vimos acima existem grupos que possuem valores diversos e mesmo opostos, assim sendo se torna impossível creditar existência a vontade geral ou vontade do povo.  

Eles inegavelmente inspiraram-se, para a vontade do povo, na vontade individual. E a menos que haja um centro, o bem comum, para o qual se dirijam, a longo prazo pelo menos, todas as vontades individuais, de maneira alguma encontraremos esse tipo especial de voíontê générale. O centro de gravidade utilitarista, por um lado, unifica as vontades individuais e procura fundi-las por meio da discussão racional e transformá-las na vontade do povo e, por outro, confere à última a exclusiva dignidade ética reclamada pelo credo democrático clássico (Schumpeter. Capitalismo socialismo e democracia).

        Tanto Rousseau quanto os utilitaristas apontam para um tipo de vontade universal que é impossível de encontrar ou aplicar na realidade. Sobretudo porque os Estados modernos cada vez maiores em extensão e em população são plurais. Isto é comportam inúmeros grupos sociais com valores e crenças diversas que não necessariamente apontam para a mesma direção de “bem comum” ou concordam quanto a “vontade geral”. Como vimos, segundo Schumpeter, a própria existência da vontade geral se torna problemática uma vez que não se prova o bem comum.

Lideranças opostas: o poder fundado pelo voto popular

            Uma característica importante quando se fala em forma democrática é a disputa entre lideranças opostas, uma real disputa de poder. Não há como se falar em democracia quando apenas uma liderança “disputa” o poder, pois neste caso nem há de fato disputa pois, segundo o dicionário online de português *, disputa significa:  Discussão; confronto verbal em que os envolvidos, de modo argumentativo, defendem suas opiniões, ou ainda Concorrência; competição por algo que é desejado por outra pessoa. Disputa e ação em que os adversários se enfrentam corpo a corpo. Embora esta última não se adeque ao ponto em questão.

 Além disto estas lideranças não podem chegar ao poder por votação fechada, como ocorria no período da ditadura militar do Brasil, onde os próprios militares escolhiam o “presidente” do país. Esse tipo de votação fechada não se adequa aos moldes democráticos pois deixa nas mãos de um pequeno grupo a decisão de toda uma nação que é composta obviamente por diversos grupos sendo que cada um deles tem seus próprios valores e opiniões. E é obvio que essa variação de valores levam a escolhas diferentes para representantes políticos. Deste modo a escolha, o poder de decisão, deve ser abrangente e não registro. Somente o poder fundado pelo voto popular pode legitimar uma liderança democrática, qualquer tipo fora disto cai em autoritarismo oligarquia ou ditadura.
 
No intuito de simplificar o caso, limitaremos esse tipo de concorrência, que definirá a democracia, a concorrência livre pelo voto livre. Essa ação justifica-se pelo fato de que a democracia parece implicar um método reconhecido, através do qual desenrola a luta competitiva, e que o método eleitoral é praticamente o único exequível, qualquer que seja o tamanho da comunidade. Mas embora excluindo muitas maneiras de se obter a liderança, que devem ser eliminadas, tal como a concorrência por insurreição militar, não ignora casos que são extremamente semelhantes aos fenômenos econômicos, aos quais chamamos aqui de concorrência desleal, fraudulenta ou limitação da concorrência (Schumpeter. Capitalismo socialismo e democracia).

Problema da representação

        A representação é o ponto alto da democracia, pois, toda a eleição entre lideranças opostas é para escolher os representantes que através do poder que lhes foi concedido irão deliberar sobre questões de saúde, segurança, educação, e questões de interesse nacional e internacional. Em teoria esse representantes devem fazer valer a vontade dos seus eleitores, suas ações devem ir de encontro aos valores de seus representados. Junto a disputa de lideranças oposta a representação é o que diferente a democracia de regimes não democráticos.

        Porém muitos problemas giram em torno da representação. Primeiro porque esta é excludente, ou seja, a representação pela maioria exclui a minoria que também fazem parte do povo.  Segundo porque como vimos no mundo fenomênico não temos nem uma vontade geral nem um bem comum a ser representados, esses dois pontos historicamente são associados a representação.  Em terceiro porque o povo não tem real poder de interferência nas decisões dos governantes, isto porque quando os representantes chegam ao poder agem de acordo a sua própria vontade sem levar em conta o desejo de seus eleitores até porque se o fizesse ficaria impossível governar, visto que até mesmo dentro do grupo de seus eleitores as vontades podem variar, tornando impossível a tomada de decisão.

O princípio da democracia, então, significa apenas que as rédeas do governo devem ser entregues aqueles que contam com maior apoio do que outros indivíduos ou grupos concorrentes. E esta definição, por seu turno, parece assegurar a situação do sistema majoritário dentro da lógica do método democrático, embora possamos ainda condená-la por motivos alheios a lógica (Schumpeter. Capitalismo socialismo e democracia).

            Em última análise baseado no texto de Schumpeter o modelo democrático se reduz a dois pontos. Primeiro, a participação do povo as eleições, o poder de decidir a quem irão obedecer, isto pois como foi mostrado no texto não temos no mundo fenomênico   como provar a existência do bem comum e da vontade geral, ou mesmo fazer valer uma representação individual, de modo que o representado chega ao poder através da vontade de grupos (da maioria se preferir). Além disto a vontade é algo vertical ou seja parte do eleito para os eleitores, isso não exclui a vontade do povo, mas a torna uma vontade artificial.  E em segundo lugar o modelo democrático tem como premissa a disputa entre lideranças opostas.

Em terceiro, além disto, na medida em que há realmente vontades coletivas autenticas (por exemplo, a vontade dos desempregados de receber pensão por desemprego e a vontade de grupos de ajudar), nossa teoria não as negligencia. Pelo contrário, podemos agora coloca-las de maneira exata no papel que realmente desempenham. De maneira geral, essas vontades não se afirmam diretamente. Mesmo que fortes e definidas, elas permanecem latentes, muitas vezes durantes décadas, até que são ressuscitadas por algum líder que as transforma em fatores políticos. Isso ele consegue, ou melhor, seus auxiliares conseguem ao organizar essas vontades, ao estimula-las e ao incluir finalmente incentivos apropriados no seu programa de ação (Schumpeter, capitalismo democracia e socialismo).

            Levando as últimas consequências a representação, para Schumpeter, não é algo que faz valer a vontade geral ou bem comum uma vez que eles não existem, porém é o ponto crucial que difere democracia de regimes não democráticos. Pois a representação significa que os eleitores escolheram, a partir de uma disputa de lideranças opostas, aqueles que estão a cargo de tomar as decisões públicas. O governante representa a vontade de grupos, foi escolhido por elas, além do que é este governante que faz valer essas vontades as transformando em fatos políticos. O papel do eleitor no sistema democrático se reduz ao voto. E o papel do representante é gerir a máquina pública sem tomar decisões que vão contra os direitos humanos, ou que vá contra as regras do jogo democrático; se mantendo no poder pelo uso da força, por exemplo.


Referências:

Schumpeter, Joseph: Capitalismo socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.

Weffort, Francisco. Os clássicos da política. 15 edição. São Paulo. Editora ática, 2008.

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Wesley Sousa

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