Forças Armadas, Bolsonaro e a República: democracia do coturno?




Por Icaro Batista - graduando em História pela UNEB

O Brasil há muito já vivenciava uma crise econômica e sociopolítica, mas com a chegada da pandemia pelo vírus do Covid-19, esse colapso encontrou-se mais acelerado entre as frações da burguesia brasileira. Este fato fez com que as disputas institucionais se tornassem mais latentes no país. Ademais, sabemos que no governo de Bolsonaro, as Forças Armadas compõem uma força política incomparável com a de outros governantes ao longo da história da Nova República no Brasil. Isto posto, cabe refletir o impacto da crise dentro dessa instituição que historicamente mantém um número crescente de intervenções militares na política do país e, por conseguinte, é o aparelho institucional mais importante do Estado Burguês, já que tem juridicamente a seu favor o monopólio da força. 

As eleições de 2018 trouxeram inúmeras surpresas para o cenário sociopolítico brasileiro, entre elas, a chegada de um militar reformado, Jair Bolsonaro. A sua chegada ao Palácio do Planalto sinalizou para o Brasil a volta das Forças Armadas ao cenário político do País. Bolsonaro é o terceiro presidente do Brasil, eleito pelo voto direto, que veio das Forças Armadas. O primeiro foi Hermes da Fonseca, em 1910, e logo depois, Eurico Gaspar Dutra, em 1946. Além disso, podemos citar o segundo governo de Getúlio Vargas, em 1950, que alternou o apoio entre militares “nacionalistas” e “entreguistas”. De todo modo, guardando as devidas particularidades históricas, Bolsonaro tem mais militares no seu governo do que o ditador Humberto Alencar Castelo Branco.

Em vista disso, faz-se necessário pensar atualmente a relação entre Forças Armadas e a política em tempos de Covid-19 no Brasil. Na noite do dia 24 de março de 2019, o presidente da República, Jair Bolsonaro, realizou um pronunciamento pedindo o retorno das atividades de todos os brasileiros, pois, segundo o mesmo, a pandemia se tratava apenas de uma “gripezinha” (sic) que assolava o país. Além disso, criticou governadores e prefeitos por estabelecer a política de quarentena em seus respectivos Estados e municípios[1].

Cabe mencionar que no dia 23 de março, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) enviou um relatório para o gabinete da Presidência da República e, consequentemente, para o Gabinete de Segurança Institucional comandado pelo General Augusto Heleno. O conteúdo retratado era somente um: Covid-19. Agentes da ABIN, por meio de estudos epidemiológicos, sinalizaram às autoridades responsáveis que, com ausência de uma política de quarentena no país, teríamos em média 15 mil mortes no Brasil, em até 15 dias. Isso nos mostra que a saúde pública do país está próxima de colapsar e a própria ABIN fez uma estatística “da morte”, se era possível continuar ou não com o país funcionando normalmente, e reforçou os estudos internacionais sobre as projeções do Brasil caso nada seja feito. O resultado, como já sabemos, foi ignorado por Bolsonaro.

Contudo, na mesma noite do dia 24, uma hora e meia antes do Presidente da República realizar o seu discurso cujo conteúdo ideológico estava implícito salvar o mercado financeiro, os grandes empresários e negar evidências científicas em torno do Covid-19; Leal Pujol, comandante do Exército Brasileiro, gravou um vídeo para sua tropa, classificando que o combate ante ao vírus será a “missão mais importante de nossa geração”[2]. Na quarta-feira, 25 de março, o vice-presidente Hamilton Mourão, realizou uma coletiva de imprensa a nível nacional (rádio e televisão), nos dizendo que a postura do governo "é uma só: isolamento e distanciamento social".[3]

Cabe aqui uma lembrança que, antes da descoberta do primeiro infectado pelo Coronavírus no país, um parcela dos eleitores e simpatizantes têm se mobilizado para que no dia 31 de março (dia em que aconteceu o golpe militar em 1964) seja realizada uma passeata em frente aos quarteis militares tendo como pedido a intervenção militar no Brasil.

Dessa forma, não só o pronunciamento de Leal Pujol horas antes do de Bolsonaro, assim como o de Hamilton Mourão um dia após à catastrófica fala do Presidente da República, evidencia a o acirramento das forças políticas internas do governo, em específico dos militares que hoje ocupam, ao menos, 45 cargos entre ministérios e assessorias. Dito isso, é de se pensar: qual é a real intenção dos oficiais das Forças Armadas frente a este cenário de crises? Constantemente a mídia tradicional pinta grande parte do oficialato das casernas, sobretudo do Exército Brasileiro – Eduardo Villas Bôas - como legalistas e garantidores da democracia no Brasil. É de se lembrar que o próprio Bolsonaro também defendeu isso.[4]

Contudo, sabemos que o próprio Villas Bôas foi um agente catalisador para concretizar a prisão política do ex-presidente Lula no dia 7 de abril de 2018. Sabemos que às vésperas do julgamento do Habeas Corpus de Lula, o General escreveu em sua rede social (Twitter) que o Exército “está atento às suas missões institucionais”.[5]

À vista disso, desde o fim da ditadura militar, as Forças Armadas não tinham um protagonismo político tão grande como agora. Em que pese na história do Brasil, desde a independência do país até a criação da constituição cidadã de 1988, as Forças Armadas tiveram um papel político atribuído em cinco das sete constituições (não aparecendo somente nas constituições imperial de 1824 e do Estado Novo de 1937). A título de exemplo, o artigo 142 da Constituição de 1988 nos diz,

 As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.[6]

Assim sendo, as Forças Armadas constituem o núcleo central para manter a lei e a ordem funcionando no Brasil. Dizendo isso por outras palavras: as Forças Armadas estabelecem um poder de tutela acerca da República Brasileira. Não à toa, após o início do surto de Covid-19 no Brasil, o alto escalão do Exército Brasileiro, Marinha e Aeronáutica têm se reunido com representantes do governo e formulado cenários hipotéticos para uma futura renúncia do presidente ou quiçá um impeachment.

Com a condensação da crise econômica, política e de saúde pública no país, causada pela transmissão comunitária do vírus, Bolsonaro tem se isolado cada vez mais entre diversos setores da política no Brasil e no mundo. Não podemos nos esquecer que, numa recente reunião entre ele e os governadores do Sudeste, houve um bate-boca, com o governador do Estado de São Paulo, João Dória. Segundo Bolsonaro, o governador do Estado de São Paulo estava atrapalhando o Brasil de decolar e que ele deveria sair do “palanque” (sic). Por outro lado, Dória diz se sentir consternado com o pronunciamento do Presidente e diz que Bolsonaro, por assumir tal cargo, “tinha que dar o exemplo” (sic)[7].

Dessa forma, com o isolacionismo político de Bolsonaro neste cenário conturbado, devemos ficar atentos aos seus próximos passos. Uma vez que, com a perda constante de apoio entre o seu eleitorado, a pressão ininterrupta de governadores que outrora estavam ao seu lado durante as eleições de 2018 e, por conseguinte, ao longo do jogo político, estabelece um sinal de alerta vermelho para Bolsonaro: A continuação do seu projeto de governo bárbaro e genocida poderá levar a uma ruptura com uma parcela majoritária das Forças Armadas, sobretudo do oficialato. Tal questão fica visível na postura do General Leal Pujol em vídeos e documentos escritos para a tropa e do Vice-Presidente Hamilton Mourão procurando atenuar o discurso proferido por Bolsonaro.

Por fim, gosto de lembrar de uma célebre frase escrita por Karl Marx, quando este analisava o golpe de Estado encabeçado por Napoleão III: “A história se repete, primeiro como tragédia e a segunda como farsa.” Em vista disso, não devemos pensar que uma possível chegada dos militares ao poder no tempo presente, será similar a 1964: com a utilização do “Braço Forte”. Possivelmente será através da utilização das vias legais, já que a outorgada na Constituição Federal de 1988 lhe dá total autonomia jurídico-político para tal.  À vista disso, embarcar nas alucinações de um presidente que ignora constantemente a própria base aliada, inclusive militares, talvez não seja o caminho que as Forças Armadas queiram percorrer neste momento. Uma vez que a sua imagem, até os dias de hoje, é manchada pelos atos terríveis realizados entre 1964-1985 pela instituição armada. Contudo, em meio a este cenário nacional turbulento, não se pode descartar qualquer hipótese futura de uma intervenção militar e da expulsão de Bolsonaro do poder. Isto estabeleceria um perigo maior, posto que a falta de uma oposição organizada e minimamente combativa, coloca novamente, a burguesia e seus asseclas a frente do poder mais uma vez.

Wesley Sousa

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