Por Sidnei Barboza - graduando em Filosofia pela UFRJ
Após
uma longa e frutífera (ao menos pra mim) discussão com amigos sobre a questão
do planejamento econômico, pretendo ainda desenvolver melhor, quando tiver
tempo, sobre a questão da necessidade de um desenvolvimento não-capitalista na
transição a um novo modo de produção e pretendo escrever um artigo quando tiver
tempo de ler mais e fazer uma pesquisa mais aprofundada.
Mas a
princípio, penso que um dos pontos fundamentais é só o papel do Estado na
fundação da nova sociabilidade comunista. A visão clássica faz referência ao
"Estado proletário" como sendo o operador político da transformação
econômica da sociedade.
Essa
visão parece muito fundamentada numa intuição forte que o nível de complexidade
da cadeia produtiva global hoje é grande demais para que não exista algum tipo
de diretriz central que coordene a capacidade produtiva em torno de certos
objetivos.
Entretanto,
precisamos responder uma pergunta:
1 - O
conceito de Estado, ao menos na definição de Marx e de outros marxistas, diz
respeito a uma dada forma de organização de indivíduos com objetivo de subjugar
um outro grupo. Então ele é um agente apropriado para a tarefa da coordenação
das forças produtivas. Mas será ele o único agente capaz de levar a cabo essa
tarefa? Pois sem dúvidas o Estado foi um excelente agente na tarefa de levar a
cabo o desenvolvimento das forças produtivas. Mas há uma ressalva a ser feita:
o Estado surge como um elemento de mediação entre indivíduos, como organizador
da produção num contexto de escassez. E suas metamorfoses corresponderam também
a mudanças profundas nas relações de produção. Mas algo se manteve constante: o
Estado sempre administrou a escassez, mas, o que acontece quando o Estado tem
de produzir ou administrar a abundância?
Andrew
Kliman, no seu artigo “not by politics alone” (“não pela política apenas”),
critica, contundentemente, os projetos de transformação socialista que levam em
conta apenas aspectos políticos, que ele designa como processos deliberativos
propriamente ditos. Ignorando a polêmica sobre o significado da “política”,
Kliman parece fazer uma observação pessimista acerca de diversos problemas que
se colocam na questão da transformação, entendendo que muitas questões acerca
da gestão de recursos, para que uma sociedade seja viável, não devem passar por
ser processos deliberativos.
O
ponto de Kliman é muito razoável. É razoável supor que qualquer sociedade de
produção em larga escala, ainda mais de abundância, deve ter um grau muito
elevado de automatismo nas suas funcionalidades produtivas e distributivas.
Entretanto,
se por lado concordo que tem de haver elevado grau de automatismo, não decorre
daí que os processos deliberativos não tomam um papel fundamental na
organização da produção. Até porque esses aspectos automáticos da produção
capitalista também são, eles mesmos, frutos das decisões de indivíduos, o
problema é que eles são frutos de decisões de indivíduos particulares motivadas
por leis gerais da acumulação capitalista.
Se
colocarmos isso de uma perspectiva informacional, é como se os agentes centrais
emitissem diretrizes para instâncias periféricas, mas onde o contrário não é
verdadeiro. Claro, existem minúcias aqui. Se formos pegar o Estado como uma
instância central de decisão, existe um nó conectando essa instância às
instâncias periféricas (eleições, por exemplo), mas essa ligação é pobre demais
para haver qualquer influência decisiva nas diretrizes gerais dessa instância
central.
E essa
parece ser a própria natureza do Estado, uma instância monocrática de decisão,
e, por isso, não há um candidato mais intuitivo para uma mobilização
centralmente planejada da produção e distribuição.
O problema, entretanto, é justificar que essa instância monocrática é a única capaz de levar a cabo a instauração de diretrizes centrais. O projeto comunista, novamente do ponto de vista informacional, é que o planejamento central seja feito a partir das instâncias periféricas de decisão, e não contra elas.
O
ponto então se torna como fazer isso viável, e aí entra um elemento
indispensável para o sucesso, em meu entendimento, do projeto comunista: a
maioria da humanidade precisa entender e concordar com os meios e fins dessa
sociedade. Porque se vamos falar de instâncias de decisão central não-estatais,
precisamos ter algum nível de comprometimento voluntário da maioria dos
indivíduos com a sociedade que se está tentando construir. Se isso (dentre
outras coisas que discorrei mais num futuro artigo) não for impossível, então
não é impossível também um desenvolvimento e transição de formas não-capitalistas
sem o Estado.
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