As limitações do marginalismo

Alguns economistas da "teoria marginalista": Jevons, Menger e Walras

Thorstein Veblen


Fonte: Journal of Political Economy, vol. 17, no. 9, novembro de 1909, pp. 620-636.


As limitações da teoria da utilidade marginal são nítidas e características. Ela é, do começo ao fim, uma doutrina do valor e, em termos de forma e método, é uma teoria da valoração. O sistema como um todo, portanto, se situa no interior do campo teórico da distribuição e não tem senão um impacto secundário em qualquer outro fenômeno econômico além da distribuição – tomando este termo no sentido aceito de distribuição pecuniária, ou distribuição em termos de apropriação. Ocasionalmente se faz uma tentativa de estender o uso do princípio da utilidade marginal além deste limite, de modo a aplicá-lo a questões de produção, mas sem efeito sensível até agora – e isso necessariamente. A mais engenhosa e promissora dessas tentativas foi a do Sr. Clark, cujo trabalho marca o limite extremo do esforço e do grau de sucesso na busca de converter um postulado da distribuição em uma explicação para a teoria da produção. Mas o resultado foi uma doutrina da produção de valores, e valor, no sistema do Sr. Clark como em outros sistemas utilitaristas, é uma questão de valoração; o que empurra toda a empreitada de volta para o campo da distribuição. Similarmente, em relação às tentativas de fazer uso deste princípio em uma análise do fenômeno do consumo, os melhores resultados obtidos foram algumas formulações da distribuição pecuniária dos bens de consumo.Dentro deste espaço limitado, a teoria da utilidade marginal tem um caráter inteiramente estático. Não oferece uma teoria do movimento de coisa nenhuma, ocupando-se com o ajustamento dos valores a uma dada situação. Não se precisa de uma ilustração mais convincente disso do que a oferecida, mais uma vez, pelo trabalho do Sr. Clark, o qual não foi superado em seriedade, dedicação e percepção. Porque ao usar o termo “dinâmica”, nem o Sr. Clark nem qualquer dos seus associados nessa linha de pesquisa contribuíram ainda para alguma coisa apreciável na teoria da gênese, desenvolvimento, sequência, mudança, processo ou coisas desse tipo, da vida econômica. Eles têm algo a dizer quanto ao impacto que mudanças econômicas dadas, aceitas como premissas, podem ter sobre a valoração econômica e, dessa forma, sobre a distribuição; mas quanto às causas da mudança ou ao desdobramento sequencial dos fenômenos da vida econômica, eles não disseram nada até agora; e nem podem fazê-lo, uma vez que sua teoria não é obtida em termos causais, mas em termos de teleologia.

Em tudo isso a escola da utilidade marginal está de acordo com a economia clássica do século dezenove, sendo a diferença entre as duas que a primeira está confinada a limites mais estreitos e prende-se de modo mais consistente a suas premissas teleológicas. Ambas são teleológicas e nenhuma das duas pode consistentemente admitir argumentos de causa e efeito na formulação dos principais pontos de suas teorias. Nenhuma das duas consegue lidar teoricamente com os fenômenos da mudança, senão, quando muito, apenas com o ajustamento racional à mudança que pode ser suposta como ocorrida.Para o cientista moderno, os fenômenos de evolução e da mudança são os mais inquietantes e importantes fatos observáveis na vida econômica. Para uma compreensão da vida econômica moderna, o avanço tecnológico dos últimos dois séculos – e.g., a evolução das atividades industriais – é de importância primordial; mas a teoria da utilidade marginal não tem implicações neste assunto, nem este assunto importa para a teoria da utilidade marginal. Como um meio para a compreensão teórica deste movimento tecnológico do passado ou do presente, ou mesmo como um meio para sua exposição formal, técnica, como um elemento da situação econômica atual, essa doutrina e todos os seus trabalhos são completamente inúteis. O mesmo é verdadeiro para a sequência de mudanças que estão ocorrendo nas relações pecuniárias da vida moderna. O postulado hedonista e suas proposições nem serviram nem podem servir a uma investigação sobre esses fenômenos evolutivos, ainda que todo o corpo da economia da utilidade marginal esteja dentro dos limites destes fenômenos pecuniários. Nada tem a dizer sobre a evolução dos usos e expedientes dos negócios ou sobre as mudanças concomitantes nos princípios de conduta que governam as relações pecuniárias entre os homens, as quais condicionam e são condicionadas por estas relações alteradas da vida empresarial ou as sancionam.

É característico desta escola que, se qualquer elemento da estrutura cultural, uma instituição ou qualquer fenômeno institucional, estiver envolvido nos fatos com os quais a teoria se ocupa, tal fato institucional é tomado como certo, negado ou dado por explicado. Se é a questão do preço, oferece-se uma explicação da maneira como as trocas ocorrem, de tal forma a deixar a moeda e o preço fora da explicação. Se é a questão do crédito, os efeitos da extensão do crédito sobre o movimento dos negócios são deixados de lado e faz-se uma explanação sobre como o tomador e o emprestador cooperam para facilitar suas respectivas correntes de rendimentos em bens consumíveis ou sensações de consumo.

O fracasso desta escola a este respeito é consistente e amplo. Contudo, estes economistas não são destituídos nem de inteligência nem de informação. Eles são dotados, de fato e em geral, com uma ampla série de informações e um controle exato da matéria, bem como de um interesse muito atento pelos acontecimentos; e, à parte seus pronunciamentos, os membros desta escola habitualmente professam as visões mais sãs e inteligentes a respeito de questões práticas correntes, mesmo quando estas questões tocam em temas de desenvolvimento e decadência institucional.

A debilidade desse esquema teórico está em seus postulados, os quais confinam a investigação às generalizações de ordem teleológica ou “dedutiva”. Estes postulados, junto com o ponto de vista e o método lógico que se lhes seguem, são partilhados pela escola da utilidade marginal com outros economistas da linha clássica – pois esta escola não é senão um ramo ou um derivado dos economistas clássicos ingleses do século dezenove. A diferença entre esta escola e os economistas clássicos em geral está principalmente no fato de que na economia da utilidade marginal os postulados que lhes são comuns têm adeptos mais consistentes ao mesmo tempo em que são mais claramente definidos e suas limitações são percebidas mais adequadamente. Tanto a escola clássica em geral quanto sua variante especializada, a escola da utilidade marginal, tomam como seu ponto de partida comum a psicologia tradicional dos hedonistas do princípio do século dezenove, que é aceita como uma coisa óbvia ou de saber comum e é mantida de forma totalmente acrítica. O fundamento central e bem definido que é mantido dessa forma é o cálculo hedonista. Sob a orientação desse fundamento central e de outras concepções psicológicas associadas e consoantes com ele, a conduta humana é concebida e interpretada como uma resposta racional às exigências da situação na qual os homens se encontram. Em relação à conduta econômica, ela é uma resposta racional e sem defeitos aos estímulos de prazeres e dores antecipados – sendo, normal e principalmente, respostas induzidas pelo prazer antecipado, pois os hedonistas do século dezenove e da escola da utilidade marginal são de temperamento otimista. A raça humana é (concebida como) previdente e clarividente em suas avaliações dos ganhos e perdas sensoriais futuros, embora possa haver alguma diferença (não apreciável) entre os homens a esse respeito. As atividades dos homens diferem (não apreciavelmente), portanto, quanto à agilidade de resposta e à precisão do ajustamento do custo de uma dor cansativa ao ganho sensorial futuro a ser percebido. Mas, em geral, nenhuma outra base ou linha de orientação de conduta além desse cálculo racionalista é adequadamente reconhecida pelos hedonistas econômicos. Essa teoria pode levar em consideração a conduta apenas na medida em que seja conduta racional, guiada pela escolha deliberada e exaustivamente inteligente – a adaptação judiciosa aos requisitos da escolha principal [função objetivo].

As circunstâncias externas que condicionam a conduta são variáveis, é claro, e dessa forma elas têm um efeito variável sobre a conduta; mas esta variação é, de fato, concebida de modo a variar apenas quanto ao grau de pressão à qual o agente humano está sujeito pelo contato com tais circunstâncias externas. Os elementos culturais envolvidos nesse esquema teórico, elementos a respeito da natureza das instituições, das relações humanas governadas por usos e costumes de qualquer tipo ou conexão, não estão sujeitos à investigação, mas são tomados como dados, como preexistentes em sua forma final e típica, e configurando uma situação econômica normal e definida, sob a qual e em termos da qual o intercâmbio humano necessariamente se realiza. Esta situação cultural compõe-se de uns poucos artigos amplos e simples do mobiliário institucional, junto com suas implicações lógicas ou corolários; mas não inclui quaisquer consequências ou efeitos causados por esses elementos institucionais. Os elementos culturais assim tacitamente postulados como condições imutáveis precedentes à vida econômica são a propriedade e o livre contrato, bem como outros aspectos do esquema teórico do direito natural que estão implícitos em seu exercício. Estes produtos culturais são concebidos, para os propósitos da teoria, como dados a priori em sua força plena. Eles são parte da natureza das coisas, de modo que não há necessidade de explicá-los nem de investigá-los quanto a como vieram a ser tais quais são, ou a respeito de como e por que mudaram e continuam mudando, ou que efeito tudo isso pode ter sobre as relações entre homens que vivem por e sob esta situação cultural.

Evidentemente a aceitação dessas premissas imutáveis, tacitamente, posto que de modo acrítico e como uma obviedade, pela economia hedonista, dá à ciência um caráter distintivo e contrasta-a com outras ciências, cujas premissas são de outro tipo. Como já indicado, as premissas em questão, no que são peculiares à economia hedonista, são (a) uma dada situação institucional, cujo aspecto substantivo é o direito natural à propriedade e (b) o cálculo hedonista. O caráter distintivo dado a este sistema teórico por tais postulados e pelo ponto de vista que resulta de sua aceitação pode ser sumariado ampla e concisamente dizendo que a teoria se restringe ao terreno da razão suficiente, ao invés de operar no terreno da causa eficiente. O contrário é verdadeiro na ciência moderna em geral (exceto na matemática), particularmente nas ciências relacionadas aos fenômenos da vida e do desenvolvimento. A diferença pode parecer trivial. É séria apenas em suas consequências. Os dois métodos de inferência – a partir da razão suficiente e a partir da causa eficiente – estão desconectados um do outro e não há transição de um para o outro; não há métodos para converter os procedimentos e resultados de um nos de outro. A consequência imediata é que a teoria econômica resultante tem um caráter teleológico – “dedutivo” ou “a priori” como se costuma chamá-la – ao invés de ser obtida em termos de causa e efeito. A relação que a teoria busca entre os fatos com os quais se ocupa é o controle exercido pelos eventos futuros (percebidos) sobre a conduta presente. Os fenômenos correntes são tratados como condicionados pelas consequências futuras; e na teoria da utilidade marginal estrita eles podem ser tratados apenas no que se refere a seu controle do presente levando-se em consideração o futuro. Tal relação (lógica) de controle ou orientação entre o futuro e o presente envolve é claro um exercício de inteligência, um esforço de pensamento, e portanto um agente inteligente através de cuja presciência discriminadora o futuro percebido possa afetar o curso dos eventos presentes; a menos, de fato, que se fosse admitir alguma coisa na forma de elementos providenciais, a relação de razão suficiente opera na forma de discriminação interessada, a presciência de um agente que pensa sobre o futuro e orienta sua atividade presente com vistas a esse futuro. A relação de razão suficiente vai apenas do futuro (percebido) para o presente e é de caráter e força unicamente intelectuais, subjetivos, pessoais e teleológicos; enquanto a relação de causa e efeito corre apenas no sentido contrário e é de caráter e força unicamente objetivos, interpessoais e materialistas. O esquema de conhecimento moderno, em seu todo, se apoia, em sua base definitiva, sobre a relação de causa e efeito, sendo a relação de razão suficiente admitida apenas provisoriamente e como um elemento aproximativo na análise, sempre com a reserva inequívoca de que a análise deverá vir a ser baseada em termos de causa e efeito. Os méritos desse espírito científico não dizem respeito, é claro, ao presente argumento.

Ora, ocorre que a relação de razão suficiente entra de modo muito substantivo na conduta humana. É este elemento de presciência discriminadora que distingue a conduta humana do comportamento irracional. E uma vez que o objeto de investigação do economista é a conduta humana, esta relação ocupa uma grande parcela de sua atenção em qualquer formulação teórica de fenômenos econômicos, seja hedonista ou não. Mas enquanto a ciência moderna em geral fez da relação causal a única base definitiva de formulação teórica, e enquanto as outras ciências que lidam com a vida humana admitem a relação de razão suficiente como uma base aproximativa, suplementar ou intermediária, subsidiária e subserviente ao argumento de causa e efeito, a economia teve o infortúnio – do ponto de vista científico – de deixar que a primeira suplantasse o último. É verdade, claro, que a conduta humana é distinta de outros fenômenos naturais pela faculdade humana de pensar, e qualquer ciência que lide com a conduta humana deve encarar o fato patente de que os detalhes dessa conduta consequentemente são expressos na forma teleológica; mas é uma peculiaridade da economia hedonista que, por força de seus postulados, sua atenção restringe-se apenas a estas implicações teleológicas da conduta. Ela lida com a conduta apenas na medida em que esta possa ser concebida em termos racionalistas teleológicos de cálculo e escolha. Mas ao mesmo tempo não é menos verdade que a conduta humana, seja econômica ou não, está sujeita a sequências de causa e efeito, por força de elementos tais como hábitos e requerimentos convencionais. Mas fatos deste tipo – que para a ciência moderna são de maior interesse que os detalhes teleológicos da conduta – estão necessariamente fora do foco de atenção do economista hedonista, pois não podem ser concebidos em termos de razão suficiente, que seus postulados exigem, nem ser encaixados em um esquema de doutrinas teleológicas.

Não se trata, portanto, de um apelo para impugnar essas premissas da economia utilidade marginal em seu campo. Elas se recomendam, à primeira vista, a todas as pessoas sérias e não criticáveis. Elas são princípios de ação que subjazem o corrente esquema de negócios da vida econômica e, como tais, como guias práticos de conduta, não devem ser questionadas sem um questionamento da lei e da ordem existente. Como uma coisa natural, os homens ordenam suas vidas por estes princípios e, em termos práticos, não colocam em questão sua estabilidade e finalidade. É isso que se quer dizer quando chamamos esses princípios de instituições; eles são hábitos estabelecidos de pensamento comum à generalidade dos homens. Mas seria mera falta de acuidade se qualquer estudioso da civilização daí admitisse que essa ou qualquer outra instituição humana tem a estabilidade que lhe é correntemente imputada, ou que elas são, dessa forma, intrínsecas à natureza das coisas. A aceitação pelos economistas desse e de outros elementos institucionais como dados e imutáveis limita sua investigação de forma particular e decisiva. Ela obstrui a investigação no ponto onde começa o interesse científico moderno. As instituições em questão são sem dúvida boas para os seus propósitos como instituições, mas não são boas como premissas de uma investigação sobre a natureza, origem, desenvolvimento e efeitos dessas instituições e as mutações pelas quais passam e acarretam ao esquema de vida da comunidade.

Para o cientista moderno interessado em fenômenos econômicos, a cadeia de causa e efeito na qual qualquer fase dada da cultura humana está envolvida, como também as mudanças operadas na estrutura da própria conduta humana pelas atividades habituais da raça humana, são questões de interesse mais absorvente e permanente que o método de inferência pelo qual se presume que um indivíduo invariavelmente equilibra prazer e dor sob condições dadas, supostas como normais e invariáveis. As primeiras são questões a respeito da história de vida da raça ou da comunidade, questões de desenvolvimento cultural e do destino de gerações; enquanto o último é uma questão de casuística individual em face de uma dada situação que pode ocorrer no curso deste desenvolvimento cultural. As primeiras têm a ver com a continuidade e as mutações do esquema de conduta pelo qual a raça humana lida com seus meios materiais de vida; o último, se é concebido em termos hedonistas, diz respeito a um episódio fortuito na experiência sensorial de um membro individual dessa comunidade.

Na medida em que a ciência moderna investiga os fenômenos da vida, seja ela inanimada, irracional ou humana, ela se ocupa com questões de gênese e mudança cumulativa e converge para a formulação teórica na forma de história de vida obtida em termos causais. Na medida em que ela é uma ciência no sentido atual do termo, qualquer ciência, incluindo a economia, que tenha a ver com a conduta humana, torna-se uma investigação genética sobre o esquema da vida humana. E onde, como em economia, o objeto de investigação é a conduta do homem em suas atividades com os meios materiais de vida, a ciência é necessariamente uma investigação sobre a história de vida da civilização material, num plano mais ou menos amplo ou restrito. Não que a investigação do economista isole a civilização material de todas as outras fases e comportamentos da cultura humana, para estudar os movimentos do “homem econômico” concebido abstratamente. Pelo contrário: nenhuma investigação teórica sobre essa civilização material em suas relações causais, vale dizer, genéticas, com as outras fases e comportamentos do complexo cultural [ocorre] sem estudá-la a respeito de como ela é gerada por outras linhas de desenvolvimento cultural e como operam seus efeitos sobre estas outras linhas. Mas, na medida em que a pesquisa é ciência econômica especificamente, a atenção convergirá para o esquema da vida material e considerará as outras fases da civilização apenas em sua relação com o esquema da civilização material.

Como todas as formas de cultura humana, essa civilização material é um esquema de instituições – estrutura institucional e desenvolvimento institucional. Mas as instituições são um resultado do hábito. O desenvolvimento da cultura é uma sequência cumulativa de habituação e suas formas e meios são as respostas habituais da natureza humana a exigências que variam de forma incontinente e cumulativa, mas com algo de consistente na sequência de variações cumulativas que ocorrem – de forma incontinente, porque cada novo movimento cria uma nova situação que induz a mais uma variação na maneira habitual de resposta; de forma cumulativa, porque cada nova situação é uma variação do que aconteceu antes dela e incorpora como fatores causais tudo o que foi afetado pelo que aconteceu antes; e de forma consistente, pois os traços subjacentes da natureza humana (propensões, aptidões e coisas desse tipo) por força dos quais ocorre a resposta, e com base nos quais a habituação é efetuada, permanecem substancialmente inalterados.

Evidentemente que uma investigação econômica que se ocupa exclusivamente com os movimentos dessa natureza humana elementar e consistente sob condições dadas e estáveis – como é o caso com a atual economia hedonista – só pode chegar a resultados estatísticos, uma vez que ela faz abstração daqueles elementos que dão origem a algo mais que um resultado estatístico. Por outro lado, uma teoria adequada da conduta econômica, mesmo para propósitos estatísticos, não pode ser formulada em termos do indivíduo simplesmente – como é o caso com a economia da utilidade marginal – porque ela não pode ser formulada em termos dos traços subjacentes da natureza humana simplesmente, pois a resposta que vai formar a conduta humana ocorre sob normas institucionais e apenas sob estímulos que têm implicação institucional. Porque a situação que provoca e inibe a ação em cada caso dado é, ela própria, em grande parte uma derivação institucional, cultural. Assim, também, os fenômenos da vida humana ocorrem apenas como fenômenos da vida de um grupo ou de uma comunidade; apenas sob os estímulos devidos ao contato com o grupo e apenas sob o controle (habitual) exercido pelos cânones de conduta impostos pelo esquema de vida do grupo. A conduta do indivíduo é não apenas protegida e dirigida por suas relações habituais com os outros membros do grupo, como também estas relações, tendo um caráter institucional, variam quando o esquema institucional varia. As necessidades e desejos, os fins e objetivos, as formas e meios, a amplitude e as flutuações da conduta do indivíduo são funções de uma variável institucional de caráter altamente complexo e completamente instável.

O desenvolvimento e as mutações da estrutura institucional são o resultado da conduta dos membros individuais do grupo, uma vez que é a partir das experiências dos indivíduos, mediante a habituação dos indivíduos, que surgem as instituições. E é nesta mesma experiência que tais instituições agem para dirigir e definir os objetivos e fins da conduta. É sobre os indivíduos, obviamente, que os sistemas de instituições impõem os padrões convencionais, os ideais, os cânones da conduta que formam o esquema de vida da comunidade. A investigação científica neste campo deve, portanto, lidar com a conduta individual e seus resultados teóricos em termos da conduta individual. Mas uma investigação desse tipo pode servir aos propósitos de uma teoria genética apenas se na medida em que tal conduta individual é vista nos aspectos que contam para a habituação e, por isso, para a mudança (ou estabilidade) da estrutura institucional, de um lado; e nos aspectos em que [a conduta] é estimulada e guiada pelas concepções e ideais institucionais recebidas, por outro lado. Os postulados da utilidade marginal, e as preconcepções hedonistas mais geralmente, falham neste ponto porque confinam sua atenção àquelas implicações da conduta econômica que são concebidas para não serem condicionadas pelos padrões e ideais habituais, nem terem implicações na forma de habituação. Eles negligenciam ou abstraem a sequência causal da propensão e da habituação na vida econômica e excluem da investigação teórica todo interesse pelos fatos do desenvolvimento cultural, de modo a olhar para os aspectos da questão que são concebidos para serem ociosos a esse respeito. Todos os fatos relativos à força e ao desenvolvimento institucional são colocados de lado, considerados inadequados para a teoria. Quando tais fatos são levados em consideração, se é que o são, é como uma reflexão tardia, como uma aceitação mais ou menos vaga e geral dos distúrbios (sem consequências) devidos à fraqueza humana ocasional. Certos fenômenos institucionais são, é verdade, incluídos entre as premissas dos hedonistas, como foi notado acima; mas o são como postulados a priori. Assim, a instituição da propriedade é colocada na investigação não como um fator de desenvolvimento ou como um elemento sujeito à mudança, mas como um dos primordiais e imutáveis fatos da ordem da natureza, subjacente ao cálculo hedonista. O direito de posse, a propriedade, é presumido como a base da avaliação hedonista e concebida como dada em seu escopo e força acabados (no século dezenove).

Não se pensa num concebível desenvolvimento dessa instituição definitiva do século dezenove a partir de um passado mais rude, nem em qualquer mudança cumulativa no escopo e na força da propriedade no presente ou no futuro. Não é concebível que a presença deste elemento institucional nas relações econômicas entre os homens de algum modo afete ou encubra o cálculo hedonista, nem que as concepções e padrões pecuniários [dos homens] de alguma forma padronizem, singularizem, atenuem ou desviem o calculador hedonista da busca direta e desimpedida do ganho sensorial líquido. Embora a instituição da propriedade esteja incluída desta forma ente os postulados da teoria, e presuma-se que ela esteja sempre presente na situação econômica, não se permite que ela tenha força para moldar a conduta econômica, a qual é concebida para seguir seu curso rumo ao resultado hedonista como se não interviesse nenhum fator institucional entre o impulso e sua realização. Presume-se que a instituição da propriedade, junto com toda a série de concepções pecuniárias que lhe é subordinada e com ela se aglomera, não dá origem a nenhum cânone habitual ou convencional de conduta ou padrão de valoração, nem a fins, ideais e aspirações adjacentes. Todas as noções pecuniárias que surgem da propriedade são tratadas simplesmente como expedientes do cálculo que media o custo-sofrimento e o prazer ganho da escolha hedonista, sem retardos, vazamentos ou fricções; elas são concebidas simplesmente como noções imutavelmente corretas e dadas por Deus do cálculo hedonista.

A situação econômica moderna é uma situação empresarial, na qual a atividade econômica de todos os tipos é controlada por considerações empresariais. As exigências da vida moderna são comumente exigências pecuniárias. Isto quer dizer que elas são exigências do direito de posse da propriedade. Tanto a eficiência produtiva quanto o ganho distributivo são avaliados em termos de preço. As considerações empresariais são considerações de preços e as exigências pecuniárias de quaisquer tipos nas comunidades modernas são exigências de preços. A situação econômica atual é um sistema de preços. As instituições econômicas no moderno esquema de vida civilizado são instituições (dominantes) do sistema de preços. A contabilidade à qual todos os fenômenos da vida moderna são passíveis é uma contabilidade em termos de preço; e pelas convenções atuais não há outro sistema organizado de contabilidade, nenhuma outra avaliação, de direito ou de fato, à qual os fatos da vida moderna possam se tornar passíveis. De fato, a força e a difusão desse hábito (instituição) de contabilidade pecuniária se tornaram tão grandes que ele se estende, em geral como uma coisa óbvia, a muitos fatos que não têm propriamente nem implicação nem magnitudes pecuniárias, como por exemplo, obras de arte, ciência, atividades acadêmicas e religião. De forma mais ou menos livre e plena, o sistema de preços domina o senso comum atual, em suas apreciações a avaliações destas ramificações não-pecuniárias da cultura moderna; e isso a despeito do fato de que, com uma reflexão mais detida, todos os homens de inteligência normal admitirão prontamente que estas questões estão fora do escopo da valoração pecuniária.

O gosto popular atual, bem como o senso popular de mérito e demérito são notoriamente afetados, em algum grau, por considerações pecuniárias. É uma questão de notoriedade comum, que não precisa ser negada nem explicada, que os testes e padrões pecuniários (“mercadológicos”) são habitualmente usados fora dos interesses propriamente mercantis. Pedras preciosas – mesmo os economistas hedonistas o admitem – são mais estimadas do que o seriam se fossem mais abundantes e baratas. Uma pessoa rica é tratada com mais consideração e goza de uma maior medida de boa reputação do que teria a mesma pessoa, com a mesma configuração de mente e corpo, e com o mesmo histórico de bons e maus feitos, se fosse mais pobre. Pode ser que a atual “mercantilização” do gosto e da apreciação tenha sido exagerada pelas críticas superficiais e ligeiras da vida contemporânea, mas não se pode negar que há uma parcela de verdade na alegação. Qualquer substância, maior ou menor, que esta alegação possa ter, deve-se ao transporte, para outras áreas de interesse, das concepções habituais induzidas por lidar e pensar em questões pecuniárias. Estas concepções “mercantis” de mérito e demérito são derivadas da experiência empresarial.

Os testes e padrões pecuniários que são aplicados fora das relações e transações empresariais não são redutíveis aos termos sensoriais de prazer e dor. De fato, pode ser verdade, como comumente se acredita, que a contemplação da superioridade pecuniária de um vizinho rico causa sensações de dor mais do que de prazer como seu resultado imediato; mas é igualmente verdade que este vizinho rico é, em geral, mais altamente considerado e melhor tratado do que outro vizinho, que difere do anterior apenas por ser menos invejável em termos de riqueza. É a instituição da propriedade que dá origem a essas bases habituais de discriminação e, nos tempos modernos, em que a riqueza é contada em termos de moeda, é em termos de valor monetário que os testes e padrões de excelência pecuniários são aplicados. Pode-se admitir isso. Instituições pecuniárias induzem hábitos de pensamento pecuniários que afetam a discriminação dos homens em questões que estão fora do âmbito pecuniário; mas a interpretação hedonista alega que tais hábitos de pensamento pecuniários não afetam a discriminação dos homens em questões pecuniárias. Embora o esquema institucional do sistema de preços visivelmente domine o pensamento da comunidade moderna em questões que estão fora do interesse econômico, os economistas hedonistas insistem, de fato, que não se deve atribuir qualquer efeito a esse esquema institucional [justamente] naquela série de atividades à qual deve sua gênese, desenvolvimento e persistência. Os fenômenos empresariais, que são peculiar e uniformemente fenômenos de preço, são reduzidos, no esquema da teoria hedonista, a termos hedonistas não-pecuniários e a formulação teórica é feita como se as concepções pecuniárias não tivessem força no [próprio] âmbito em que se originam. Admite-se que preocupações com interesses mercantis tenham “mercantilizado” o resto da vida moderna, mas a “mercantilização” do mercado não é admitida. Transações empresariais e cálculos em termos pecuniários, tais como empréstimos, descontos e capitalizações são traduzidas em termos de utilidade hedonista, e vice-versa, sem hesitação ou constrangimento.

Pode ser desnecessário objetar a essa conversão de termos pecuniários para sensoriais, para os propósitos teóricos em que ela é habitualmente feita; contudo, se fosse necessário, não seria excessivamente difícil mostrar que toda a base hedonista desta conversão é uma concepção psicológica errônea. Mas é às mais remotas consequências teóricas desta conversão que a objeção deve ser feita. Quando ela é feita, abstrai-se precisamente os elementos empresariais que têm força institucional e que, portanto, se prestariam à investigação científica do tipo moderno – os elementos institucionais cuja análise poderia contribuir para a compreensão dos negócios modernos e da vida da comunidade de negócios moderna, em contraste com o suposto cálculo hedonista primordial.

Este ponto talvez possa ser esclarecido. A moeda e o recurso habitual à sua utilização são concebidos simplesmente como a forma e os meios pelos quais os bens de consumo são adquiridos, portanto simplesmente como um método conveniente pelo qual obter as sensações prazerosas de consumo; estas últimas são, na teoria hedonista, o único e ostensivo fim de todo o empenho econômico. Os valores monetários não têm, portanto, nenhuma significância que não seja a de poder de compra sobre os bens de consumo, e a moeda é simplesmente um expediente de cômputo. Investimento, concessão de crédito, empréstimos de todos os tipos e graus, com pagamento de juros e tudo o mais são, da mesma forma, entendidos simplesmente como passos intermediários entre as sensações prazerosas de consumo e os esforços induzidos pela antecipação dessas sensações, sendo totalmente negligenciadas todas as outras implicações da questão. Estabelecido o equilíbrio em termos de consumo hedonista, não surge qualquer distúrbio neste âmbito pecuniário enquanto os termos extremos dessa equação hedonista ampliada – dor-custo e prazer-ganho – não são alterados, o que está entre os extremos é considerado mera notação algébrica empregada por conveniência de cálculo. Mas este não é o curso dos fatos nos negócios modernos. Variações na capitalização ocorrem, por exemplo, sem que se possa atribuir claramente a elas variações equivalentes quer no estado das artes industriais, quer nas sensações de consumo. Concessões de crédito tendem à inflação de crédito, ao aumento dos preços, a um aumento da produção nos mercados, etc. igualmente sem qualquer visível ou seguramente atribuível correlação com o estado das artes industriais ou com os prazeres do consumo; quer dizer, sem uma base visível naqueles elementos materiais aos quais a teoria hedonista reduz todos os fenômenos econômicos. Logo, o curso dos fatos deve, dessa forma, ser descartado da formulação teórica.

A compra de bens finais de consumo, sob premissas hedonistas, não é habitualmente contemplada como um objetivo empresarial. Os homens de negócio habitualmente aspiram a acumular riqueza em excesso aos limites do consumo praticável e não se tenciona converter a riqueza acumulada dessa forma, numa transação final de compra, em bens de consumo ou sensações de consumo. Fatos de senso comum como esses, junto com uma interminável rede de detalhes empresariais de caráter pecuniário, não induzem ao questionamento, na teoria hedonista, de como estes objetivos, ideais, aspirações e padrões convencionais puderam ganhar força ou como eles afetam o esquema de vida em atividades fora desse âmbito; e não induzem porque estas questões não podem ser respondidas nos termos que os economistas hedonistas contentam-se em utilizar ou, de fato, que suas premissas lhes permitem utilizar. A questão que surge é como dar conta desses fatos; como neutralizá-los teoricamente de modo que eles não tenham que aparecer na teoria, tal que esta possa então ser formulada indiretamente e sem ambiguidade em termos de cálculo hedonista racional. Isto se faz considerando-os aberrações devidas a descuidos ou lapsos de memória dos homens de negócio, ou a alguma falha de lógica ou de discernimento. Ou eles são concebidos e interpretados nos termos racionalistas do cálculo hedonista por recurso a um uso ambíguo de conceitos hedonistas. Dessa forma, toda a “economia monetária” com toda sua maquinaria de crédito e tudo o mais desaparece num emaranhado de metáforas para reaparecer teoricamente expurgada, esterilizada e simplificada em um “sofisticado sistema de escambo”, culminando num máximo agregado líquido de sensações prazerosas de consumo.

Mas, uma vez que a rede da vida empresarial consiste apenas num âmbito não-hedonista e não-racionalista; uma vez que é este convencionalismo peculiar de objetivos e padrões que diferencia a vida da comunidade de negócios moderna de qualquer fase concebivelmente anterior ou mais rude da vida econômica; uma vez que é nesta rede de intercurso pecuniário e concepções, ideais, expedientes e aspirações pecuniárias que as circunstâncias da vida empresarial surgem e seguem seu curso de ventura e devastação; uma vez que é aqui que ocorrem as mudanças institucionais que distinguem uma fase ou era da vida da comunidade de negócios de qualquer outra; uma vez que o desenvolvimento e a mudança destes elementos habituais e convencionais moldam o desenvolvimento e o caráter de qualquer era ou comunidade de negócios – qualquer teoria da vida empresarial que coloque estes elementos de lado ou os dê por explicados ignora os principais fatos que se propõe a explicar. Sendo a vida e suas circunstâncias e instituições dessa complexidade, ainda que muito deste estado de coisas possa ser simplificado, uma concepção teórica desta vida deve ser formulada nos termos em que os fenômenos ocorrem. Não se trata simplesmente de que a interpretação hedonista dos fenômenos econômicos modernos seja inadequada ou enganosa; se os fenômenos são submetidos à interpretação hedonista, na análise teórica eles desaparecem da teoria. E se eles afetam a interpretação de fato, eles desaparecem de fato. Se todas as relações e princípios de intercurso pecuniário estivessem de fato sujeitas a esta revisão perpetuamente racionalizada e calculadora, de modo que cada item dos costumes, da apreciação e do procedimento tivesse que ter aprovação de novo em bases hedonistas de conveniência sensorial para todos os envolvidos a cada vez [em que ocorressem], não seria concebível que a estrutura institucional durasse uma noite.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem