What is Beauty? by Cecilia Mou, 2021 Image © Cecilia Mou 2021. |
Por
Peter Benson, professor de Filosofia (U.K).
Publicado
originalmente no site Philosophy
Now.
Tradução
e nota introdutória por Wesley Sousa
Nota introdutória
A
questão “o que é a arte?” não é algo antigo na filosofia. No contexto do
“conceito de arte”, a questão da autonomia dela, enunciada pelo idealismo
alemão no final do século XVIII e sustentada em múltiplas formulações pelo
pensamento do romantismo – ligado aos conceitos de gênio, finalidade
sem fim, desinteresse, contemplação –, sofre transformações e
questionamentos no final do século XIX.
Cabe-nos
refletir as relações fundamentais da construção artística em sociedade e de
como ela se autonomiza diante das outras esferas (política, ética, direito,
etc.): ela um campo próprio de criação e conhecimento do homem e do mundo.
Pensando a arte – do ponto de vista da estética filosófica –, enquanto doutrina
no sistema de pensamento em que Hegel (1770-1831) sistematizou, o esteta alemão
em suas preleções de sobre Filosofia da Arte, expõe que tínhamos uma arte diretamente
relacionada com todas as esferas da vida do povo, em cada uma das diversas
épocas históricas nas quais ela é produzida. Então, o desenvolvimento das artes
(e das belas-artes), assim como tudo que se refere ao próprio espírito, não
surge como um dado pronto e concluído, mas ao contrário, ela tem um início, a
sua coroação, a sua dissolução e superação. De certo modo, o “fim da arte” em
Hegel não é a incapacidade de criar arte, e sim a derrocada da autenticidade artística
de um tempo.
Durante
o século XX, com o surgimento da “arte de vanguarda”, novas questões se colocaram.
Segundo Peter Bürger argumenta, em sua “Teoria da Vanguarda”, a atividade artística
– elemento da práxis social – encontra agora uma certa dessacralização da arte,
desde já vinculadas ao pós-modernismo, na direção de uma superação da “modernidade”
enredada na queda do sujeito (particular). Por isso, as “sensações” e a própria
estética estariam, por assim dizer, “acabadas”. O que resta, agora, são determinados
critérios meramente técnicos e formais, ou seja, “institucionalizados”, embora isso se torne, na verdade, uma estetização da vida social. Essa operação
de “perda do sentido” criativo é, em consequência, resultado do avanço das manipulações
do capitalismo, de suas instituições, sobretudo o Estado. Assim, as criações “das
obras arte” da vanguarda é uma categoria inseparável da vida burguesa, mas não menos
consciente dos problemas que dela decorre.
Por outro
lado, não se trata de colocar a vanguarda como “outro polo” desse decaimento artístico
vinculado à “arte conceitual”. O que interessa para o problema da “arte
conceitual” é justamente a maneira de seu desenvolvimento específico, bem como
a estrutura e a função concreta se articulam num tipo histórico de sociedade.
Aqui entra em cena a maneira pela qual arte perde seu caráter autentico e vira
mera “exposição” segundo alguma intenção individual: a galeria de arte.
Pensar
a particularidade em seus termos, ela aparece para o campo artístico e, com
isso, sua teorização crítica não se reduz a um recurso externo descolado de
imanência de sentido, mas uma forma de entender a gênese estética e da fruição
artística e literária, no realismo (postura) artístico. Nesse caso, a subjetividade na
criação (sujeito) existe enquanto produtor, a obra adquire seus contornos
próprios durante e após a criação (objeto). Esse elemento que é próprio da arte
de retratar, narrar e enriquecer a vida dos homens em sociedade por meio da
obra criada, em um jogo dialético de reflexo que parte do cotidiano e nele se
volta.
No texto que traduzi, malgrado possíveis erros de transcrição gramatical ou de sentido, o autor expõe problemas importantes sobre a forma de arte no século XXI. Fica claro, sem dúvidas, que o esvaziamento do conceito de arte é corolário da mercantilização da arte, a perda de sentido pela qual ela teria em sua imanência. O texto está bem argumentado: a “arte” atual, como está submetida a ditames extraestéticos, ou seja, as qualidades estéticas não mais são elementos da obra artística, o que resta é apenas seu “oficialismo” nas exposições que refletem a forma deletéria e vazia do “fazer artístico”. Não importa mais o valor estético, a educação dos sentidos e o humanismo pressuposto na arte – a grande arte como crítica de seu tempo –, mas agora interessa é o oposto: o esvaziamento completo de sua aura. Isso é sintomático, pois mostra que a forma-mercadoria, longe de ser uma “liberdade” de comércio, é antes, a escravização dos sentidos e a perda de sentido vital. Na “obra de arte” contemporânea (o “engajamento” e a “crítica social”), reflete, de algum modo, a decadência da cultura humanística e reforça a latência alienada das potências humanamente desenvolvidas.
Texto
A
teoria institucional da arte
A arte
conceitual é uma arte que o aspecto conceitual reside apenas no conceito,
não em qualquer uma de suas qualidades sensoriais (se houver alguma). Há muitos
anos, a arte conceitual consistiu na vertente da arte contemporânea – pelo
menos conforme a rede de galerias, crítico e colecionadores que decidem o que
deve ser considerado importante dentro do laque da produção artística atual.
Agora, no entanto, está começando a ser substituída por uma nova concorrência,
chamando a atenção, ao que proponho a chamar “arte social”. Explico o que quero
dizer brevemente. Primeiro, quero considerar a questão de como as formas
específicas de arte ganharam proeminência.
Filósofos
tem se perguntavam sobre a questão “o que é arte?” já desde Platão no
século 4ac. Mas a questão parece adquirir uma nova urgência em resposta à
diversidade desconcertante dos objetivos e das atividades que no século XXI
foram reivindicados tendo como o status de “arte”.
Em
face desta discussão, o filósofo americano Arthur Danto escreveu um influente
ensaio em 1964, intitulado “O mundo da arte”. Esse foi a primeira demonstração
da “teoria institucional” da arte, depois desenvolvida por George Dickie e
outros. Danto foi um incomum filósofo da arte em que esteve realmente
interessando na arte contemporânea. Ele esteve visitando regularmente galerias
e escrevia resenhas para revistas de arte e também de filosofia. Nesse ensaio, levado
em parte por observar a exibição de Andy Warhol naquele ano Stable Gallery
em New York. Esta foi a primeira exibição pública de Brillo Boxes de
Warhol, agora entre as peças mais icônicas da arte pop americana. Danto fez a
óbvia pergunta: qual a diferença entre esse “trabalho artístico” por Andy
Warhol e um monte de caixas de armazém de supermercado – que de modo geral, não
seria considerada trabalho de arte? Ele argumentou que o “mundo da arte” é
circundante, composto de críticos, galerias, colecionadores, ensaios, debates,
etc., que tem uma habilidade mágica para transformar objetos em arte.
Voltarei
a alguns problemas da sua teoria. Mas primeiro, estou interessado nos efeitos
dessa influente de pensar poderia ter tido. Não é de estranhar que diretores de
galerias, em particular, tenham-se sentido lisonjeados por estra atribuição de
um poder tão considerável às suas decisões. É como se eles, não os artistas,
fossem os reais criadores de artes. De fato, a teoria institucional constituiu
uma “reversão” de relatos anteriores do que faz algo arte. Em vez das
características intrínsecas de um objeto tornando-se arte, que seria então
reverentemente colocado dentro de uma galeria para sua contemplação, são as
instituições, prementemente representado pela galeria, que conferem um objeto
seu status de arte. É como se o mero ato de colocar um objeto em uma
galeria eleva-o imediatamente como reino da Arte.
Essa
ideia do grande poder de transformação da galeria parece ter influenciado o
próprio modelo de muitas espetaculares novas galerias de arte que se abriram
nas últimas décadas. No meio disso, o mais espetacular de todos – uma verdadeira
catedral entre galeria de arte, e algo de símbolo triunfante da arte
contemporânea no mundo moderno – é o Tate Modern de Londres, inaugurada
em maio de 2000, para saudar o novo milênio.
Entre
neste edifício, o maior do mundo dedicado à arte moderna e contemporânea, é uma
experiência desconcertante. Passando pela porta, um encontra-se em um imenso
espaço que era originalmente o salão desta turbina central convertida na
estação elétrica. A maquinaria foi removida, deixando apenas espaço. Ele é destinado
a causar temos no coração do visitante. Contudo, não há obras de artes reais
neste espaço, exceto em certos momentos, quando artistas são especialmente
comissionados para criarem uma instalação adequadamente grande. Para chegar a
qualquer obra de arte real, tem-se que andar metade do comprimento deste vasto
espaço, passar por outro par de portas, tomar uma escada rolando até dois vôos,
atravessas outra área e entrar através de outro conjunto de portas. Pode-se
então encontrar-se olhando a uma escultura, ou uma pintura. É como se o espaço
do edifício tivesse precedência sobre qualquer coisa dentro dele.
Isso
deveria estar inteiramente de acordo com a Teoria Institucional da Arte:
é a própria galeria que tem o poder radiante de transformar qualquer coisa
colocada dentro dela em arte. Essa situação concede uma pessoa particular o
poder de decidir o que será contado como arte ao Diretor do Tate, que teria
responsabilidade geral para o que eles escolham o que mostrar. Este cargo foi
realizado de 1988 a 2017 por Nicholas Serota. Seu mandato incluiu a supervisão
da reconstrução e abertura do edifício Tate Modern.
Esse
foi também no período durante o qual a arte conceitual manteve seu domínio
internacional. Um sinal disso foi sua proeminência nas listas curtas para o Prêmio
Turner Anual de Arte Britânica – administrado pelo Tate como único membro
permanente do comitê de julgamento. Esse prêmio sempre chamou considerável
atenção, muitas vezes irrisória e frequentemente mal informada, da imprensa britânica,
afetado consideravelmente a percepção do público da arte contemporânea. Apesar
disso, a exposição anual do Prêmio Turner (anteriormente) de seus
artistas pré-listados sempre foi popular, atraindo algumas das maiores
multidões de visitantes da Tate a cada ano.
Em
retrospecto, podemos provavelmente datar a marca alta da arte conceitual a
2001, quando o prêmio Turner foi vencido por Martin Creed para sua parte
intitulada A luz que vai sobre e fora. Esse trabalho consiste em uma
sala vazia na galeria na qual as luzes, de fato, acendem e apagam, em intervalo
de cinco segundos. É isso. Nada mais. 2001 também foi o ano que o Turner
Prize ficou tão na moda e foi apresentado por Madonna na cerimônia de
premiação. Isso certamente deve ter provocado pensamentos sobre se o trabalho
de Madonna poderia ser facilmente considerado como tendo mais valor estético do
que a peça de Martin Creed. O que poderia ser uma forma artisticamente
estimulante de passar três minutos de seu tempo: assistindo luzes de Martin Credd
acendendo e apagando ou ouvindo Like a Virgin de Madonna? A desconexão
entre as chamadas “belas artes” e as “artes populares” parecia
ter chegado a um ponto em que quase todas as qualidades estéticas foram
defendidas por estas últimas.
Atualmente,
a palavra “estética”, como usada na filosofia, não tinha originalmente nenhuma conexão
para toda arte. Foi derivada pelos gregos antigos por “sensação”, e se refere
especificamente ao que é percebido através dos sentidos. É usado neste sentido
pré-artístico, por exemplo, em Immanuel Kant, em sua Crítica da Razão Pura
(1781). Na época da sua Crítica do Julgamento (1790), no entanto, Kant adatou
para significar um julgamento da beleza – embora ainda não restrito à arte.
Essa história revela como as qualidades especificamente “estéticas” de uma obra de arte (suas qualidades puramente artísticas, em oposição às qualidades morais ou instrutivas) eram tradicionalmente pensadas como residindo em suas qualidades sensoriais. Com a ascendência da arte conceitual, entretanto, as artes plásticas pareceram finalmente ter-se separado completamente da espera sensorial, deixando aquela vasta e atraente região aberta para as artes populares ocuparem. Embora toda riqueza de som e imagem tenha sido habilmente trabalhada em incríveis videoclipes por Madonna, que não teria sido considerada elegível para o grande prêmio de arte da Grã-Bretanha – Martin Creed poderia reduzir suas obras a meras ideias, que dificilmente são necessárias para colocar em prática. Realmente, é em áreas como o cinema e a música que a maioria de nós olha hoje para o deleite estético. Indo para galerias de arte contemporâneas, em contraste, tornou-se um exercício um pouco intelectual.
A
transição para a arte social
Na
época em que Serota deixou a diretoria da Tate, em 2017, a arte promovida por
Tate Modern foi praticamente purificada de quaisquer qualidades sensoriais
perturbadoras – como tinha sido pelas principais galerias de arte moderna em
todo mundo. Isso resultou no que se pode chamar “arte sem estética”. Muitos
se queixaram que há um ar vazio sobre estes trabalhos. Os “conceitos”
apresentados pela arte conceitual não são realmente muito interessantes,
geralmente. Pode-se facilmente encontrar conceitos impressionantes e
significativos em outros lugares – na física moderna, por exemplo; ou mesmo na
filosofia. Arte tornou-se vazia – simbolizada pela característica central do Tate
Modern, sendo o monumental espaço vazio que oferece para autorizar a sua
atribuição do estatuto de arte em quase tudo, então não é de se estranhar que houvesse
qualidades candidatas a preencher regiões desocupadas onde os elementos
estéticos que podemos ter ao fundo. A sucessora de Serota na chefia da Tate,
Maria Balshaw, estava prestes a começar um projeto desse tipo.
No momento
que assumiu seu posto, o jornal Evening Standard de Londres perguntou a nova
diretora qual era a função mais importante do Tate. Sua resposta foi: “dar
permissão à aprendizagem social e engajamento com que tipo de país queremos
viver nele” (4 de julho de 2017).
A característica
mais notável dessa declaração é que, se isolada, ninguém teria a ideia do que ela
falando sobre uma galeria de arte. Poderia ser qualquer organização social. O seu
tom de oficialismo é dado na primeira frase: a organização “dá permissão” para
as pessoas – o que implica que ela poderia recusar tal permissão se ela escolhesse,
mas talvez ainda mais significativa, a arte tendo uma função específica, “aprendizagem
social”, que não tem nada a ver com a estética tradicionalmente entendida. A implicação
faz que Tate Modern, como a principal instituição decida o que seja
considerada arte, pode agora fazer seus julgamentos de que se canonize como
arte a base de antecipação dos “efeitos” das obras de arte sobre os expectadores,
e não quaisquer qualidades inerentes às obras possuem. Nessa concepção, ela teria
– e somente teria – uma função social.
Na edição
de verão de 2020 da Revista da Tate, a Tate Etc, um artigo sobre
esses desenvolvimentos se refere às obras resultantes de “prática social” ou “arte
socialmente engajada”. Usando de frase mais simples: “arte social”. A maioria
das instalações comissionadas pelo Tate durante a diretoria de Balshaw até
agora pertence a essa categoria. Cito um exemplo representativo de “arte social”.
a exibição intitulada “Terceiro Ano”, idealizada pelo artista vencedor do Turner,
Steve McQueen, e exibida no Tate Britain (o mais antigo dos dois edifícios
da Tate em Londres), de novembro de 2019 a janeiro de 2021 (com a interrupção
devido ao COVID-19). Assim como muitos artistas conceituais, McQueen meramente propôs
a ideia, que seria executada por uma equipe de pessoas empregadas pela Tate.
Ele teve a ideia de tirar uma fotografia, em formato idêntico, da turma do terceiro
ano (crianças de sete anos) de todas as escolas de Londres. 70% das escolas
concordaram em participar. As centenas de fotografias emolduradas resultantes –
quase o mesmo que as fotos formais da classe que muitas escolas tiram todo ano –
foram instaladas do chão ao teto nas paredes da enorme galeria Duveen,
no centro da Tate Britain. A ordem das fotografias não parece seguir nenhum
esquema específico, nem ter a supervisão pelo mesmo McQueen. Quaisquer padrões que
possamos ver – como classes diferentes vestindo uniformes de cores similares – são
puramente acidentais. Como parte importante do projeto, todas as classes
fotografadas foram convidadas a visitarem a galeria com seus professores, em um
horário reservado para eles, para que pudessem buscar sua própria fotografia em
meio às centenas de paredes.
Maria Balshaw
disse sobre essa instalação: “Esta pode muito bem ser a obra de arte mais
ambiciosa que já mostramos na Tate Britain” (Evening Stardard, 10 de
setembro de 2018). Explicado seu propósito, a curadora Carrie Wallis disse que
a sua ambição era “para a própria galeria instalar uma mentalidade em
crianças em idade escolar que eles podem alcançar o que elas quiserem” (Evening
Standard, 15 de novembro de 2019).
Essa é
uma declaração muito reveladora. Esta instalação teve o objetivo de instalar
uma ideia nas mentes das crianças expectadoras, como se algum estivesse fazendo
upload de software em seus cérebros. Essa é uma admissão muito “chamosa”
que a finalidade do tipo moderno da arte é propaganda, embora uma variedade de
moda. A ideia que eles querem propagar é aqui: “você pode consumir o que quiser”
– uma afirmação mais notável por ser completamente falsa. Numerosos fatores, nomeadamente
os de classe social e acidentes no curso da vida, facilmente impedem muitas
pessoas – a maioria delas – de alcançarem o que querem.
Louis Althusser, a genuine pipe-smoking French Marxist intellectual by Clinton van Inman Portrait © Clinton Inman 2020 Facebook at clinton.inman |
Então
por que essa ideia financiada pelo governo deseja inserir nas crianças uma falsa
ideia? A resposta mais simples: é o que as instituições governamentais
normalmente fazem. Instituições governamentais são o que o filósofo marxista
francês Louis Althusser (1918-1990) chamou de “Aparelhos ideológicos do Estado”
(veja seu ensaio com esse título na coleção Lenin e a Filosofia). Normalmente,
o mundo da “ideologia” refere a qualquer conjunto e teorias mantidas por um indivíduo
em particular, sem implicar qualquer julgamento sobre a verdade ou outra forma
dessas crenças; é nesse sentido, que se refere à “ideologia cristã” ou a “ideologia
marxista”, porém o uso da palavra por Althusser é distinto.
No “Aparelhos
ideológicos do Estado”, ele define ideologia como “sua relação imaginária para
suas reais condições de existência”. Nesse sentido, ideologia nunca é um relato
preciso de nossas circunstâncias, mas ao contrário, algo que obscurece qualquer
relato para deturpá-las. Para Althusser, essa deturpação desempenha uma função
na sociedade. A falsa-imagem pretendida na mensagem da instalação do Tate
é um exemplo de ideologia nesse sentido. Instalando na mente de alguém a ideia
de que elas podem alcançar qualquer coisa que eles mesmos querem, obscurece na consciência
inúmeros fatores que impedem que isso seja verdade. Isso, afirma Althusser, é o
papel dos aparelhos ideológicos do Estado, como as galerias de arte
publicamente financiadas.
Propaganda
socialmente envolvida
Quase todos
os exemplos de arte social envolvem participações ativas de seus expectadores,
quando é requerida como “participantes” do trabalho, não exteriores a ela. No caso
do “Terceiro Ano”, esse papel é assumido pela pose das crianças na foto e a
subsequente visita a galeria para encontrar suas fotos na parede. Cada criança
posou para a fotografia, como se anunciando: “Esse sou eu!” e depois se
encontra na parede da galeria (“Esse sou eu!”). A autorrepresentação é
realmente restrita (“Alinhar nessa linha de frente à câmera!”) e a
representação é confirmada pela foto (“Esse é você! Onde você pertence – aquela
classe!”). É uma demonstração quase esquemática do que Althusser chamou de “interpelação”.
Ela se refere aos processos gerais pelos quais cada indivíduo é encaixado em um
lugar específico dentro da sociedade e, assim, levado a aceitar essa
colocação. Isso, afirma ele, é uma das principais funções da ideologia. Na visão
do filósofo, o papel da análise política deve ser o de revelar as estruturas
sociais que a ideologia cobre e deturpa, afrouxando as interpelações a que todos
nós fomos submetidos.
Essas ideias
foram uma grande influência para os artistas políticos radicais na década de
70. Como podemos ver, a arte social de hoje tem a intenção exatamente oposta,
reforçando as interpelações do espectador no campo social. É surpreendente,
portanto, que muitos revisores do “Terceiro Ano” afirmaram que era um trabalho “politicamente
progressista”!
Muitos
apontaram para a considerável diversidade étnica das crianças nas fotografias –
um fato que não surpreende ninguém que vive em Londres. Foi, então, visto como
uma “declaração contra o racismo”. O “racismo é algo ruim” não é mais de ser
uma declaração controversa, mesmo que, infelizmente, ainda não é totalmente
realizada. Ainda há muitos racistas por aí, mas de um modo geral, eles não são o
tipo de pessoas que provavelmente estariam visitando galerias de arte públicas
como a Tate. Essa é a característica significante da arte social que suas
mensagens muitas vezes expressar em asserções incontroversas, tais como o “racismo
é algo ruim”, e ainda um adjetivo frequentemente usado sobre essas obras é um “desafio”.
Se as pessoas que seriam desfiadas por elas não estarão lá para sê-las, e o
restante de nós simplesmente terão nossas visões atuais reforçadas. Longe de
criticar o racismo na nossa sociedade, então, essa instalação simplesmente o ignora.
Crianças
de todas as etnias são mostradas em lugares iguais em todos os seus grupos escolares
e, obviamente, é assim que as coisas devem ser – mas isso significa que a
realidade da divisão racial está sendo camuflada. Essa camuflagem marca a instalação
como trabalho da ideologia, no sentido de Althusser, mostrando como a arte
social pode ser uma forma de propaganda oficial aprovada.
Sempre
que damos uma opinião de algo “não é realmente arte” é razoável que sejamos
desafiados a dizer o que, nesse caso, na verdade seria. Com a arte
conceitual, é surpreendentemente complicado pensar numa resposta para isso, mas
com a arte social, a resposta à propaganda parece ser uma resposta razoável.
Esquivando
do ardil
Se fosse
correta a Teoria Institucional da Arte, qualquer coisa exibida como “arte” pelo
Tate seria arte por definição. O fato de podermos questionar isso
demonstra a inadequação dessa teoria. Quando Artur Danto decidiu que foi
a própria galeria que transformou as Brillo Boxes de Warhol em arte, ele
negligenciou várias outras características que diferenciariam esses objetos de
caixas num supermercado. Por um lado, as caixas de Warhol eram feitas de
contraplacado, não de papelão, tornando-as mais solidas e menos efêmeras. Por outro
lado, elas não tinham aberturas reais. Você não pode colocar nada dentro delas;
elas são, na verdade, não totalmente caixas, mais do que uma pintura de uma
cama, é uma cama real (como Platão tinha apontado há muito tempo). São representações
de caixas e não tem utilidade de uso. Tudo o que se pode ver nela adota essa atitude
contemplativa que é tradicionalmente considerada como conducente à apreciação
estética. A arte social, por outro lado, exige de nós participação, não contemplação;
engajamento, não desapego. Tem um objetivo utilitário: induzir atitudes específicas
nas mentes expectadoras.
Felizmente,
ninguém é impedido de produzir outros tipos de arte, embora provável não receberem
apoios de instituições como a Tate. Na verdade, estamos vivendo em uma
era de produção artística muito rica, embora não apareçam nas galerias de arte.
Ainda oficialmente sancionada, a “bela arte” teve todos os seus aspectos estéticos
removidos – primeiro, para deixar apenas um “conceito”; agora, para deixar
apenas a ideologia – e as experiências estéticas não são difíceis de encontrar
nesse sentido: estão a apenas a um click de distância, no Youtube.
Esse estrando
encontro de mundos entre Martin Creed e Madonna em 2001 poder ser visto como um
momento emblemático. Galeria de arte já tinha começado a sua queda de significado
estético, enquanto os videoclipes já estavam em ascensão para se tornar uma das
principais formas de expressão artística hoje; quando a história da arte do
século XXI vier a ser escrita, os nomes importantes serão pessoas como Billie
Eillish, Lana del Rey, etc., ao invés de vencedores do Prêmio Turner.
A arte
está a nosso redor, mas raramente dentro das galerias de arte.