A medida provisória anunciada
pelo governo sobre a reforma da educação deve ser debatida enfaticamente. A
discussão sobre o ensino é de extrema importância para nós, já que somos um dos
piores no ranking da educação básica. O modelo atual é extremamente
ultrapassado e nada condiz com nossas expectativas. É importante destacar que
cerca de 40 anos atrás o Brasil figurava num posto similar ao da Coréia do
Sul, com níveis de desenvolvimento econômico e social semelhantes.
Graças às mazelas de nossas
elites dirigentes pela falta de atenção ao assunto, fomos ficando cada vez mais
para trás. Ao ponto em que, enquanto a Coréia ultrapassou importantes países
como Japão, Reino Unido, Estados Unidos, França, Suíça e Alemanha, o Brasil
conseguiu ser superado nesta corrida até mesmo pelos vizinhos de continente:
México, Chile e Argentina.
O Ideb (Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica), criado em 2007, é um dos maiores avanços
em políticas públicas educacionais no Brasil. Os bons sistemas de educação,
com raras exceções, usam esse tipo de avaliação como termômetro da qualidade.
Entretanto, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico), o Brasil está entre os 10 países com maior desigualdade entre ricos
e pobres, donde estão presentes, entre outros, Israel, Chile e Peru.
A mudança é consenso da
sociedade, porém, o modo que está sendo feita pelo governo é deveras
questionável: a começar por ser feita por uma medida provisória e não em um
debate com a sociedade, especialistas no assunto, com os professores e
educadores, etc. A MP alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica
(LDB), de 1996, e suscitou a preocupação dos professores diante das mudanças na
configuração curricular.
A proposta:
A pesquisadora Anna Helena Altenfelder, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e
Ação Comunitária, diz que “a dúvida é se quem não teve oportunidade de aprender
matemática, física e português, por falta de professores ou por superlotação
das salas, por exemplo, terá as mesmas oportunidades de escolha de quem teve a
possibilidade de aprender e também se os pequenos municípios, com uma ou
duas escolas, terão condições de proporcionar esse percurso flexível”,
questiona a superintendente do Cenpec. E mais além: “Será uma escolha por aptidão e interesse ou será o que chamamos de uma
‘escolha forçada’, dada pelas circunstâncias e as condições sociais dos
estudantes? Porque a realidade das redes não permite que todos os jovens tenham
a mesma condição de escolher”, chama a atenção.
Uma das principais mudanças é
a ampliação progressiva da carga horária anual mínima, que passará das atuais
800 horas, distribuídas por um mínimo de 200 dias letivos, para 1.400 horas, “observadas as normas do respectivo sistema
de ensino e de acordo com as diretrizes, os objetivos, as metas e as
estratégias de implementação estabelecidos no Plano Nacional de Educação”. O
currículo escolar também passará por mudanças: das 13 atuais disciplinas,
haverá uma “flexibilização”, seguindo “itinerários informativos”, com ênfase
em matemática, linguagens, ciências humanas, ciências da natureza e formação
técnica e profissional.
No lado da atuação dos
professores, a MP traz um ponto polêmico ao abrir espaço para “profissionais com notório saber reconhecido
pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à
sua formação”. Os currículos dos cursos de formação de docentes terão por
referência a Base Nacional Comum Curricular. Ou seja, não deixa clara a
necessidade da formação pedagógica do professor – o que é grave. A má
qualificação, o mal pagamento, são fatores cruciais. Cerca de 90% dos
professores do Brasil se formam em faculdades de baixa qualidade.
A saída de Artes e Educação
Física pode ser uma realidade: “A parte
diversificada dos currículos, definida em cada sistema de ensino, deverá estar
integrada à Base Nacional Comum Curricular e ser articulada a partir do
contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural”, diz o texto.
Ainda a MP não aponta como essas disciplinas (artes, educação física, filosofia
e sociologia) serão usadas no currículo. As disciplinas obrigatórias, segundo o
texto inicial da MP, são somente português, matemática e inglês. No caso da
Educação Física, o texto diz explicitamente que ela “passa a ser componente
obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, sendo sua prática
facultativa ao aluno”.
Controvérsias:
Em nota, o MEC explica: “Não está decretado o fim de nenhum
conteúdo, de nenhuma disciplina. Do que a Base Nacional definir, todas elas
serão obrigatórias na parte da Base Nacional Comum: artes, educação física,
português, matemática, física, química. A Base Nacional Comum será obrigatória
a todos. A diferença é que quando você faz as ênfases, você pode colocar
somente os alunos que tenham interesse em seguir naquela área. Vamos inclusive
privilegiar professores e alunos com a opção do aprofundamento”. Alguns têm
dito que “Filosofia e Sociologia não são importantes porque quase ninguém
gosta”. Isso é de extrema preocupação, pois, seguindo esta lógica de
raciocínio, deveríamos parar de fazer programas de conscientização contra as
drogas porque é impossível reduzir a zero isso. É falacioso este argumento,
porque acaba por robotizar os alunos
(onde eles mesmos, muitos são favoráveis). ¹
Eliminar a obrigatoriedade da
educação física e artes é no mínimo controverso. Deve integrar o aluno na
cultura corporal de movimento, mas de uma forma completa, transmitir
conhecimentos sobre a saúde, sobre várias modalidades do mundo dos
esportes e do fitness, adaptando o
conteúdo das aulas à individualidade de cada aluno e a fase de desenvolvimento
em que estes se encontram. É uma oportunidade de desenvolver as potencialidades
de cada um, mas nunca de forma seletiva, e sim, incluindo todos os alunos. O
professor tem de inovar e diversificar, pois o campo de trabalho envolve muitas
atividades que podem ser trabalhadas com os alunos como jogos,
competições, dança, música, teatro, expressão corporal, práticas de
aptidão física, jogos de mímica, gincanas, leituras de textos, trabalhos
escritos e práticos, dinâmica em grupo, etc. O campo é muito amplo. Basta o
professor ser responsável, ter seriedade e muita criatividade. Um trabalho bem
feito deve estimular a longevidade com qualidade de vida em geral. Grandes
potências olímpicas têm incentivos em esportes desde a infância.
O ensino de matérias como
Sociologia e Filosofia são de suma importância não apenas para formação crítica
da sociedade e de caráter – e não é moralismo.
Por que as pessoas pensam e
agem de forma tão diferente umas das outras? Por que algumas têm muito
dinheiro, enquanto outras dormem nas ruas? Por que o que parece certo para uma
é totalmente errado para outra? Toda criança já questionou algo do tipo para os
pais. É comum os pequenos terem dúvidas sobre a sociedade em que vivem. Pois a
Sociologia tem o objetivo de responder essas questões e ensinar o funcionamento
das interações pessoais. É preciso ficar atento pois muitas escolas enxergam a
matéria como um custo desnecessário – e os alunos, idem.
A Filosofia em especial, leva
o aluno à oportunidade de desenvolver um pensamento independente e crítico, ou
seja, permite a ele experimentar um pensar individual. Sabe-se que cada
disciplina apresenta suas próprias características, bem como auxilia a
desenvolver habilidades específicas do pensamento que é abordado. No caso da
Filosofia, essa permite e dá oportunidade de realizar o pensamento de maneira
bastante pessoal. O Ensino Médio é geralmente considerado pelos educadores como
uma fase de consolidação do aluno jovem, de sua personalidade e seus desejos, a
Filosofia apresenta um papel importante e fundamental no sentido de
colaboração.
A Filosofia é bastante
questionada enquanto disciplina, é necessário que os educadores se
conscientizem de que o ensino não deve ser considerado como uma disciplina a
mais a ser ensinada. O ideal é que o professor que tem a responsabilidade de
aplicar tal disciplina tenha em mente o quanto é necessário fazer com que seus
alunos não fiquem dependentes de livros didáticos, não desmerecendo, mas no
sentido de não tender para os tão famosos “decorebas” de ideias e autores. E se
o ensino destas disciplinas não está sendo proveitoso por parte dos alunos, nem
de longe é “solução” retirar ou “flexibilizar”.
A Filosofia é fundamental na
vida de todo ser humano, visto que proporciona a prática de análise, reflexão e
crítica em benefício do encontro do conhecimento do mundo e do ser – além,
claro, de ser considerada a mãe das
ciências. Interpretar o mundo, indagar sobre ele, sobre o que é e está a
sua volta, “tornar-se aquilo que tu és” é
parte indissociável para que não sejamos apenas um ser maquinizado; para viver
e trabalhar para morrer. Para modificar uma realidade é preciso saber por onde
questionar.
Há de se atentar que nunca
houve tantos pais desorientados sobre como ajudar seu filho a ser um bom aluno.
Muitos se atrapalham na hora de ajudar com a lição de casa, outros trabalham
demais, e falta tempo para participar de todas as atividades, reuniões e
apresentações escolares. A falta de comprometimento dos pais com seus filhos e,
também, essa cultura de deixar tudo para a escola, retarda o processo de
avanço. A educação começa em casa.
Concluindo:
“As medidas já estavam em
discussão na gestão Dilma, porém as mudanças viriam pelo projeto e não eram um
ponto de divergência. Só considero a MP um caminho péssimo. É um assunto
delicado para você resolver mediante um instrumento que pula a discussão do
Congresso”, como disse o ex-ministro Renato Janine Ribeiro.
Outra coisa e, talvez, a mais
importante: de pouco adiantará mudar a moldura se o quadro é o mesmo. É
preciso, mais do que nunca, entender as nuances, travar diálogos com
educadores, com mais investimentos na área de infraestrutura, salários, etc. É
necessário direcionar todas as nossas atenções, com todo o carinho e energia
para resolvermos a questão da educação no país. Muitos passos importantes foram
dados, mas insuficientes até aqui, e não parece que essa “resolverá” o atual
quadro.
Sobreviver em meio as
incertezas da vida, se vendendo para ser o que, por muitas vezes, não queremos
ser, para ter “dignidade”, vai além da educação mercantil. O pensamento
científico e filosófico é um dos pilares que ajudam na boa tomada de decisões
ao longo da vida, seja para si ou para um coletivo; do próprio exercício do ser
cidadão.
Links usados como
referências:
Nota:
A humanidade no seu processo de desenvolvimento engendra um
mundo mais humano e rico de mediações sociais, esse processo objetivo dá-se
nome de objetivação. Humanizar-se é
aquele sentido positivo em que o gênero humano subjetivo a essa riqueza, esse
conhecimento produzido pelas gerações anteriores. É um estado em que ele não
pode nem mesmo se conectar com o gênero humano através dessas mediações sociais.
Não havendo nem o acesso para que ele tome essa riqueza, esse background. O que
de melhor a humanidade produziu. Isso que coloco como “robotização”. ¹
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