Mario Bunge: Epistemologia

'Negar a ciência é muito mais fácil do que aprendê-la'
  

Trecho que se segue abaixo é de Mario Augusto Bunge, que é um físico, filósofo da ciência e humanista argentino, defensor do realismo científico, do sistemismo e da filosofia exata:

“O homem inventou um mundo de procedimentos para fazer de tudo, desde naves espaciais até teorias sobre teorias. Alguns desses procedimentos são regulares e foram formulados explicitamente como outros tantos conjuntos de regras. Neste caso costumam ser chamados de métodos. Nem toda atividade racional, porém, foi regulamentada. Em particular, ninguém encontrou, e talvez nem possa encontrar, métodos (ou conjunto de regras) para inventar coisas ou ideias. A criação original, ao contrário das tarefas rotineiras, não parece ser regulamentável. Em particular, não há métodos (regras) para inventar regras (métodos). E, reciprocamente, o trabalho regulamentado, ou o regulamento, não se distingue pela sua criatividade. Os que acreditam o contrário, ou seja, que existem métodos para tudo, e que para se fazer qualquer coisa é necessário e suficiente aprender os métodos correspondentes, são metodólatras a quem não se deve nenhuma contribuição original obtida através dos métodos que preconizam.

Ao modo de proceder característico da ciência convencionou-se chamar de método científico. O nome é ambíguo. De uma parte é merecido porque o método existe e é eficaz. Por outro lado, a expressão ‘método científico’ é enganosa, pois pode induzir a crer que consiste num conjunto de receitas exaustivas e infalíveis que qualquer um pode manejar para inventar ideias e pô-las à prova. Em verdade, não existem tais receitas populares para investigar. O que existe é uma estratégia da investigação científica. Há também um sem número de táticas ou métodos especiais característicos das diversas ciências e tecnologias particulares. Nenhuma dessas táticas é exaustiva ou infalível. Não basta lê-las num manual: é preciso vivê-las para compreendê-las. E não dão resultado todas as vezes. Seu êxito depende não só da tática ou método, mas também da sua escolha do problema, dos meios (conceituais e empíricos) disponíveis e, em medida não menor, do talento do investigador. O método não supre o talento, apenas o ajuda. A pessoa de talento cria novos métodos, não o inverso.
[...]

Em resumo, o método científico não é tão milagroso como acreditam seus entusiastas que só o conhecem de oitava, nem é de tão curto alcance como querem fazer-nos acreditar seus detratores. O método científico não é, nem mais nem menos, senão a maneira de fazer boa ciência, natural ou social, pura ou aplicada, formal ou factual. E essa maneira pode adotar em campos que antes eram científicos, mas que se caracterizam, como ciência, pela procura de normas gerais.

Para terminar: posto que o método científico é a maneira de conduzir investigações científicas, não pode ser apreendido separadamente destas últimas. Vai-se dominando o método - e talvez também o modificando - à medida que se faz investigação original. O que se pode fazer, uma vez apreendido - não simplesmente aprendido em algum texto – é analisá-lo. Essa análise do método científico é uma parte importante, ainda que pouco extensa, da Filosofia da ciência ou Epistemologia. A melhor maneira de realizá-la é a partir de casos particulares tomados da História da ciência ou, melhor ainda, da ciência contemporânea.”



– Mario Bunge em Epistemologia, pg. 33 a 35.



Wesley Sousa

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