Cena do filme "Tempos Modernos" de direção de Charles Chaplin, 1936. |
Wesley Sousa é graduando em Filosofia pela UFSJ
Certamente
você já viu a propaganda de uma empresa de carnes cujo personagem animado é um
frango. Este frango faz propaganda em que outros frangos sejam abatidos e assim
comercializados entre os consumidores.
Essa
propaganda me lembra de perfeitamente o famoso “pobre de direita” (ou
‘capitalista’). Por quê? Ora, um frango que faz propaganda para que outros
frangos sejam abatidos, é a mesma lógica de quem defende um lado que governa
apenas para interesses da classe dominante – ou seja, à direita.
Ainda
que governos “de esquerda” pouco governem para seu povo analisando o
quadro sociopolítico das dificuldades encontradas frente ao poder do capital. A
direita acusa a esquerda de piorar a economia, dizendo que a economia é a coisa
mais importante para o povo. A direita dá um golpe e governa em prol da
economia e em detrimento do povo.
Mas,
sobretudo, devemos nos ater que ser ‘de direita’ é
algo “natural” para quem nasceu no seio de uma sociedade
capitalista. Nesta onde são exacerbados o individualismo e a “competitividade”,
não seria surpresa, um pobre alimentar um ideário que o corrói em sua carne.
Para
essa “naturalidade”, os filósofos Karl Marx, em parceria com Friedrich Engels,
escreveram:
“As
ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes; isto é, a
classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua
força espiritual dominante. (...) As ideias dominantes nada mais são do que a
expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais
dominantes concebidas como ideias; portanto, a expressão das relações que
tornam uma classe a classe dominante; portanto, as ideias de sua dominação.” (MARX;
ENGELS, 2007, p. 47).
Como
uma vez escreveu o amigo Rennan Ramazini: “o brasileiro, no geral, odeia
política e vive na frente da televisão. Não é difícil ouvirmos por aí aquele
discurso cancerígeno de que ‘política e religião não se discute’; o resultado
disso é que somos um país de analfabetos políticos altamente religiosos – um
prato cheio para direita conservadora e liberais exploradores.”.
Como
estamos no seio dessa sociedade capitalista, onde essa ideologia que
molda a personalidade inconscientemente, a falácia do “trabalho dignifica
o homem” é parte do dogma meritocrático dos mais aventurados
financeiramente, um dogma dos mais idealistas e mentirosos por sinal.
Competição
no capitalismo não passa de discurso que explora a desigualdade. Mas de forma
que impossibilita a busca por sistemas sociais mais inclusivos e abrangentes,
por uma alternativa à economia de mercado. É um ideário conservador e
retrógrado acima de tudo.
O
interessante nesses pobres “capitalistas” que além de acreditarem no mito da
meritocracia, criticam medidas afirmativas adotadas pelo Estado (cotas)
para que eles próprios tenham direito, como; Universidades democratizadas,
bolsas de estudos, programas de financiamento estudantil a fim de ampliar vagas
e qualificação técnica, reduzindo as desigualdades sociais e econômicas que se
beneficiariam; ao mesmo tempo em que não se indignam com eleições de
políticos corruptos, cargos comissionados, funcionários públicos fantasmas,
bolsa-empresário (vide BNDES), sonegações de grandes empresas, trabalho escravo,
baixos salários, etc.
Além
disso, cabe um olhar materialista sobre a religião, salientando as origens e
formas de opressão e exploração das classes trabalhadoras. Criada pelo homem,
em específico pelo homem que domina o homem, a religião constrói um mundo que
não existe. A religião é uma superestrutura, sistema ideológico, que fundamenta
a dominação e exploração do povo.
Agindo
como um anestésico ou um ansiolítico, uma droga que amortece os sentidos, “a religião é o suspiro da criatura
oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de
coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo” (MARX; ENGELS, p.
145). De forma que “a religião
é apenas o sol ilusório que gira em volta do homem enquanto ele não gira em
torno de si mesmo. […] A crítica do céu transforma-se, assim, na crítica da
terra, a crítica da religião, na crítica do direito, a crítica da teologia, na
crítica da política” (MARX;ENGELS, 2010, p. 146).
O pobre
‘capitalista’ vive de forma que a ideologia dominante destrua alternativas
de sobrevivência das classes trabalhadoras excluídas do mercado de trabalho na
forma perene ou esporádica. “Bandidos”, “prostitutas”, “traficantes”,
“mendigos”, “vagabundos” sempre foram os alvos preferidos do poder
punitivo no capitalismo – e nesses adjetivos, se encontra o ‘pobre de
direita’ ou o ‘pobre capitalista’. *
O
poder político, ideológico e econômico é das classes burguesas. As classes que
controlam o Estado, a produção de riquezas e cria a ideologia dominante. Prova
disso é a questão proibicionista das drogas legitimando o extermínio
policial contra a população pobre e negra, contra os marginalizados por
esse conservadorismo social que acabam por acometê-los. Defendem a
política de tortura e matança de detentos como se fosse uma solução para a
criminalidade urbana, além da forte repressão estatal contra eles próprios.
Mesmo
que muitas ideias sejam defendidas ferrenhamente por grupos mais vulneráveis e
susceptíveis a caírem ainda mais à margem da sociedade. Então o pobre, em seu
anseio de alcançar patamares maiores que consegue chegar, acreditar na utopia
que ‘com o tempo as coisas melhoram’, enquanto se sufoca com contas a
pagar, destruindo a ilusão de ascensão econômica e caindo no lamaçal que o joga
no esgoto da amargura. E a ideia da doutrina “liberal” chegando com um
discurso sedutor e atraente a ele, faz com que este pobre coitado nutra suas
ilusões como “concretizáveis”, sendo fiel a uma falsa e demagoga promessa de
“prosperidade”.
Ser
pobre e acreditar na teologia capitalista não é
demérito (considerando o fato de serem analfabetos políticos e não
ideólogos imbecis). Ser pobre não é uma escolha para quem nasce numa sociedade
que lhe fez assim e, assim, sonhar sem ser um milionário qualquer se sabe lá
quando e como. Até porque, somos frutos da sociedade em que vivemos. Por
isso é “normal” viver loucamente e atordoado atrás do “pão de cada dia”. E
estes que precisam sobreviver, compactuam com essa realidade de modo qual é a
sua realidade.
Quem
vive na dificuldade e quer melhorar por si sua condição financeira é, por
muitas vezes, desespero e não opção de vida à priori. E é aí que
os progressistas entram para modificar essa realidade, estabelecendo uma
sociedade, um nova visão humanista e solidária nela – principalmente aos mais
pobres –, para que não naveguem nesse idealismo que o faz um mero instrumento
de trabalho ou uma mercadoria. Precisamos, ao lado desses mais vulneráveis,
traçar alternativas a esse modo infame de vida que não lhe trás satisfação, mas
ilusões de uma falsa realidade.
Numa
sociedade capitalista, seja você pobre ou não, uma vida selvagem, seu
pensamento também será. Por isso que há tantos “capitalistas” pobres.
* Vale
lembrar: “capitalista” não é, na linguagem de Marx, quem “apoia o capitalismo”
(muitas vezes sem saber direito o que é ‘capitalismo’), mas sim quem comanda
capital, valor em movimento contínuo de autoexpansão.
Referências bibliográficas:
MARX; ENGELS. A ideologia Alemã. Boitempo; São Paulo, 2007.
MARX, Karl. Crítica a Filosofia do Direito de Hegel. Boitempo; São Paulo, 2010.
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