A ORIGEM PROLETÁRIA E SOCIALISTA DO
DIA INTERNACIONAL DA MULHER
Publicado originalmente no
site Causa Operária
Data 14
de dezembro de 2014
Autora Anaí
Caproni
Apesar de
ser celebrado, hoje, oficialmente no mundo todo, sendo inclusive data oficial
reconhecida pela ONU e por inúmeros países do globo, são raríssimas as
informações a respeito da origem da luta das mulheres pelo 8 de março, não
existindo nenhuma história organizada sobre os fatos e discussões que levaram
ao estabelecimento desta data como o dia internacional de luta na consciência
das mulheres.
O
silêncio sobre a história de um dia tão comemorado e instrumento de campanhas
supostamente em defesa da mulher pelo mundo todo, chama a atenção dos espíritos
mais críticos e daqueles que lutam para resgatar a história do movimento
operário, das suas lutas e das suas grandes realizações. O 8 de março é
justamente mais uma destas grandes iniciativas da classe operária mundial que,
com a Revolução Russa de 1917, firmou-se como um instrumento de defesa
internacional das mulheres. Posteriormente o imperialismo adaptou-se à esta
conquista operária, procurando apagar suas origens revolucionárias,
transformando o 8 de março em mais um instrumento da democrática política do
imperialismo de ataque às mulheres, encoberta com os discursos e campanhas
demagógicas sobre os “direitos da mulher”.
O 8 de março
A data do
8 de março está ligada à luta das operárias têxteis de Nova Iorque. Foi uma das
primeiras greves destas operárias têxteis novaiorquinas, no ano de 1857 que deu
origem à data. Nesta greve as operárias permaneceram paradas durante semanas,
sendo brutalmente reprimidas pela polícia e perseguidas pelos patrões em uma
grande manifestação exatamente nesta data. transformando-se num símbolo de luta
para as trabalhadoras e as socialistas norte-americanas. Esta greve é comumente
confundida com o trágico incêndio da fábrica de vestimentas novaiorquina
Triangle em 1911 – em decorrência das péssimas condições de trabalho – que
matou mais de 100 operárias, acontecimento que ganhou tamanha notoriedade, pela
denúncia feita pelos socialistas, quando estas começaram a realizar as
primeiras manifestações para marcar o dia de luta das mulheres, que se
apresenta, para muitos, como a explicação para a extraordinária repercussão
trazida pela paralisação de 1857. Na realidade a greve das operárias têxteis,
no século passado, foi a primeira faísca da luta feminina que se transformaria
no início deste século num movimento internacional com manifestações de
centenas de milhares de mulheres reivindicando o fim da discriminação.
A
importância da greve das operárias em 1857 refere-se ao fato de que o movimento
foi pioneiro ao levantar as reivindicações femininas em um momento em que a
entrada das mulheres no mercado de trabalho era ainda mais a exceção do que a
regra.
No início
do século, em 1907, no dia 8 de março, uma comemoração desta greve vai iniciar,
nos EUA, um ciclo de mobilizações de massas de mulheres, expressando o fenômeno
mais geral da integração em massa das mulheres no mercado de trabalho e a
superexploração da sua mão-de-obra pelo capitalismo. Neste ano as operárias e
os socialistas de Nova Iorque vão convocar no dia 8 de março, para lembrar a
greve de 1857, uma grande “Marcha da Fome”, para reivindicar a diminuição da
jornada de trabalho para 10 horas, melhores salários e condições de trabalho
sendo brutalmente reprimidas pela polícia de Nova Iorque. Em 1908, novamente no
8 de março, as mulheres vão sair às ruas para comemorar as mobilizações de 1857
e de 1907. Neste momento, também, o Partido Socialista Norteamericano vai criar
o comitê de mulheres pelo voto levantando além das reivindicações econômicas
como salários iguais para trabalhos iguais e o fim do trabalho infantil, uma
campanha política pelo sufrágio feminino.
Em 1909,
novamente por iniciativa dos socialistas, o trabalho entre as mulheres será
ampliado com o importante êxito obtido com a realização do primeiro dia Nacional
das Mulheres, realizando manifestações em todo o país no último domingo de
fevereiro, repetindo estas comemorações todos os anos até 1913, quando os
movimentos adquirem o caráter de protesto contra a guerra que já se apresentava
como uma terrível ameaça. Já em 1910 com o crescimento do movimento de
mulheres, Lena Lewis, uma das principais representantes do movimento feminista
norte-americano vai declarar que não era uma época para celebrar nada, mas um
dia para antecipar as lutas que viriam quando “poderemos eventualmente e para sempre erradicar o último vestígio do
egotismo masculino e seu desejo de dominar as mulheres”.
O Dia Internacional da Mulher
A criação
do dia internacional de luta da mulher é obra do II Congresso Internacional das
Mulheres Socialistas, realizado em 1910 na Dinamarca, por iniciativa das
militantes revolucionárias da II Internacional. Nesta conferência foi aprovada
a proposta feita por Clara Zetkin, responsável pela organização do trabalho de
mulheres da social democracia alemã e editora do jornal de mulheres do
partido, Igualdade. Segundo ela era necessário estabelecer um dia
como referência mundial de luta para as mulheres na medida em que tanto na
Europa como nos EUA os partidos socialistas já vinham realizando manifestações com
este caráter, reunindo milhares de mulheres para lutar por reivindicações
fundamentais como a redução da jornada, o voto feminino (sufrágio universal), etc.
A
proposta do partido alemão era de que as comemorações realizassem-se no
domingo, seguindo analogamente a política defendida por este partido em relação
às comemorações do 1º de Maio algumas décadas antes, ou seja, fazer
manifestações após o expediente, no caso da mulher, no domingo, para evitar um
confronto aberto com a burguesia numa situação onde consideravam que não havia
condições para impor uma derrota ao governo, particularmente na Alemanha.
Participaram
da conferência cerca de 100 mulheres representando 17 países, incluindo as três
primeiras mulheres socialistas eleitas para o parlamento finlandês. Como
plataforma para a organização das manifestações do dia internacional da mulher
foi aprovada a luta pelo direito de voto feminino, o sufrágio universal e o
seguro-maternidade para todas as mulheres casadas com filhos, em oposição a uma
proposta de que o benefício fosse concedido independentemente do estado civil
da mãe, proposta defendida pelas russas representadas por Alexandra Kollontai.
Mobilizações de massa
Em 1911 a
1º comemoração do dia internacional da mulher, organizada pelo Secretariado
Feminino da II Internacional, ocorreu no dia 19 de março na Alemanha,
Dinamarca, Áustria, Suíça, EUA e vários outros países europeus, sendo realizado
nesta data em homenagem à revolução de 1848 na Alemanha, onde foi conseguido o
direito de voto feminino, revogado posteriormente pela derrota da revolução.
Segundo a revolucionária russa Alexandra Kollontai este primeiro “dia internacional das mulheres excedeu
todas as expectativas. (… ) “A Alemanha e a Áustria eram um mar ondulante de
mulheres. Reuniões eram organizadas em todos os lugares. (…) “Nas pequenas
cidades, até mesmo nas aldeias, os salões estavam tão cheios que havia pedidos
para os trabalhadores homens cederem seus lugares para as mulheres. Os homens
ficaram em casa com as crianças para variar, e suas esposas, as escravizadas
donas-de-casa, foram às reuniões. Durante as maiores manifestações de rua, nas
quais tomavam parte 30 mil pessoas, a polícia decidiu remover as faixas dos
manifestantes: as trabalhadoras se opuseram. Na luta que se seguiu, o
derramamento de sangue foi evitado apenas com a ajuda dos deputados socialistas
no parlamento”.
A
manifestação reuniu um milhão de mulheres em todo o mundo, caracterizando-se
como a erupção de um gigantesco movimento de massas, reivindicando o direito de
voto, o de ocupar cargos públicos, direito ao trabalho, treinamento
profissional, fim da discriminação nos locais de trabalho etc.
Uma
semana depois da manifestação, no dia 25 de março, o já mencionado incêndio na
empresa Triangle, em Nova Iorque, matou 140 operárias têxteis, em função das
péssimas condições de trabalho que vigorava em todas as fábricas, causando uma
grande comoção entre um movimento de mulheres massivo e radicalizado com a
terrível confirmação das denúncias feitas dias anteriores.
Esta
tragédia marcou de forma indelével o dia internacional da mulher como um
símbolo da situação de exploração das mulheres e do acerto das denúncias e
reivindicações feitas pelas mulheres socialistas dos principais países do
mundo.
Uma conquista da Revolução Russa
O dia
Internacional da Mulher vai se estabelecer definitivamente no 8 de março com a
vitória da revolução na Rússia. Não por coincidência, foi a manifestação
convocada pelas operárias ligadas ao socialismo russo, o estopim da Revolução
de Fevereiro de 1917, ao se transformar em um greve geral na enorme
concentração operária do bairro Viborg em S. Petersburgo, principal cidade
industrial do país.
Com a
vitória da ditadura do proletariado, o governo soviético transformou a data em
feriado comunista, procurando impulsionar a luta internacional das mulheres,
não apenas por que foram elas as iniciadoras da revolução mas porque são a
camada mais explorada da classe operária constituindo potencialmente um vasto
movimento revolucionário e, segundo Lênin, sem elas “não haveríamos vencido, ou
haveríamos vencido a duras penas”.
A
revolução que começou no dia 8 de março através do protesto das mulheres,
diante das filas de racionamento de pão provocadas pela miséria vinda com a I
Guerra Mundial. A partir daí o movimento se estendeu para as fábricas e
quartéis derrubando a monarquia secular que governava a Rússia, esta
revolução viria a ser também a maior conquista que as mulheres de todo
o mundo jamais obtiveram em toda a história da humanidade na luta pela sua
libertação.
A vitória
da revolução trará uma série de mudanças fundamentais na situação da mulher
soviética, lutando contra a estrutura de total submetimento representada pela
cultura semi-asiática do país e pelo atraso econômico representado pela maioria
camponesa e pelo subdesenvolvimento urbano. As primeiras medidas adotadas pelo
governo revolucionário foram o direito integral ao divórcio a partir do pedido
de qualquer dos cônjuges, superando no início do século as legislações
vigentes em todo o mundo ainda hoje, as quais forçam o convívio entre
pessoas apesar do laço afetivo e consentimento mútuo não existir mais. No
Brasil, como na maior parte do mundo, o divórcio é uma autorização que depende
de decisão judicial, após um período de separação de fato, e não um direito
inquestionável da pessoa, na medida em que se refere a uma decisão
absolutamente particular dos casais.
No caso
do aborto o governo revolucionário garantiu o direito integral à sua
realização, inclusive através da rede pública de saúde, gratuitamente, em todo
o país, atendendo uma das reivindicações mais importantes para as mulheres: o
fim da gravidez indesejada, uma violência contra a mulher, uma vez que o Estado
intervém repressivamente na vida íntima das mulheres obrigando-as a tomarem uma
decisão contra a sua vontade, e que no caso da maior parte das mulheres
significa o abando do trabalho, do estudo, e o reforço da exploração e
embrutecimento proveniente do trabalho doméstico e da dependência do marido. Em
1917, o governo de Lênin e Trostki já derrubava totalmente a distinção entre os
filhos nascidos de uma união legal e os filhos “ilegítimos”.
Outra das
grandes conquistas trazidas pela revolução foi a total igualdade jurídica entre
os homens e mulheres, com direitos políticos integrais, o incentivo à sua
elevação cultural, a proibição da discriminação sexual, numa época em que as
mulheres eram consideradas juridicamente incapazes, como no Brasil, onde o
código civil até poucas décadas atrás considerava o homem como chefe de
família, e, somente na sua ausência, a mulher poderia tomar decisões de forma
independente.
A
política do governo bolchevique em defesa da mulher, igualando-a juridicamente
ao homem e atendendo reivindicações fundamentais, ganhou adeptas no mundo todo
estimulando o movimento de mulheres de uma forma nunca vista antes, uma vez que
era a expressão do interesse de milhares de mulheres que entravam em massa no
mercado de trabalho, tornando-se politicamente a referência mundial de
luta pelos direitos da mulher.
Posteriormente,
com a vitória da burocracia stalinista contrarrevolucionária na União Soviética
a legislação a favor da mulher vai ser paulatinamente revogada, retirando-se o
direito ao aborto, impondo restrições ao divórcio, retirando conquistas da
mulher e comprovando a ideia de que a opressão da mulher nada mais é um aspecto
da política contrarrevolucionária da burguesia mundial, da qual a burocracia
stalinista foi nada mais e nada menos que um agente no interior do Estado
operário.
Uma adaptação do imperialismo
Os EUA
até o final dos anos 60 se opunham, a que fosse comemorado o dia internacional
da mulher, pelo seu caráter revolucionário o que se acentuou no marco da
política de luta mortal contra a revolução mundial através da Guerra Fria.
Será o
ascenso revolucionário que percorreu o mundo em 68 vai trazer novamente as
comemorações do 8 de março para o terreno das manifestações de massa fazendo
surgir no mundo inteiro amplos movimentos de libertação da mulher, bem como
teorias feministas de caráter pequeno-burguês que evoluíam no vazio deixado
pela crise de direção histórica da classe operária.
Com o
mundo convulsionado pelas mobilizações políticas do final dos anos 60 e na
década de 70 o imperialismo vai mudar de política, adotando a democracia como
política de controle e estrangulamento das tendências revolucionárias presentes
na situação política mundial, política esta simbolizada pela política de
“direitos humanos” do presidente norte-americano Jimmy Carter.
A
decretação pela ONU, do ano de 1975, como Ano Internacional da Mulher vai
corresponder a esta mudança de política, a qual significa que o imperialismo
apoiará demagogicamente – uma vez que nada é feito de fato – algumas
reivindicações populares, para romper o isolamento em que as mobilizações
colocaram a direita anticomunista, promovendo uma nova roupagem para a mesma
política de ataque às mulheres e aos explorados. Esta política será possível,
também, devido ao declínio dos movimentos de mulheres da década de 60 e 70,
agora dominados pelas personalidades burguesas, pela cooptação governamental e
pela política democratizante do imperialismo.
A década
de 1975 a 1985 será considerada pela ONU a década da mulher e será organizada a
1º Conferência Mundial da Mulher no México.
Em 1977 a
Unesco declarará oficialmente o 8 de Março como o dia internacional da mulher e
nos anos de 1980, 1985 e 1995 serão organizadas respectivamente as conferências
mundiais da Mulher em Copenhague, Nairóbi e Pequim.
Estas
iniciativas serviram para tentar apagar a história dos verdadeiros movimentos
de defesa da mulher, os socialistas e a Revolução Russa, ao mesmo tempo em que
reciclou a imagem repressiva e reacionária da burguesia imperialista para
conseguir submeter a mulher a uma situação de exploração (com a revogação das
suas conquistas sociais históricas) de submetimento aos homens, à legislação
reacionária, à ideologia da mulher como instrumento.