Créditos da Imagem: The Costa Rican Times. |
Por
Mario Bunge
Publicado na La Alternativa Racional
Publicado na La Alternativa Racional
Quando optamos por uma alternativa racional não costumamos
perguntar em que consiste a racionalidade e nem a que se opõe. Este é um erro,
porque o termo “racional” é multívoco. Em efeito, na linguagem ordinária
“racional” se opõe ao “irreflexivo”, infundado, admitido sem exame prévio, ou
incluindo o oposto a experiência ou a razão. Na tradição laica, o racional é o
agnosticismo e o ateísmo, por se opor a fé religiosa, que é cega ou dogmática.
Na economia neoclássica e em algumas teorias politológicas, “racional” é
sinônimo de “egoísta” ou “maximazador de benefícios”. Na tradição filosófica, a
razão se opõe a empiria ou a intuição. Finalmente, em epistemologia se entende
que o racional é tudo o quanto se embasa na experiência fundamentada e na
argumentação rigorosa (logicamente válida), e ao mesmo tempo inclui uma dose de
ceticismo, isto é, a admissão da possibilidade de erro. Se adotarmos uma
atitude racional, seremos racionalistas? Sim, segundo a linguagem ordinária.
Não em outros contextos, pode-se ser racional ou razoável sem ser racionalista
no sentido filosófico. Em efeito, é possível ser racionalista e empirista,
assim como se pode ser em tempo cético e cientificista. Por exemplo, Voltaire e
Hume eram céticos, mas enquanto o primeiro era racionalista, o segundo era
empirista; e ambos eram racionalistas no sentido vulgar do termo, porque não
acreditavam em fantasmas, pessoas divinas, adivinhos e nem astrólogos.
Nossos contemporâneos Martin Gardner e Isaac Asimov
colaboraram com a The Skeptical Inquirer, onde criticaram as crenças
pseudocientíficas, e são ao mesmo tempo racionalistas e empiristas. O anterior
sugere que, de cara ao fundamentalismo religioso e a pseudociência, qualquer
dos epítetos anteriores – racionalista, empirista, cético e cientificista –
podem ser adequados: os quatro grupos estão unidos contra o charlatanismo e o
autoengano. Mas não estão unidos em outros aspectos. Por exemplo, pode-se ser
racionalista e empirista sem ser cético e nem cientificista, como mostra o caso
de Martin Gardner, crítico da pseudociência e deísta (mas não teísta). E
pode-se ser cientificista sem ser racionalista, empirista ou cético de modo
radical, isto é, com exclusão das demais posições. Isto sugere que, enquanto as
quatro posições mencionadas se sobrepõem parcialmente, não são idênticas. Isto
se compreende melhor quando se as define e as compara entre si suas definições.
Propúnhamos as seguintes definições sugeridas nas obras
anteriores [1] [2]:
1 - Racionalismo:
confiança no poder da razão. Racionalismo radical ou extremo: a razão basta
para conhecer a realidade. Racionalismo moderado: a razão é necessária, mas não
suficiente para conhecer a realidade; para este último deve se unir com a
experiência (racioempirismo).
2- Empirismo: confiança
no poder da experiência. Empirismo radical: a experiência é suficiente para
conhecer a realidade. Empirismo moderado: a experiência (em particular, a
experimentação científica e o ensaio técnico) é necessária, ainda que não seja
suficiente, para conhecer a realidade; para este último deve ser unir com a
experiência (empirioracionalismo, idêntico ao racioempirismo).
3 - Ceticismo:
desconfiança no poder da razão e da experiência. Ceticismo radical ou de
princípio: o conhecimento verdadeiro é impossível. Ceticismo moderado ou
metodológico:o conhecimento definitivo é ilusório, salvo em casos triviais, mas
a investigação (científica, técnica ou humanística) é capaz de aprender amanhã
o que ignoramos hoje (ceticismo meliorista).
4 - Cientificismo:
confiança vidente (não cega ou dogmática) no poder da síntese da razão, da
experiência e do ceticismo, que se dá na investigação científica e na técnica.
Cientificismo radical: a investigação científica é a melhor via de acesso
(ainda que não seja única e nem perfeita) a realidade, seja natural ou social.
Cientificismo moderado: a investigação científica, ainda que seja o melhor modo
de conhecer a natureza, não ajuda a conhecer a sociedade.
As quatro posições ou doutrinas são racionais no sentido
mais amplo do termo, que é também popular: as quatro rejeitam o obscurantismo e
o charlatanismo. É racional o racionalista que busca ou exige argumentos
válidos, tanto como o empirismo que busca ou pede dados firmes. É racional o
cético que põe em dúvida dados e critica hipóteses, tanto como o cientificista
que busca verdades melhores (ainda que seja rara e algumas vezes definitivas).
No entanto, tanto o racionalismo como o empirismo e o ceticismo, ao sublinhar
certos aspectos da busca da verdade à custa de outros, fornecem imagens parciais
e, portanto, apenas parcialmente verdadeiras da realidade. O cientificismo une
as três vertentes em uma doutrina única, embora trilateral: de uma só vez
racionalista, empirista e cética. Mas o racionalista moderado, que acredita nas
ciências naturais e não nas sociais, permanece na metade do caminho; mais
ainda, desconhece a existência de ciências híbridas, tais como a antropologia,
a demografia e a bioeconomia, que refutam a dicotomia idealista entre as
ciências da natureza e as ciências do espírito (ou morais). Apenas o
cientificista radical é consequente ao ignorar tal barreira imaginária e ao ter
confiança no poder da investigação científica para descobrir gradualmente os
alegados mistérios da alma humana e da sociedade. Ademais, aposta nos valores
que estão em alta – em alta para todos os lugares, exceto para os baluartes do
obscurantismo filosófico e ideológico.
Autor:
Mario Bunge tem sido professor de física teórica e
filosofia em Buenos Aires, Pensilvânia e Montreal. Na atualidade desempenha sua
atividade na McGill University de Montreal, no Canadá. Entre suas obras
destacam-se: “La Causalidad”, “Intuición y Ciencia”, “Teoría y Realidad”,
“Filosofía de la Física”, “Treatise on Basic Philosophy”, “Epistemología”,
“Materialismo y Ciencia”, “La Investigación Científica”, “El Problema
Mente-cerebro”, “Seudociencia e Ideología” e “Racionalidad y Realismo”. Em
1982, foi agraciado com o prêmio Príncipe das Astúrias de Comunicação e
Humanidades. É membro do Comitê para a Investigação Científica de Alegações do
Paranormal (CSICOP) e Sócio de Honra da Alternativa Racional para as
Pseudociências (ARP).
Notas
[1] Bunge, Mario. Seudociencia e Ideología. Alianza
Editorial (Col. Alianza Universidad, Nº 440). Madrid 1985.
[2] Bunge, Mario. Intuición y Razón. Técnos. Madrid 1985.