Protagonismo, ou: somos todos protagonistas?



Ronda no campo social e político dito progressista (ou em especial na corrente pós-moderna), mais em específico às minorias como LGBT, movimento negro e feminista, a questão do protagonismo. A despeito disso nessa corrente, alguns agentes trata o “protagonismo” como algo somente aqueles que vivenciam podem se colocar como “protagonista” do problema e de suas determinações.

Vejamos o caso de Fernando Holiday – negro, pobre, conservador e primeiro gay assumido eleito como vereador em São Paulo. Sim, ele não é progressista! É autodenominado conservador. Mas aqui não é o fato dele ser ou não progressista, mas sim sua postura como um ser político. Esse rapaz faz parte de um grupo reacionário onde foram financiados para implementação e retroação a um projeto de desmantelamento das políticas sociais e, em consequência, em prol do Capital. Contudo, o ponto do texto não é esse aqui.

As falas do rapaz ao longo de sua militância e dentro de seu “protagonismo”, muitas vezes agressivas, geraram polêmica. Enquanto negras e negros tentavam desconstruí-las, inúmeras pessoas brancas as utilizaram para justificar o combate a medidas que tenham como objetivo a igualdade étnica. Afinal, ele é o “protagonista” pelo fato de ser negro dado que a vivência dele é levada em conta pela cognoscibilidade das experiências vividas por ele (pois a sociedade o moldou de forma tal).

O Fernando só reproduz esse discurso reacionário e perpetuador das coisas como estão, no final das contas, pois ele próprio é vítima do racismo que a sociedade mantém. Talvez por esta razão ele próprio tenha “fãs” brancos onde usam dele para deslegitimar pautas de igualdade racial e combate ao preconceito. Isto serve, partindo do protagonismo dele, a um espaço para outros jovens até mesmo negros ratificar as ideias dominantes e se portarem de acordo com tais ideais.

“O governo se demonstra preconceituoso no momento que institui as cotas raciais, porque está admitindo que eu, por ter um pouco mais de melanina, preciso roubar vagas dos outros. Isso não é justo. Não preciso roubar vaga de ninguém!”, esbravejou Fernando Holiday em um de seus vídeos pela Internet.

Este é um dos principais argumentos empregado para defender que cotas seriam desnecessárias, onde um dos motivos estariam aí. O próprio se diz liberal, mas o mais engraçado disso ser um discurso antiliberal, porque defende a perpetuação de privilégios. Nem preciso adentrar nas questões históricas de escravismo que tivemos até bem pouco tempo atrás.

Não é preciso ser pai de um adolescente para ensiná-lo a respeitar as mulheres por serem mulheres e não as tratar de forma a submetê-las inferiores, etc. Bem como não precisamos ser gays, lésbicas ou transexuais para falar sobre LGBTfobia – nem sermos protagonistas. E se o termo “protagonista”, portanto, designar um indivíduo que se lança à linha de frente das batalhas – sem qualquer vaidade de si ou inveja dos companheiros – tal como o Fernando Holiday (que reúne pautas de minorias em uma só pessoa)?

As vertentes das feministas mais radicais usam do argumento que “apenas mulheres podem falar sobre machismo”, pois “todos homens são opressores e machistas mesmo quando estão bradando em nosso nome, porque isso é paternalismo, subestimação da mulher”, etc. Ora, será por que eu, consciente e dotado da racionalidade, sabedor que o machismo é um mal que acomete toda uma sociedade, não posso ser parte para uma busca de uma solução do problema? Ou, simplesmente, ao dispor de uma militância seja onde for, em prol da causa, é “roubar o protagonismo”?

O que se deve atentar é o fato que há tantos homens machistas quanto mulheres. Uns nem são (no caso dos homens), e há mulheres que perpetuam o machismo chegando a defendê-lo como algo “normal”. Assim, tanto homens quanto mulheres devem estar unidos para esta luta para fazer o machista não o ser – se assim ficar claro.

O negro, o homossexual, etc. são protagonistas de si na sua particularidade, singularidade; e isso é perfeitamente compreensível e evidente. Trata de sua identidade, seu ser social que age – ou deve agir – de forma consistente e coesa dentro de seu próprio grupo de militância. Qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade e possuidor de dois neurônios funcionando sabe o que é racismo e, portanto, não precisa “ser negro para saber o que é”. Mas, sim, o indivíduo é um ser único, dentro de suas particularidades para senti-lo.

E não é por acaso o exemplo concreto que dei sobre Fernando. E fiz por inúmeras razões dentro de suas especificações. O discurso ideológico dele ignora fortemente qualquer perspectiva histórica dos problemas por seu “protagonismo”. Um tempo atrás um jovem como ele, por mais exemplar que fosse aos estudos e engajado, não adentraria numa Universidade (ou muito menos sido eleito vereador da maior capital do país com sua pouca idade) pelo fato de ser negro e pobre. Foi justamente a luta do movimento negro por direitos e igualdade, pelo mínimo que fosse, que permitiu abertura de espaço para ele próprio estudar e exercer direitos políticos. Isso sem contar a luta pela igualdade e combate ao preconceito sexual...

Em resumo, pautas de minorias e movimentos destes gêneros são indiscutíveis suas reivindicações. Entretanto, saber que para uma humanização do ser social, no respeito, na sua inviolabilidade, em suas particularidades concerne toda uma humanidade não apenas do ser em si. Pessoas vem e vão, ideias ficam. O mais importante: somos agentes da História. Pois façamos das ideias um projeto universal onde todos sejamos protagonistas dentro de uma totalidade. 


Wesley Sousa

4 Comentários

  1. Muito bom o texto, parabéns. ALiás, gostei muito de seu blog. Já acompanhava seus textos do Bule Voador.

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    1. Obrigado, Vinícius. Esteja sempre a acompanhar. Apesar da falta de tempo, sempre dou jeito de poder contribuir ao máximo que posso.

      Abraços!

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