Publicado originalmente
em Sozialdemokartische Korrespondez, Nº 27, 5 de março de 1914.
Publicado no Brasil no livro: ROSA
LUXEMBURGO: textos escolhidos vol. I, organizado por Isabel Loureiro - Editora
UNESP, páginas 493-496.
O
dia da proletária inaugura a semana da Social-Democracia (1). O partido dos deserdados coloca a sua coluna feminina no front ao
partir para a dura luta pela jornada de oito horas, a fim de espalhar a semente
do socialismo sobre novas terras. E a igualdade de direitos políticos das
mulheres é o primeiro mote que ela levanta, ao se prestar a recrutar novas
seguidoras em prol das reivindicações de toda a classe trabalhadora.
Hoje,
a proletária assalariada moderna pisa no palco público tanto como a
protagonista da classe trabalhadora quanto, ao mesmo tempo, de todo o gênero
feminino, a primeira protagonista em milhares de anos.
A
mulher do povo teve de trabalhar pesado desde sempre. Na horda bárbara ela
carrega o peso, coleta alimentos; no povoado primitivo, planta e mói o cereal,
faz panelas; na Antiguidade, como escrava, serve os senhores e amamenta os
rebentos; na Idade Média, fiava para o senhor feudal. Mas, desde que existe a
propriedade privada, na maioria das vezes a mulher do povo trabalha separada da
grande oficina na produção social, ou seja, separada também da cultura,
encurralada na estreiteza doméstica de uma pobre existência familiar. Foi
apenas capitalismo que a arrancou da sua família e a colocou sob o fardo da
produção social, empurrou-a para as lavouras de outrem, para as oficinas,
construções, escritórios e lojas. Como mulher burguesa, a mulher é uma parasita
da sociedade, sua função consiste apenas em auxiliar no consumo dos frutos da
exploração; como pequeno-burguesa, ela é o animal de carga da família. E apenas
na proletária moderna que a mulher se toma um ser humano, pois e apenas a luta
que produz o ser humano, a participação no trabalho cultural, na história da
humanidade.
Para
a mulher burguesa proprietária, sua casa e o mundo. Para proletária, todo o
mundo é a sua casa, o mundo com o seu sofrimento e sua alegria, com sua
atrocidade fria e seu tamanho. A proletária vaga com o trabalhador do túnel que
liga a Itália a Suíça, acampa em barracas e seca, enquanto cantarola, a roupa
dos bebês ao lado de rochas explodindo. Como trabalhadora sazonal do campo, no
início do ano, ela encontra-se no barulho das estações de trem, sentada sobre
os seus humildes pertences, um lencinho cobrindo o penteado simples aguarda
pacientemente para ser transportada do leste para o oeste No que do navio a
vapor ela se desloca com as ondas que levam a mi séria da crise da Europa para
a América, em um amontoado de e idiomas de proletários famintos, para, quando a
onda de refluxo uma crise americana se fizer presente, retomar para a miséria
familiar da Europa, para novas esperanças e decepções, para uma nova caça por
trabalho e pão.
A
mulher burguesa não tem nenhum interesse real em direitos políticos pois não
exerce uma função econômica na sociedade, pois usufrui dos frutos acabados da
dominação de classe. A reivindicação, por igualdade de direitos femininos é,
onde ela se manifesta nas mulheres burguesas, mera ideologia de alguns grupos
fracos, sem raízes materiais, um fantasma da oposição entre a mulher e o homem,
uma esquisitice. Por isso, o caráter anedótico do movimento das sufragetes (2).
A
proletária precisa de direitos políticos, pois exerce a mesma função econômica
que o proletário masculino na sociedade, se sacrifica igualmente para o
capital, mantém igualmente o Estado, e igualmente sugada e subjugada por ele.
Ela tem os mesmos interesses e, precisa, para sua defesa, das mesmas armas.
Suas reivindicações políticas estão profundamente enraizadas no abismo social
que separa a classe dos explorados da classe dos exploradores; não na oposição
entre o homem e a mulher, mas na oposição entre o capital e o trabalho.
Formalmente,
o direito político da mulher insere-se harmonicamente no Estado burguês. O
exemplo da Finlândia, dos Estados americanos, de comunidades isoladas, prova
que a igualdade de direitos das mulheres ainda não derruba o Estado, não toca
na dominação do capital. Mas como o direito político da mulher e, hoje, uma
reivindicação de classe puramente proletária, então, para a atual Alemanha
capitalista, ele e como o sopro do juízo final. Como a república, como a
milícia, como a jornada de oito horas, o direito de voto das mulheres apenas
pode vencer ou sucumbir junto com toda a luta de classes do proletariado,
apenas pode ser defendido com os métodos proletários de luta e os seus meios de
poder.
Defensoras
burguesas dos direitos das mulheres querem adquirir direitos políticos para
então tomarem parte na vida política. A mulher proletária apenas pode seguir o
caminho da luta trabalhadora, que, inversamente, conquista cada palmo de poder
efetivo para, apenas assim, adquirir os direitos escritos. No princípio de toda
ascensão social era a ação. As mulheres proletárias precisam fincar pé na vida
política por meio de sua participação em todos os domínios, apenas assim e que
elas criam um fundamento para os seus direitos. A sociedade dominante lhes recusa
o acesso aos templos de seus fóruns deliberativos, outra potência dessa época
lhes escancara as portas — o Partido Social-Democrata. Aqui, em fileiras e
membros da organização, estende-se diante da mulher proletária um campo
incalculável de trabalho político e poder político. Apenas aqui a mulher e um
fator no que se refere a igualdade de direitos. Ela e introduzida na oficina da
história por meio da social-democracia, e aqui, onde agem forças ciclópicas,
ela alcança a igualdade de direitos efetiva, ainda que o direito escrito de uma
constituição burguesa lhe seja negado. Aqui, ao lado do homem, a mulher
trabalhadora sacode as colunas da ordem social vigente e, antes que esta lhe
conceda um direito aparente, ela ira ajudar a pôr em ruínas essa ordem social.
A
oficina do futuro necessita de muitas mãos e de bastante fôlego. Um mundo de
lamúria feminina aguarda libertação. A mulher do pequeno camponês suspira a
beira do colapso sob o fardo da vida. Ali, na África alemã, no deserto do
Kalahari, permanecem os ossos de mulheres Hereros indefesas, que foram levadas
pelos soldados alemães a pavorosa morte de fome e sede. Do outro lado do
oceano, nos altos rochedos de Putumayo, perdem-se, inaudíveis para o mundo,
gritos de morte de mulheres indígenas torturadas nas plantações de borracha de
capitalistas internacionais.
Proletária,
a mais pobre dos pobres, a mais injustiçada dos injustiçados, vá a luta pela
libertação do gênero das mulheres e do gênero humano do horror da dominação do
capital. A social-democracia concedeu a você um lugar de honra. Corra para o
front, para a trincheira!
Notas de rodapé:
(1) No ano de 1914 o
Dia Internacional da Mulher, 8 de março esteve sob o signo da luta pelo direito
de voto e pela igualdade de direitos da mulher. Com esse dia da mulher
social-democrata, foi inaugurada a "Semana Vermelha" do partido de 8
a 15 de março de 1914, que serviu à agitação da social-democracia e da sua
imprensa. Como resultado, pôde ser registrado um crescimento significativo de
membros e de um aumento do número de assinantes da imprensa. (retornar
ao texto)
(2) Como
"sufragetes" ficaram conhecidas, na Grã-Bretanha, em primeiro lugar,
as lutadoras pela igualdade politica de direitos das mulheres e, também, as
seguidoras do movimento de direito de voto das mulheres. (retornar
ao texto)
Nota do blog:
A “social-democracia”
que a autora coloca não é o mesmo que o capitalismo de “bem-estar” atual que mal se dá em meia dúzia de países (hoje só o “bem”
no sentido mais icônico). Era a “social-democracia” no sentido “socialista” da
palavra. Algo que o Eric Hobsbamw coloca no texto Renascendo
das Cinzas.