Ateísmo e materialismo

Por Wesley Sousa - graduando em Filosofia pela UFSJ


Para o senso comum, quando se fala em “ateísmo”, nota-se uma clara objeção ao que renega fortemente a ideia metafísica de um ser Supremo. Notavelmente, as redes sociais contribuíram – e contribuem muito – para o chamado “ateísmo militante” (enfaticamente atuante nas Universidades e espaços acadêmicos em geral, de certa forma).

O importe é saber que o ateísmo, assim como a homossexualidade, não é puramente uma opção. E isso fica claro, no caso do ateísmo, quando se utiliza o materialismo ontológico. Só um alerta para quem continuar lendo: quando falo de ateísmo, falo do ateísmo ativo, militante, não do que deriva da compreensão do ser tomado como sua própria determinação.



Richard Dawkins, biólogo britânico. Um dos principais expoentes do ateísmo militante atualmente


O ateísmo em si próprio é idealista, e por isso um pouco “conservador”, porque não reflete a humanização do ser social. Ele vocifera de forma aberrante contra esse próprio desenvolvimento apesar de pensar a si próprio como um momento superior do desenvolvimento do ser social realizando-o através da ideia – da consciência –, por isso não só não compreende os fundamentos da sua crítica, como não compreende nem a sua própria existência. Perde-se, assim, um tanto da noção real daquilo que se tem como crítica.

O Novo Ateísmo já teve sucesso em modificar a paisagem cultural da civilização ocidental, tornando muito mais aceitável ser ateu abertamente, dando aos ateus visibilidade pública, ainda que menos constrangedora. Entretanto, não basta uma “atividade ateísta” ante o racionalismo e o desenvolvimento de si para si. Como disse Karl Marx: “A crítica da religião está enfim terminada”. Ele diz isso na Introdução da Crítica da filosofia do direito de Hegel. Mas o “término” da crítica não é porque esgotou-se o conhecimento e o desenvolvimento das formas de religião, mas sim porque “o homem é o sol que gira ao seu próprio redor”, sendo que “a crítica da religião desengana o homem a fim de que ele pense, aja, configure a sua realidade como um homem desenganado, que chegou à razão, a fim de que ele gire em torno de si mesmo, em torno de seu verdadeiro sol. A religião é apenas o sol ilusório que gira em volta do homem enquanto ele não gira em torno de si mesmo.”.


Karl Marx, filósofo, sociólogo alemão. Um dos maiores pensadores da Era Moderna


E é disso que se precisa: não apenas criticar o Reino dos Céus sem antes atentar ao mundo real, o mundo humano. O próprio Marx diz em “A Sagrada Família”: “Se o homem forma todos seus conhecimentos, suas sensações etc. do mundo sensível e da experiência dentro desse mundo, o que importa, portanto, é organizar o mundo empírico de tal modo que o homem faça aí a experiência, e assimile aí o hábito daquilo que é humano de verdade, que se experimente a si mesmo enquanto homem”. Tanto é verdade e necessário compreender a alienação da essencialidade e das potencialidades humanas em uma figura exterior não é possível. Apenas com a constatação deste fato, mas sim, com uma ontologia do ser social para a compreensão real das relações humanas. Ao desvelar o fundamento do ser social, e encontrar nesse desvelamento a relação ontológica entre sujeito e objeto, é possível compreender o ser humano por um objetivo, pois este objetivo é o autoconhecimento e das ciências.

Em realidade, a crítica da fé de um indivíduo, por si, é o mais pueril que há em termos de fundamentação do pensamento – o idealismo ontológico. E, ao fazerem este caso, os Novos Ateus quebraram um tabu de longa data contra criticar a fé de uma pessoa. Alguns Novos Ateus na esquerda (em termos estadunidenses) — incluindo Sam Harris, Jerry Coyne, Richard Dawkins e Michael Shermer — uniram suas vozes com muitos à direita por dizerem que há perigos singulares associados com a jihad, como o martírio.

Por falta de noção ontológica materialista, é inevitável que seus ímpetos e anseios esquerdistas (aos brasileiros) se enredem em um tanto de contradições por claramente navegar no idealismo vulgar. Pois a superação das formas de consciência que este ser tem do mundo engendra dados pelo aspecto de externalidade com o qual o mundo aparece, nisso “as leis sociais aparecem como objetividades de igual estatuto que as leis naturais”, e o mundo aparece como absolutamente externo, evidentemente que a forma de consciência (que constitui uma necessidade da reprodução social) é aquela que Lukács chamou, tomando o conceito de Nicolai Hartmann, de intentio obliqua, isto é, a explicação de mundo é uma necessidade dos homens de explicarem sua vida, encontrarem sentido na sua cotidianidade, feita por explicações falsas do mundo que, no entanto, permitem aquela reprodução. Um exemplo é dado por Lukács, ao explicar como o geocentrismo servia para a orientação no mar, mesmo que não fosse um conhecimento verdadeiro. Igualmente, a forma religiosa produz um mecanismo de explicação e regulação social já que está imbricado na moral e na ética para o ser que faz dessas “leis” – religiosas – sua forma de vida. 






E certamente sabendo disso que o filósofo alemão Karl Marx não fez do ateísmo um estandarte para sua militância política, para evitar que “a crítica do céu [transforme-se] na crítica da terra, a crítica da religião na crítica do direito, a crítica da teologia na crítica da política”. E Frederico Lambertucci ratifica que a crença, a fé etc. só é superável na medida em que as relações sociais em que os seres humanos estejam conscientes (e conscientes no sentido ontológico), que seja perceptível sua vinculação genérica na própria reprodução social, que nas relações cotidianas apareça a estes que a sua reprodução é genérica.

E Frederico prossegue dizendo que “a superação desta forma de consciência religiosa só é possível, na superação destas próprias relações sociais de produção e reprodução da vida social que a engendram. Obviamente, em nossa sociedade, o ser social já é maduro e é possível perceber as relações como relações puramente sociais, a religião encontra-se como fruto do processo de alienação e retificação gerado por essas próprias relações sociais determinadas, e tem em seu cerne a tendência de ser conservadora justamente por ser a consciência obnubilada, reificada desta forma social”, isto é, em outras palavras, somente com a consciência de si para si, educando-se de forma a tornar perceptível em cada um, que as reproduções alegóricas perderão valores.

O próprio ateísmo militante está carente dessa forma de trazer à tona essa questão alienada. O caminho adiante requer que sejamos capazes de falar honestamente sobre a forma de superação da crença que Marx categorizou como sua capacidade de “[arrancar] as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem suporte grilhões desprovidos de fantasias ou consolo, mas para que se desvencilhe deles e a flor viva desabroche”. Pois a religião é um sistema ideológico que fundamenta exploração do ser e por isso “a exigência de que [as pessoas] abandonem as ilusões acerca de uma condição é a exigência de que abandonem uma condição que necessita de ilusões” (Intro à Crit. do Direito).

Embora seja claramente visto o “aparecimento” de ateus (ou os descrentes à religiosidade), as raízes estão submersas em nós, sendo nós a reprodução real do processo concreto das determinações sociais. Por esta razão, essa espécie de ateísmo militante é uma ignorância e uma forma de consciência decadente, quase em medida daquela contra a qual luta incessantemente.


Referências bibliográficas:


___ MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, A Sagrada Família.

___ MARX, Karl, Introdução à Crítica do Direito de Hegel.
Wesley Sousa

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