Imagem que celebra a Comuna de Paris, primeira tentativa de revolução proletária e referência para todas as tendências revolucionárias posteriores. |
Por Nildo Viana, professor da Faculdade de Ciências Sociais na Universidade Federal de Goiás e autor de Escritos Revolucionários sobre a Comuna de Paris (Rizoma, 2011).
Publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional ano 11, nº 122.
Durante
dois meses, a Comuna de Paris envolveu um milhão de habitantes em práticas de
autogestão generalizada. Primeira tentativa de Revolução e autogestão de
trabalhadores, a Comuna de Paris (1871) foi recebida com entusiasmo pelos mais
famosos teóricos do comunismo e do anarquismo; de Marx e Bakunin a Kropotkin,
Rosa Luxemburgo, Kautsky, Lênin, Trotsky, Korsch e Lefebvre.
Ainda
hoje, historiadores e sociólogos se dedicam ao estudo daquele acontecimento,
que terminou com um banho de sangue: foram 20 mil operários fuzilados. Apesar
da derrota e do fim trágico, o episódio se tornou uma das mais persistentes
fontes de inspiração de movimentos contestadores. Entender a Comuna de Paris é
entender um dos capítulos mais importantes da modernidade e dos movimentos
operário e comunista.
O
desenvolvimento industrial emergente na França, especialmente em Paris, formava
uma classe operária em convivência com vários outros trabalhadores do campo e
da cidade, como camponeses, artesãos e comerciários. Ao mesmo tempo, a
constituição do Estado bonapartista, o regime monárquico instaurado pelo golpe
de Estado por Napoleão III (1852-1870), criou uma enorme máquina burocrática.
As péssimas condições de trabalho, a intenção exploração dos trabalhadores e as
formas precárias de vida geravam crescente insatisfação. Na época, o movimento
e a cultura socialista já tinham grande presença nos meios operários, e sua
proposta de transformação social provocava temor entre os poderosos.
A barricada ou a espera, tela de
André Devambez, pintada em 1911, 40 anos após a Comuna de Paris se encontra
hoje no Palácio de Versalhes.
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Em
julho de 1870, eclodiu a guerra franco-alemã, fruto de uma disputa antiga entre
os grandes impérios francês e prussiano, em batalhas que bateram às portas de
Paris. A força superior dos alemães e sua vitória iminente levaram à
capitulação do governo francês. A população parisiense, no entanto, ergueu-se
em resistência por meio da guarda nacional e de outros setores, tais como os
operários, que receberam armas para enfrentar o exército inimigo. Esse processo
ficou conhecido, através da pena de Karl Marx, como “o povo em armas”. A partir
de então, os trabalhadores não apenas organizaram milícias operárias, como
também começaram a tarefa de reorganizar a sociedade por conta própria, sem um
aparato burocrático central comandado por dirigentes estatais. Era o processo
de abolição do Estado e de autogestão da cidade de Paris.
A
comuna de Paris foi decretada no dia 18 de março de 1871, mas a repressão do
governo oficial francês – após ser firmada paz com os alemães – fez a
experiência durar pouco: apenas dois meses. Mesmo nesse curto período de tempo,
o conjunto de mudanças a anunciadas, iniciadas ou desenvolvidas esboçou uma
sociedade comunista. Entre as iniciativas estavam a abolição do exército
permanente e sua substituição pela auto-organização armada da população, a
troca do aparato estatal burocrático pelo autogoverno dos produtores, a
desapropriação de casas vazias e sua ocupação por trabalhadores sem residência
própria. Outras mudanças foram iniciadas, como a alteração nas relações entre
homens e mulheres, pais e filhos, antes dominados por autoritarismo, sendo
substituídas por relações igualitárias. Uma nova forma de educação, fundada em
princípios autogestionários, começou a ser enfatizado no lugar do tradicional
modelo autoritário. A autogestão também foi concretizada nas fábricas
abandonadas pelos capitalistas.
Algumas
medidas não superaram os limites do capitalismo por causa do curto tempo que a
Comuna durou numa cidade sitiada por um poderoso inimigo militar. Foi o caso da
adoção de salários iguais aos dos operários para todos os trabalhadores, sem
distinção. O projeto comunista, desde Marx (Salário, Preço e Lucro, 1865),
apontava para a abolição do trabalho assalariado, o que não seria possível
concretizar no período de dois meses numa cidade sitiada.
O grande efeito da Comuna de Paris foi a
autogestão territorial não apenas das milícias populares, mas também da cidade
como um todo. Paris tinha mais de Um
milhão de habitantes e limitados recursos tecnológicos e de transporte. O
principal meio de comunicação era o telégrafo, e as correspondências eram
trocadas por cartas. Apenas a elite tinha carros. O trem era o principal meio
de transporte coletivo, e os ônibus ainda precisavam ser puxados por cavalos.
Nesse contexto, a Comuna organizou-se de forma autogerida, através de
assembleias que efetivam as decisões coletivas, e de delegados comunais, que
estavam submetidos aos princípios de eleição, remoção, substituição e
responsabilidade. Eles eram eleitos e não tinham mandato fixo – poderiam ser
removidos ou substituídos a qualquer momento, desde que a coletividade assim o
desejasse. Os delegados também não podiam defender interesses particulares ou
tomar decisões por conta própria, sua responsabilidade era executar as
deliberações coletivas.
Por ter sido a primeira tentativa de
revolução proletária, a Comuna de Paris tornou-se referência para todas as
tendências revolucionárias posteriores.
Para algumas do movimento socialista, até os dias de hoje, representa um modelo
alternativo às referências dos regimes burocráticos do “socialismo real”
(incluindo a antiga URSS, China, Cuba, Coréia do Norte etc.). Apesar dos
questionamentos de outros sobre suas falhas e limites, continua sendo
inspiração para as novas gerações do movimento revolucionário e fonte de
permanente questionamento: é possível uma sociedade fundada na autogestão
generalizada?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GONZÁLEZ, Horácio. A Comuna de
Paris. Os Assaltantes do Céu. São Paulo: Brasiliense, 1982.
LISSAGARAY, Prosper-Oliveira.
História da Comuna de 1871. São Paulo: Ensaios, 1995.
MARX, Karl. A Guerra Civil na
França, Rio de Janeiro: Global, 1986.