Por:
Maria Teresa Moreno Valdés
Publicado
originalmente no blog Escola Classe
Varjão
Nenhum livro que refletisse sobre a obra de
Vygotsky no atual cenário da educação estaria completo, se não tentasse destacar
algumas de suas mais importantes implicações na educação especial. (…) as ideias
de Vygotsky fornecem a base de uma abordagem bastante útil para a
compreensão de algumas das importantes questões atuais relativas à
prática da educação especial. (Evans, 1995, p. 69)
A psicologia sócio-histórica
As
bases da denominada “Psicologia sócio-histórica” apareceram com o
enfoque histórico-cultural na década de 20 do século passado com os trabalhos
desenvolvidos por Lev Semiónovich Vygotsky e seus colaboradores (Luria,
Leontiev, Bozhovich, Elkonin, Zaporozhets, Galperin, dentre outros) que de
forma explícita assumem essa designação e que continuaram desenvolvendo a
teoria após a prematura morte de Vygotsky, em 1934, aos 38 anos. E interessante
colocar que sua obra não foi publicada na antiga URSS até 1956, em que aparece
um de seus livros, no entanto, suas Obras
Completas não apareceram até 1981. As conclusões teórico-metodológicas
estabelecidas por ele a partir de um enfoque criativo e de um profundo
conhecimento da filosofia materialista-dialética repercutiram amplamente na
Psicologia e na Educação e além de nortear os trabalhos dos seus seguidores têm
transcendido a todo o mundo a partir de sua difusão na década dos 80 (WERTSCH;
ROGOFF, 1984; VALSINER, 1984; MOLL, 1995 apud VALDÉS et ai, 1996). Seria extremamente
difícil abarcar em um só artigo a contribuição de todos os autores do enfoque
histórico-cultural, motivo pelo qual analisarei fundamentalmente o aporte de
Vygotsky.
Contribuições à Psicologia e à Educação
de modo geral
Já
em 1962, no prólogo da primeira tradução inglesa de sua obra Pensamento e
Linguagem, Bruner explicou que a teoria de Vygotsky sobre o desenvolvimento é
ao mesmo tempo uma teoria sobre a Educação. Vale também destacar que, desde
muito cedo, no seu trabalho como professor se interessou pelas crianças
denominadas na aquela época “com defeito” (as quais hoje denominaríamos com
Necessidades Educacionais Especiais), de tal forma que se considera a esses
estudos como fonte experimental de sua teoria histórico-cultural. Para ele,
“A criança cujo desenvolvimento se há
complicado por um defeito, não é simplesmente menos desenvolvido que seus
coetáneos normais, é uma criança desenvolvida de uma outra forma” (Vygostky, 1989, p. 3)
Resulta
interessante a análise que propõe da “estrutura do defeito”, conceito no qual
analisa as particularidades de expressão das “dificuldades” da criança e
destaca a necessidade de conhecer e aproveitar as potencialidades, as
qualidades da criança. Alguns
pontos da concepção de Vygotsky são sistematizados por BOCK, FURTADO e TEIXEIRA
(1999, p. 123-124):
Os fenômenos devem ser estudados em movimento e compreendidos como em permanente transformação. Na Educação isso significa estudar o fenômeno em sua origem e no curso do seu desenvolvimento. A história dos fenômenos é caracterizada por mudanças qualitativas e quantitativas. As mudanças na “natureza do homem” são produzidas por mudanças na vida material e na sociedade.
As mudanças que ocorrem em cada um de nós têm suas raízes na sociedade e na cultura – o sistema de signos (a linguagem, a escrita, o sistema de números) é pensado como um sistema de instrumentos, os quais foram criados pela sociedade, ao longo de sua história. Esse sistema muda a forma social e o nível de desenvolvimento cultural da humanidade. A internalização desses signos provoca mudanças no homem.
· Não há como aprender
e apreender o mundo se não tivermos o outro (a mediação). A aprendizagem sempre
inclui relações entre as pessoas. Assim, a relação do indivíduo com o mundo
está sempre mediada pelo outro, aquele que nos fornece os significados que nos
permitem pensar o mundo a nossa volta. Não há um desenvolvimento pronto e
previsto dentro de nós que se vai atualizando conforme o tempo passa ou na
medida em que recebemos influências externas. O desenvolvimento não é pensado
como algo natural nem mesmo como produto exclusivo da maturação do organismo,
mas como um processo no qual estão presentes a maturação do organismo, o
contato com a cultura produzida pela humanidade e as relações sociais que
permitem a aprendizagem. Neste momento aparece o “outro” como alguém
fundamental, pois é quem nos orienta no processo de apropriação da cultura.
Esta
relação interpessoal (no plano externo) permite que a cultura possa tornar-se
intrapessoal (plano interno), processo que foi denominado Lei Genética
Fundamental do Desenvolvimento.
Desenvolvimento
é um processo que se dá de fora para dentro no qual a linguagem é central. E no
processo de ensino-aprendizagem que ocorre a apropriação da cultura e o consequente
desenvolvimento do indivíduo. Desde o primeiro dia de vida, a criança está
exposta aos elementos da cultura e à presença do outro, que se torna o mediador
entre ela e a cultura. Assim, a aprendizagem da criança se inicia. Ela vai
aprendendo a falar e a gesticular, a nomear objetos, a adquirir informações a
respeito do mundo que a rodeia, a manusear objetos da cultura.
“Em todas essas atividades está o “outro”.
Parceiro de todas as horas, é ele que lhe diz o nome das coisas, a forma certa
de .se comportar; é ele que lhe explica o mundo, que lhe responde aos
“porquês”, enfim, é o seu grande intérprete do mundo. A atividade externa se
internaliza possibilitando o desenvolvimento das funções psíquicas superiores.
A escola surgirá, então, como lugar privilegiado para esse desenvolvimento e/ou
aprendizagem, é um processo essencialmente social que ocorre na interação com
os adultos e com colegas como mediadores da cultura.” (BOCK, et ai. 1999, p. 124).
A
criança não possui instrumentos endógenos para o seu desenvolvimento. Os
mecanismos de desenvolvimento são dependentes dos processos de aprendizagem,
estes, sim, responsáveis pela emergência de características psicológicas
tipicamente humanas, que transcendem a programação biológica da espécie. O contato
e o aprendizado da escrita e das operações matemáticas fornecem a base para o
desenvolvimento de processos internos altamente complexos no pensamento da
criança. O aprendizado, quando adequadamente organizado, resulta em
desenvolvimento mental, pondo em movimento processos que seriam impossíveis de
acontecer. Esses princípios diferenciam-se de visões que pensam o
desenvolvimento como um processo que antecede à aprendizagem.
E a Educação passa, então, a ser vista como um processo social sistemático de construção da humanidade. O aluno jamais poderá ser visto como alguém que não aprende. Nesta abordagem o professor torna-se figura fundamental; o colega de classe, um parceiro importante; o planejamento das atividades torna-se tarefa essencial e a escola, o lugar de construção.
Os aspectos abordados abrem o caminho para a análise do conceito central na sua
obra, a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), “entendida como a diferença entre o nível de desenvolvimento real atual
e o nível de desenvolvimento potencial, determinado mediante a resolução de
problemas com o auxílio de adultos ou companheiros mais capazes” (Vygotsky
apud REY, 1999, p.113).
“(...) A criança pode fazer de forma
independente aquilo, isto, ou outra, o que significa que já amadureceram nela as
funções para fazer de forma independente isto, aquilo, ou outra; porém a Zona
de Desenvolvimento Proximal, que se determina com ajuda de tarefas que a
criança não pode resolver de forma independente, porém que resolve com ajuda, o
que ela determina? A Zona de Desenvolvimento Proximal determina as funções que
não estão maduras todavia, porém, que se encontram em processo de maturação, as
funções que amadurecerão amanhã que agora se encontram em um estado
embrionário, as funções que podem chamar-se não de frutos de desenvolvimento
senão botões… flores de desenvolvimento, é dizer, aquele que apenas amadurece” (VYGOTSKY, apud SHUARE, 1990, p. 75).
Quanto
à sua importância no processo do ensino-aprendizagem Vygotsky afirmou que as
investigações psicológicas relacionadas com o problema do ensino se limitaram
comumente a estabelecer o nível de desenvolvimento mental da criança. Porém, é
insuficiente determinar o estado do desenvolvimento da criança só com a ajuda
deste nível. Como se determina, geralmente? As tarefas que a criança pode
resolver em forma autônoma são o procedimento para determiná-lo. Com sua ajuda
sabemos o que conhece a criança e o que sabe fazer hoje, porquanto se presta
atenção só as tarefas que ela pode resolver autonomamente. É evidente que com a
ajuda deste método determinamos unicamente o nível de seu desenvolvimento
atual. Porém o desenvolvimento nunca está definido só por sua parte mais
madura, assim, o psicólogo deve, ao avaliar o estado de desenvolvimento, ter em
conta não só as funções que já amadureceram, senão também as que estão em
processo de amadurecimento, mais a Zona de Desenvolvimento Proximal, a qual tem
uma importância maior para a dinâmica do desenvolvimento intelectual e o êxito
do ensino que o 50 Compreendendo a Educação Especial nível atual de
desenvolvimento.
O
conceito de ZDP torna-se especialmente importante para o diagnóstico, porquanto
é oposto à utilização de provas e testes do modo tradicional que avaliam
somente o que a criança consegue resolver sozinha (Zona de Desenvolvimento
Atual). A ideia da realização de um diagnóstico no enfoque histórico-cultural
visa utilizar “níveis de ajuda” que permitem discernir se com ajuda a pessoa
consegue melhores resultados do que sozinho nas atividades propostas. O fato de
a criança assimilar ou não a ajuda, ou seja, se obtém maiores resultados depois
de receber ajuda, constitui-se num elemento central para a determinação de suas
particularidades e em um fator essencial para o prognóstico, pois é conhecido
que quão maiores dificuldades para a assimilação da ajuda, maiores as
dificuldades intelectuais. Outro conceito relevante para educação, também conhecido
como Lei dinâmica do desenvolvimento (BEATON, 2001, p. 152) é o conceito de “situação social do desenvolvimento”,
apresentado por Vygotsky e desenvolvido por Bozhovich, que o explica da
seguinte forma:
“Por este termo (referindo-se a Vygotsky)
aquela combinação especial dos processos internos de desenvolvimento e das condições
externas, que é típica de cada etapa e que condiciona também a dinâmica do
desenvolvimento psíquico durante o correspondente período evolutivo e as novas
funções psicológicas, qualitativamente peculiares que surgem na direção final
deste período.” (REY, 1999, p. 112).
O
anterior significa que a pessoa participa de forma ativa na construção das
próprias características da personalidade, numa inter-relação dialética do
individual e do social.
Significação para a educação especial
Esclarecerei
na continuação, a partir da análise da obra de Vygotsky, aspectos anteriormente
tratados como valiosos para a Educação em geral os quais são especialmente
válidos para a Educação de pessoas portadoras de necessidades educacionais
especiais. Estes aspectos do enfoque histórico-cultural também são analisados
por EVANS (1995) e BRASLAVSKI (1996) que seriam a interação social, mediação,
significação; a estruturação da personalidade e contribuição para as ideias de
normalização e inclusão em educação especial.
No
referente à interação social, mediação, significação é oportuno enfatizar a
importância da interação social para crianças “com defeitos”, encontram-se frequentes
referências em todos seus escritos, porém particularmente nos de 1924 e 1929. No
primeiro deles (VYGOTSKY, 1989: p. 53) começa dizendo que:
“Qualquer defeito, seja a cegueira, a surdez, ou a deficiência mental
inata… influem, sobretudo, nas relações com as pessoas. Também na família, a
criança cega e a surda é, antes de tudo, uma criança peculiar e se lhe oferece
um trato exclusivo, inabitual, distinto ao que se lhe dá aos outros, e isto não
só ocorre nas famílias nas quais esta criança é considerada uma carga pesada e
um castigo como também quando é rodeada de um amor duplicado ou uma atenção super
protetora que a separa dos demais. Isto evidencia, diz, tanto as confissões
reflexivas dos próprios cegos e surdos, como a observação cotidiana, muito
simples, da vida das crianças com defeito e os dados de análise científica e
psicológica.”
É
lamentável na literatura científico-pedagógica e na representação geral, até
este momento que a deficiência tenha sido estudada como um problema biológico,
a partir de um ponto de vista estritamente físico e médico. Ao se opor a
colocação biológica das deficiências em favor de sua consideração social,
VYGOTSKY (1989) propõe que se abandone a lenda e a crença popular da
compensação biológica dos defeitos corporais segundo a qual, “a natureza sabia”
ao privar ao homem de algum sentido, recompensa com uma maior susceptibilidade
dos outros órgãos. Depois de expor as provas experimentais que desmentem estas
lendas e crenças, explica através dos reflexos condicionados, de acordo
com PAVLOV e BEJ-TEREV, a possibilidade que os cegos têm de “ler com
a mão” segundo o sistema Braille e o surdo de “ouvir com os olhos”
mediante a leitura labial. Considera que:
“a essência
psicológica da formação das reações condicionadas no cego (a leitura pelo
sentido do tato) e no surdo (a compreensão da linguagem pelo movimento dos
lábios) é absolutamente igual a da criança normal e, portanto, também a
natureza do processo educativo das crianças com defeito, no essencial é igual
que na educação das crianças normais” (p. 56).
Por
outro lado, o cego tem a possibilidade de “utilizar
a visão de outra pessoa, a experiência alheia como instrumento da visão, olho
alheio desempenha o papel de aparato ou instrumento, como um microscópio ou
telescópio. A incorporação de outra pessoa na educação da criança cega
significa um “saudável salto” para sair de uma ‘pedagogia individualista’ já
que essa “outra pessoa” pode atuar como instrumento, do mesmo modo que um
microscópio ou um telescópio “amplia imensamente sua experiência e o entrelaçam
estreitamente no tecido geral do mundo” (VYGOTSKY, 1989, p. 63).
No
concernente a Estruturação da Personalidade na segunda etapa, em seu trabalho
de 1929 sobre Os problemas fundamentais da defectologia contemporânea, retoma o
tema da socialização chamando a atenção sobre os limites que o meio social
impõe ao desenvolvimento das crianças que têm deficiências. As causas orgânicas
não atuam diretamente senão de forma indireta pelo abaixamento que elas
provocam na posição social da criança. “A criança não sente diretamente seu
defeito. Percebe as dificuldades que resultam desse defeito” (VYGOTSKY, 1989,
p.8). Por outro lado, segundo a “lei de compensação”, tende a adaptar-se às
condições do meio que têm sido criadas e se formaram para o tipo humano normal.
O
conceito de compensação introduz um grande otimismo nas possibilidades da
educação mas reconhece que nem sempre o processo de compensação alcança o êxito
esperado. Considera que na linha compensação-deficiência, “qualquer que seja o
resultado, sempre e sob todas as circunstâncias, o desenvolvimento complicado
pela deficiência constitui um processo criador (orgânico e psicológico) de
construção e reconstrução da personalidade da criança”.
É
importante ressaltar inicialmente que Vygotsky foi um dos precursores das
transformações na educação especial ao formular ideias relacionadas com a
normalização, integração e a Pedagogia Especial como parte da educação regular.
O
ambíguo conceito de “normalidade” e, sobretudo seu oposto de “anormalidade”
ocupou, como se sabe, sociólogos, filósofos e pedagogos no século XX, e também
aos educadores em virtude de suas consequências nas práticas pedagógicas. O
princípio de “normalização” reconhece a necessidade de que todos os sujeitos do
mesmo contexto social vivam nas condições mais normais possíveis. A proposta é
combater as discriminações que prolongam em nosso tempo as condutas ancestrais
de extermínio, ocultamento, abandono, menosprezo, desvalorização da pessoa que
apresenta deficiência.
Nos
escritos de VYGOTSKY (1989) aparece reiteradamente sua preocupação por
demonstrar a normalidade da pessoa com defeito. “E certo que esse defeito em si mesmo, quer seja na vista, na audição,
na motricidade, no intelecto, se aparta da norma”. Porém graças ao
condicionamento social e ainda a suas limitações, pela lei de
defeito-compensação se geram nela uma personalidade normal que oferece
variantes em seu desenvolvimento e pode oferecê-las também em suas
características individuais, do mesmo modo que ocorre com todas as pessoas
normais.
Em
sua obra aparece, por outro lado, a oposição à pedagogia tradicional especial
da criança com defeito; defende que “em essência, entre as crianças normais e
anormais não há diferença”.
Tradicionalmente
o conceito de anormalidade tem enfatizado desvios que a deficiência física
introduz na estrutura biológica da pessoa e em suas relações com o mundo físico
natural. Deste modo:
“em resumo, a questão,
tanto no aspecto pedagógico como psicológico, se há estabelecido geralmente
desde o ponto de vista estritamente físico, médico. A questão, contudo, é que
para o educador os fatores biológicos não são tão importantes, mas sim as consequências
sociais do desvio” (VYGOTSKY, 1989, p. 43).
Quando
analisa criticamente “essa esfera de
conhecimentos” teóricos e práticos que denominamos convencionalmente
“defectologia” e que se considera como uma pedagogia menor questiona sua
metodologia de investigação e de ensino.
Critica
em particular sua metodologia quantitativa que só mede e calcula “de maior a
menor” em vez de experimentar, analisar, observar, generalizar, descrever e
determinar de forma qualitativa. Em oposição à mesma, celebra novas
metodologias qualitativas que deram como resultado “belos exemplos” de “unidade
na heterogeneidade”. Se a personalidade atua como um todo único, no
desenvolvimento de crianças com retardo mental se descobre uma variedade de
funções relativamente independentes que pode facilitar a compensação através do
fortalecimento da função mais favorecida. Por exemplo, a capacidade psicomotriz
que pode facilitar a orientação para o trabalho manual, devolvendo-lhe a
autoestima diminuída em sua experiência com o trabalho intelectual.
Chamam
a atenção estas reflexões sobre experiências da década de 20, e adverte que
aparecem como novidades outras similares nos anos 60, porém que não desprezaram
as metodologias que ainda agora priorizam a interpretação quantitativa (do
menor-maior) do quociente intelectual. E, VYGOTSKY
(1989, p. 50), critica severamente a “cultura sensorial” e a “ortopedia
psíquica” cuja absurda implementação descreve assim:
“Por os pontos com uma rapidez crescente,
trasladar os recipientes cheios de água, enfiar contas em colares, lançar os
anéis, desfazer colares, seguir traços de letras, tomar uma pose expressiva,
estudar os odores, comparar sua intensidade “com exercícios” que se repetem
reiteradamente durante várias aulas. E se pergunta: a quem se pode educar tudo
isto? Isto converteria a criança normal em retardado mental, mais rápido do que
desmontariam na criança retardada mental, os mecanismos de conduta, da psique e
da personalidade, não alcançados pela roda de engrenagem da vida?”.
Faz
referência a um programa em particular que, “promove a divisão inútil por sexos que aumenta o isolamento na vida
extremamente pobre e aborrecida destas crianças”, e que por tudo isso
manifesta, diz, “a divergência geral dos
sistemas diferentes: a pedagogia terapêutica e a pedagogia social” (p. 50)
que marcam a separação entre o velho e o novo.
Sua
crítica, a partir de seus enfoques da interação social e a normalização, o
conduzem a afirmar que “não há nenhuma pedagogia especial, diferente em
princípio para a criança com defeito”. Sua educação “constitui o objeto só de um capítulo da pedagogia geral”.
É
lamentável, todavia, que “o pensamento
científico ainda não abriu uma brecha no muro existente entre a teoria da
educação da criança normal e da anormal” (VYGOTSKY, 1989, p. 57). Porém,
assim como a primeira parte do tomo V de sua obra denominado Fundamentos de
Defectologia se refere a “das questões gerais”, a segunda se ocupa “dos
problemas especiais da defectologia”. No contexto daqueles “princípios gerais”
se ocupa da criança cega, dos surdos-mudos, da criança retardada mental, da
infância difícil e dos programas que sugerem cada defeito.
Este
é o princípio que atualmente domina na comunidade científica, que concebe a
integração como complemento da mais geral normalização.
Ainda
que em seus fundamentos teóricos exista grande unanimidade, sua implementação
tem dificuldades que se originam tanto no sistema formal como no paralelo de
educação especial. E, sem dúvida, também na representação social que todavia é
atingida por prejuízos difíceis de erradicar, ademais dos fatores sociais,
econômicos e políticos que sempre estão em jogo.
VYGOTSKY
(1989, p. 42) critica severamente, também, o “sistema
fechado de educação das crianças cegas, surdas-mudas e retardados mentais”
que enclausura o educando como em uma fortaleza, acentua seu isolamento e
intensifica a “psicologia do separatismo”
(p. 63).
Tomemos
como exemplo sua descrição da escola especial para cegos que se repete quando
se refere às escolas especiais para as crianças com outras deficiências. Ainda
se propõe a ensinar a simbologia própria mantendo a unidade absoluta dos
conteúdos da instrução, cria a separação sistemática do meio social, isola o
cego e o situa num mundo estreito e fechado, onde tudo está adaptado ao
defeito, onde tudo está calculado para ele, onde tudo recorda o defeito. Este
meio artificial não tem nada em comum com o mundo normal em que tem que viver o
cego.
Seus
argumentos cobram mais força quando compara experiências novas em alguns
países, cujo êxito se comprova ao atingir que os cegos, “pela primeira vez na história da humanidade” começaram a trabalhar
em máquinas complexas, incorporando-se à grande indústria, em lugar do grupo
reduzido de oficinas para cegos que só preparavam músicos, cantores e artesãos
ou ficavam indefesos.
A
educação especial, diz, deve ser subordinada ao social; coordenada com o social
e inclusive deve estar fundida organicamente com o social e penetrar no social.
Contrária ao lamento e à compaixão, à imprecação e à condenação, concebe a
educação social baseada na compensação dos defeitos orgânicos evitando todo
isolamento do meio social.
“A humanidade, sempre há sonhado como um
milagre religioso: que os cegos vejam e os mudos
falem. É provável, que a humanidade triunfe sobre a cegueira, a surdez e a
deficiência mental. Porém a vencerá no plano social e pedagógico muito antes
que no plano biológico e medicinal. É possível que não esteja longe o tempo em
que a pedagogia se envergonhe do próprio conceito de “criança com defeito”. O
surdo falante e o trabalhador cego participantes da vida geral em toda sua
plenitude, não sentirão sua deficiência e não darão motivo para que outros a
sintam. Está “em nossas mãos” o desaparecimento das condições sociais de
existência destes defeitos, ainda que o cego continue sendo cego e o surdo
continue sendo surdo.” (VYGOTSKY, 1989, p.
61).
Poucos
supõem que Vygotsky, na década de 20 do século passado, tenha proposto soluções
para os problemas, ainda pendentes agora, da teoria e a prática da pedagogia
geral e da pedagogia da educação especial. Em seus escritos se encontram
verdadeiras descobertas que podem servir de argumentos valiosos para a retórica
da mudança tanto do sistema formal como do sistema paralelo de educação
especial, com vistas à inclusão.
Referências
bibliográficas:
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