Por Ana Torres Menárguez
Publicado originalmente no site El País
Especialistas em neurodidática desmontam
algumas concepções errôneas sobre a aprendizagem
Nos
últimos anos a neurodidática,
que estuda como o cérebro aprende, está transformando a educação. O grande
avanço é que, graças aos equipamentos de neuroimagem, é possível ver a atividade
cerebral no momento em que as tarefas são realizadas e, assim, detectar
quais são os métodos de aprendizagem mais eficazes. Mas essa revolução traz
um risco: a má interpretação, por parte dos educadores, de algumas descobertas
científicos. “São o que chamamos de neuromitos. O problema é que algumas
instituições de ensino estão baseando suas novas pedagogias nessas crenças
falsas”, diz Anna Forés, professora da faculdade de Educação da Universidade de
Barcelona e coautora do livro Neuromitos
en Educación.
Forés,
junto a um grupo de médicos, geneticistas, psicológos e pedagogos, é a
impulsora dos dois mestrados em Neurodidática da Universidade Rey Juan Carlos e da Universidade de Barcelona (UB),
lançados nos útimos dois anos. Em 2015 alguns deles decidiram pesquisar os 12
neuromitos mais difundidos na comunidade educativa e reuni-los em uma
publicação. “Nosso objetivo é desmontar essas crenças com dados reais obtidos
em pesquisas neurocientíficas”, diz Forés, que acredita que o desespero para
mudar a forma de ensino leva as escolas a adotar métodos não comprovados.
“A
educação necessita de ar fresco porque as pedagogias
dos últimos cinquenta anos não funcionam mais, mas é preciso cuidado”,
ressalta. Estas são três das crenças falsas mencionadas no livro.
- Aprendemos melhor quando recebemos a
informação de acordo com nosso estilo
de aprendizagem:
Visual,
auditivo ou cinestésico (falso). Howard Gardner, psicólogo e professor da
Universidade de Harvard, revolucionou o mundo da educação com sua teoria das
inteligências múltiplas. Foi o primeiro a propor que existem oito tipos de
inteligência (linguística, lógico-matemática, corporal, musical, espacial,
naturalista, interpessoal e intrapessoal), independentes entre si, e que cada
pessoa se destaca no manejo de uma ou de várias. “Isso foi um grande avanço
porque, a partir desse momento, se
deixou de classificar as crianças como inteligentes ou burras; quem não vai
bem em matemática não é menos inteligente que os outros”, diz Anna Forés.
No
entanto, além dessa teoria, algumas instituições de ensino, diz Forés,
começaram a elaborar novas
metodologias focadas nas habilidades em que, por natureza, nos damos
bem: a visual, a auditiva ou a cinestésica – relacionada aos movimentos
corporais. “Deu-se como certo que os alunos visuais aprendem melhor com mapas e
vídeos, os auditivos com podcasts e debates e que os cinestésicos precisam
manipular objetos”, afirma no livro Jesus Guillén, professor da UB e autor do blog Escuela con Cerebro.
Segundo
o estudo Learning Styles: Concepts and Evidences (Estilos de Aprendizagem:
Conceitos e Provas), publicado em 2008 pelo pesquisador Harold
Pasher, da Universidade da Califórnia, dentro da “abundante” literatura sobre estilos de aprendizagem, apenas três estudos utilizaram um
modelo experimental adequado e nenhum deles permite deduzir que o ensino
baseado em estilos de aprendizagem seja benéfico. “O funcionamento natural
do cérebro, que mantém conectadas diversas regiões em permanente atividade,
impossibilita que nos concentremos em uma única modalidade sensorial”, diz
o livro.
Uma
amostra de como essa crença está arraigada no ambiente escolar é uma pesquisa
em que se perguntou a 932 professores de Reino Unido, Holanda, Turquia, Grécia
e China se acreditavam que as
pessoas aprendem melhorquando recebem a informação de acordo com seu estilo
de aprendizagem preferido. Dos entrevistados, 95,8% responderam que sim. “Segundo as últimas pesquisas em neurociência sobre a plasticidade
cerebral, facilitamos a aprendizagem quando os materiais curriculares são
apresentados em múltiplas modalidades sensoriais”, diz Guillén.
- Utilizamos apenas 10% do nosso cérebro
(falso).
“A neurociênciademonstrou
que, na realização de tarefas, utilizamos 100% de nosso cérebro”, afirmam no
livro José Ramón Gamo, neuropsicólogo infantil e diretor do Mestrado em
Neurodidática da Universidade Rey Juan Carlos, e Carme Trindade, professora da
Universidade Autônoma de Barcelona. “Tecnologias como a ressonância
magnética ajudaram a conhecer melhor os níveis de atividade cerebral e provaram
que somente em casos de danos graves provocados por uma lesão cerebral é que se observam
áreas inativas no cérebro”, ressaltam. Também se comprovou que até
mesmo durante o sono todas as partes de nosso cérebro apresentam algum nível de
atividade.
Em
uma tentativa de identificar a origem dessa crença (a de que só utilizamos 10%
de nosso cérebro) os autores apontam para as ideias do professor William James,
de Harvard. No início do século XX, James defendia que usamos somente uma
pequena parte de nossos recursos mentais e físicos. E mencionam também as “más
interpretações” de alguns estudos neurocientíficos do final do século XIX e
início do XX. Segundo os pesquisadores, um desses estudos afirmava que só 10%
dos neurônios estão ‘ligados’ em determinados momentos e outro dizia que só foi
possível mapear 10% das funções cerebrais.
- Ouvir Mozart nos torna
mais inteligente e melhora nossa aprendizagem (falso).
Já
se comprovou que a formação
musical acarreta maior rendimento cognitivo: a aprendizagem de um
instrumento desenvolve a audição, a motricidade, a intuição e o raciocínio
espaço-temporal. “Daí a afirmar que ouvir uma peça de música clássica, e em
particular de Mozart, pode deixar a criança mais inteligente porque aumenta uma
de suas funções executivas – capacidades relacionadas à gestão das emoções, à
atenção e à memória que permitem planejar e tomar decisões adequadas – e que,
com isso, a criança alcançará um maior domínio de disciplinas como a língua e a
matemática há uma notável diferença”, diz Félix Pardo, professor da
Pós-graduação em Neuroeducação da
Universidade de Barcelona.
A
consagração do efeito Mozart pareceu ter chegado com o artigo Music
and Spatial Task Performance, publicado na revista Nature em 1993 e escrito
por pesquisadores do Centro da Neurobiologia da Aprendizagem e da Memória da
Universidade da Califórnia. Depois de um experimento de cinco dias com
estudantes do ensino médio, os autores sugeriram que ouvir Mozart
"organiza a atividade dos neurônios no córtex cerebral, reforçando os
processos criativos e a concentração". Suas conclusões foram mal
interpretadas e simplificadas por políticos norte-americanos e parte da comunidade
educativa, diz o livro Neuromitos en
Educación. Em 1998, o Governo da Flórida aprovou uma lei que determinava
que as creches públicas devessem tocar pelo menos uma hora de música clássica por dia.
Naquele mesmo ano, diferentes escolas públicas do país relataram melhoras na
atenção e no rendimento acadêmico depois de adotar os clássicos como música de
fundo em suas aulas.
Mozart entrou
para a lista de mais vendidos. Uma das autoras do artigo da Nature manifestou
seu mal-estar com o marketing comercial e político em torno de seu estudo e
frisou que não existia nenhuma prova de que ouvir Mozart aumentava o
coeficiente de inteligência.
Em
2010, pesquisadores da faculdade de Psicologia da Universidade de Viena
analisaram 40 pesquisas publicadas sobre o efeito Mozart, com cerca de 3.000 participantes,
e concluíram que não foram detectadas melhoras significativas nas habilidades
cognitivas dos expostos à música
de Mozart, assim como nenhuma melhora no coeficiente de inteligência. “Não
há dúvida: ouvir Mozart não deixa mais inteligente”, conclui Félix Pardo.