A luta dos povos árabes e dos povos do Terceiro Mundo: Gamal Abdel Nasser


Texto de Gabriel Deslandes
 Originalmente postado no grupo de estudos e debates "Comuna Marxista"


A luta dos povos árabes e dos povos do Terceiro Mundo não teria a mesma importância política sem a liderança de um dos mais emblemáticos personagens do século XX: o presidente e líder da Revolução Egípcia de 1952, Gamal Abdel Nasser.


Primeiro “egípcio autêntico” a governar seu país desde o tempo dos faraós, Gamal Abdel Nasser nasceu filho de um carteiro em Alexandria, em 1918. Completou seus estudos em Cairo, onde começou a desenvolver sua consciência política ao participar de manifestações estudantis contra o colonialismo britânico no Egito. Apesar da independência formal acordada em 1922, a Grã-Bretanha sempre manteve o domínio do Egito, o que suscitou o espírito nacionalismo dos jovens árabes nos anos 20 e 30.

Influenciado pelos estudos de literatura árabe (Ahmed Shawki e Hafez Ibrahim) e do iluminismo europeu (Rousseau, Voltaire e a Revolução Francesa), Nasser despertou seu anseio pela luta por liberdade e defesa da soberania do Egito. Em 1935, ingressou definitivamente na vida política quando, ao participar de uma manifestação de estudantes secundaristas contra o domínio britânico, levou um tiro de soldado inglês. No ano seguinte, ele, como a maioria do povo egípcio, não ficaria satisfeito com o Tratado Anglo-egípcio de 1936, que estipulava a presença britânica às margens do canal de Suez.

Ingressou na Real Academia Militar na patente de subtenente, onde conheceu oficiais tão nacionalistas quanto ele, como Zakaria Mohieddine ou Anuar Sadat. Como tenente-coronel das Forças Armadas egípcias, Nasser lutou contra o nascente Estado de Israel em 1948. Após a humilhante derrota para os israelenses, os egípcios, indignados com a corrupção e despotismo no governo, começaram a se voltar contra a monarquia do rei Faruk, que comandava o país como um títere do imperialismo britânico.

Em consonância com o sentimento popular, Nasser, junto a outros militares patriotas, fundou o Movimento dos Oficiais Livres, organização nacionalista, progressista e antiimperialista dentro do oficialato das Forças Armadas. O grupo planejou um golpe de Estado contra a monarquia, destituindo o rei Faruk na madrugada de 23 de julho de 1952. Nascia a República Árabe do Egito, com o general Mohammed Naguib como presidente do Conselho do Comando da Revolução (CCR), que implantou o que chamou de “socialismo árabe”. Aquela era a “Revolução Egípcia”.

Nasser assumiu a presidência do Egito em outubro de 1954, promovendo as reformas políticas e econômicas defendidas pelo projeto do socialismo árabe: industrialização, reforma agrária, nacionalização dos bancos, laicidade do Estado, universalização da saúde e educação e controle egípcio do Canal de Suez. Carismático e orador de massas, Nasser encarnou o sonho de unidade de todos os países árabes em uma única nação – a ideologia do pan-arabismo. O sonho de um mundo árabe unificado fez com que Síria, Iraque, Argélia, Líbia e Palestina fossem varridas pelo sentimento nacionalista e promovessem suas próprias revoluções.

Em 1964, o regime nasserista egípcio também reformou o sistema educacional a fim de diminuir a influência religiosa no ensino e difundir o pensamento nacionalista nasserista. O presidente não queria suprimir o Islã da cena política, mas domesticá-lo e usá-lo como um instrumento de legitimação da ordem social.

No plano internacional, sua política significava terceiro-mundismo e neutralidade aparente em relação aos Estados Unidos e ao bloco soviético. Ao lado do primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru e do presidente indonésio Sukarno, Nasser lançou as bases políticas do “neutralismo positivo” terceiro-mundista na Conferência de Bandung, em 1955, que visava a cooperação política, econômica e cultural afro-asiática contra o colonialismo.

Em julho de 1956, quando os EUA anulam o empréstimo ao Egito para a construção da Represa de Assuã, Nasser nacionalizou o Canal de Suez, propriedade conjunta da França e Reino Unido, e cobraria taxas pela utilização estrangeira do Canal. Em represália, tropas britânicas, francesas e israelenses invadem o Egito para retomar o controle do Canal. Os EUA e a URSS, agindo em rara coordenação, obrigaram os três invasores a recuar e desfazer a ocupação do Canal. Foi o momento de glória de Nasser, que passou a ter um prestígio imenso em todo o mundo árabe.

Nasser também se aproximou da União Soviética e dos países do Leste Europeu, quando Kruschev lhe enviou consultores e especialistas para a construção da Grande Represa de Assuã, uma barragem no rio Nilo, suficientemente grande para terminar com as inundações, irrigar as terras estéreis do deserto e prover de energia elétrica todos os rincões do Egito. Graças ao gigantesco projeto, a área agricultável do Egito aumentou em 1/3.

Em junho de 1967, a vitória de Israel sobre os egípcios, jordanianos e sírios na Guerra dos Seis Dias assinalou o início do fim do nacionalismo árabe. O Egito perdeu a Península de Sinai para Israel, e Nasser, humilhado, pediu demissão da presidência do país. Entretanto, a população não imputou essa derrota a ele, e uma multidão saiu às ruas para pedir seu retorno ao cargo, o que prontamente aconteceu.

Em 1º de outubro de 1970, depois de fracassar na negociação de uma solução pacífica no conflito do Setembro Negro entre milícias palestinas e o reino da Jordânia, Nasser morreu sem ver concretizado seu sonho de unificação do mundo árabe. Seu cortejo fúnebre foi acompanhado por mais de cinco milhões de pessoas nas ruas de Cairo. Seu legado foi a construção da projeção geopolítica do Oriente Médio moderno.

Discurso bem-humorado de Nasser contra a imposição do uso do véu às mulheres, defendida pela Irmandade Muçulmana:

Reportagem do Globo Repórter, de 1982, sobre a história recente do Egito:

Matéria da Telesur sobre a influência do “socialismo árabe” hoje no Egito:


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