Em
meio aos “retrocessos modernizantes” sob os modos ofensivos de nosso
Capitalismo periférico e nas justificativas da ideologia dominante das classes
dominantes – essas que não possuem um projeto de país há de se considerar – e,
certeiramente, Florestan Fernandes pontua:
“Os estratos sociais privilegiados contam com
condições estruturais para resguardar e fortalecer seus interesses, posições e
formas de solidariedade de classe, transferindo para as classes baixas (e em
parte também para as classes médias) os custos diretos ou indiretos do
privilegiamento de seus interesses... O encadeamento que se estabelece, porém,
não é natural e nem automático, ele se efetiva em diferentes níveis da
organização da economia, da sociedade e da cultura, porque esses grupos de
homens conseguem, ‘a partir de fora’, e a “partir de dentro”, preservar,
fortalecer e transformar o capitalismo dependente, com sua cadeia de
iniquidades econômicas, mas também com suas desmesuradas e atraentes
compensações.
(...) A modernização processa-se de forma
segmentada e segundo ritmos que requerem a fusão do ‘moderno’ com o ‘arcaico’,
operando-se o que se poderia descrever como a modernização do arcaico. Como as
classes altas e médias só se propõem e tentam resolver os ‘problemas nacionais’
que se relacionam com seus próprios interesses de classes, os dinamismos da
ordem social competitiva são mais ou menos cegos e ineficientes (quando não são
impotentes) diante dos problemas nacionais.
(...) Em todas as sociedades capitalistas surgem
diferenças regionais e setoriais de desenvolvimento, que se refletem com maior
intensidade nas relações das classes baixas com as funções classificadoras do
mercado e com as funções estratificadas do sistema de produção. Tal padrão de
mercantilização do trabalho pressupõe fortes tendências à depressão das funções
classificadoras, gerando massas trabalhadoras que sofrem algum modo de
expropriação capitalista, permanentemente marginalizadas ou excluídas da ordem
social competitiva... Da perspectiva latino-americana, tal padrão de
mercantilização do trabalho bloqueia ou dificulta a consciência social de
interesses de classe similares. Assim, as classes baixas são cronicamente
debilitadas em suas potencialidades de agir como classe.
(...) Nas condições dinâmicas em que opera a ordem
social competitiva da sociedade de classes dependente e subdesenvolvida também
libera motivações, disposições e identificações que tendem a envolver as
classes baixas e vinculá-las aos processos de CONTINUIDADE DA ORDEM. (Florestan Fernandes, “Capitalismo
Dependente e classes sociais na América Latina”. Editora Zahar. 1973).
Na
obra A Guerra Civil na França de
Karl Marx, publicada em 1871, diz, entre outras coisas:
“Todas as frações da burguesia se coligaram no
Partido da Ordem, que é o partido dos proprietários e capitalistas, unindo-se
para manter a subjugação econômica do trabalho e a maquinaria repressiva
estatal que lhe presta suporte. Em vez de uma monarquia, cujo próprio nome
significa a prevalência de uma fração burguesa sobre a outra, a vitória de um
lado e a derrota do outro (o triunfo de um lado e a humilhação do outro), a
República era a sociedade anônima das frações burguesas coligadas, de todos os
exploradores do povo agrupados e, de fato, legitimistas, bonapartistas,
orleanistas, republicanos burgueses, jesuítas e voltairianos abraçaram uns aos
outros – não mais ocultos pelo abrigo da coroa, não mais capazes de atrair a
atenção do povo para suas lutas partidárias mascarando-as em lutas pelo
interesse popular, não mais sujeitando um ao outro. Antagonismo direto e
confesso entre seu domínio de classe e a emancipação das massas produtoras –
ordem, o nome para as condições econômicas e políticas de seu domínio de classe
e da servidão do trabalho, essa forma anônima ou republicana do regime burguês
–, essa república burguesa, essa República do Partido da Ordem, é o mais odioso
de todos os regimes políticos. Seu interesse imediato, sua única raison d’être é esmagar o povo. É o terrorismo do domínio de classe” (Karl Marx: “A Guerra Civil na França”. Editora.
Boitempo. 2011).
Nesse
sentido, convém, portanto, que façamos uma ponderação, como a questão de
sindicatos. Porque eles são organizações de trabalhadores que atuam
politicamente em defesa de suas categorias quando o mercado ou o Estado,
controlado por uma minoria, se mobilizam para prejudicar o bem estar dessas
pessoas (via depreciação de salários e direitos) para concentrar renda. Foram
as lutas sindicais que impediram que fábricas continuassem explorando
mão-de-obra de crianças. Graças às greves, as lutas históricas da esquerda e
aos sindicatos temos salário mínimo, auxilio maternidade, jornada de 8hrs,
descanso no domingo, férias, etc. Atualmente sindicatos oferecem diversas
modalidades de auxílio a trabalhadores que precisam de assistência, além de
mobilizá-los quando necessário. Há problemas em sindicatos, é claro, como há em
qualquer lugar. Principalmente quando o sindicato é pelego – ou seja, sob a
liderança de diretores corruptos, passa a enganar os trabalhadores para
defender, de forma dissimulada, os interesses do patrão. Mas estrangular a
organização que atenua a vulnerabilidade de trabalhadores é torná-los ainda
mais precarizados, marginalizados e excluídos.
“O precariado se sente frustrado não só por causa
de toda uma vida de acenos de empregos temporários, com todas as inseguranças
que vêm com eles, mas também porque esses empregos não envolvem nenhuma
construção de relações de confiança desenvolvidas em estruturas ou redes
significativas. (…) O precariado vive com ansiedade – insegurança crônica
associada não só à oscilação à beira do limite, sabendo que um erro ou um
episódio de má sorte poderia pender a balança entre a dignidade moderada e ser
um sem-teto, mas também com um medo de perder o que possui, mesmo quando se
sente enganado por não ter mais. As pessoas têm a mente insegura e são
estressadas, e ao mesmo tempo ‘subempregadas’ e ‘sobrempregadas’. (…) As
tensões dentro do precariado estão colocando as pessoas umas contra as outras,
impedindo-as de reconhecer que a estrutura social e econômica está produzindo
um conjunto comum de vulnerabilidades.” (Guy
Standing, em “O Precariado: a nova classe perigosa”. Editora Bloomsbury
Publishing Plc. 2013).
Entretanto,
no que concerne o salário, Marx fará uma análise mais profunda da questão, é o
que comenta Galbraith, nos seguintes dizeres:
“A lei de ferro dos salários continuou com Marx,
mas de forma modificada. O trabalhador é mantido no limiar da penúria não tanto
porque ele se procria até atingir este ponto, mas por causa da sua total
impotência ao negociar com o empregador capitalista e porque o sistema não
funcionaria se ele fosse bem pago. Poderá, por vezes, receber mais do que o
mínimo essencial, mas será pelo mesmo motivo que os produtores de leite
alimentam suas vacas com mais do que a ração de subsistência: para que elas
lhes deem mais leite. A posição de negociação do trabalhador perante o
empregador é a mesma que a das vacas perante o produtor de leite.” (J. K. Galbraith, “A Sociedade Afluente”. Editora Expressão Cultura,
p. 56).
E
o “pai” do liberalismo econômico, o escocês Adam Smith, escreveu em sua
primeira obra publicada (em 1759), no florescer do capitalismo, em que “A disposição de admirar, quase
idolatrar os ricos e poderosos, e desprezar as pessoas de condições precárias e
pobres é a maior causa universal da corrupção de nossos sentimentos morais.” (Adam Smith, “Teoria dos Sentimentos
Morais”. Editora Saraiva. 2015).
E
com nosso capitalismo periférico e dependente, materialização desse capitalismo
monopolista (um axioma), é necessário, mais do que nunca, o conhecimento
histórico, a ciência que é possível tal superação do capital em sua forma
exploratória. Celso Furtado argumenta que:
“Em meio milênio de história, partindo de uma
constelação de feitorias, de populações indígenas desgarradas, de escravos
transplantados de outro continente, de aventureiros europeus e asiáticos em
busca de um destino melhor, chegamos a um povo de extraordinária polivalência
cultural, um país sem paralelo pela vastidão territorial e homogeneidade
linguística e religiosa. Mas nos falta à experiência de provas cruciais, como
as que conheceram outros povos cuja sobrevivência chegou a estar ameaçada. E
nos falta também um verdadeiro conhecimento de nossas possibilidades, e
principalmente de nossas debilidades. Mas não ignoramos que o tempo histórico
se acelera, e que a contagem desse tempo se faz contra nós. Trata-se de saber
se temos um futuro como nação que conta na construção do devenir humano. Ou se
prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo
histórico de formação de um Estado-nação” (Celso
Furtado, “Brasil: a construção interrompida. Editora”. Paz e Terra. 1992).
Para
finalizar, um trecho do filósofo húngaro Isván Meszaros salienta a necessidade
da transformação social radical:
“O movimento socialista não terá
a menor chance de sucesso, contra o capital, caso se limite a levantar apenas
demandas parciais. Tais demandas têm sempre que provar a sua viabilidade no
interior dos limites e determinações reguladoras preestabelecidas do sistema do
capital. As partes só fazem sentido se puderem ser relacionadas ao todo ao qual
pertencem objetivamente. Desse modo, é apenas nos termos de referências globais
da alternativa hegemônica socialista à dominação do capital que a validade dos
objetivos parciais estrategicamente escolhidos pode ser adequadamente julgada.
E o critério de avaliação deve ser a capacidade desses objetivos parciais se
converterem (ou não) em realizações cumulativas e duradouras no empreendimento
hegemônico de transformação radical” (István Mészáros, “Para além do capital: rumo a uma teoria da
transição”. Editora Boitempo. 2002. p. 944)
Referências
bibliográficas:
·
Adam Smith, “Teoria dos Sentimentos Morais”. Editora
Saraiva. 2015.
·
Celso Furtado, “Brasil: a
construção interrompida”. Editora Paz e Terra. 1992.
·
Florestan Fernandes, “Capitalismo
Dependente e classes sociais na América Latina”. Editora Zahar. 1973
·
Guy Standing, em “O Precariado: a
nova classe perigosa”. Editora Bloomsbury Publishing Plc. 2013.
·
István Mészáros, “Para além do capital: rumo a uma teoria da
transição”. Editora Boitempo. 2002. p. 944
·
Jonh Kenneth Galbraith, A Sociedade
Afluente. Editora Expressão Cultura. 1974. p. 56
·
Karl Marx, “A Guerra Civil na
França”. Editora Boitempo. 2011.
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