O portão de aço do Estado




Quem teve a oportunidade de ler o livro Agamben, “Estado de Exceção”, não ficou surpreso com o decreto presidencial de Temer sobre garantir a lei e a ordem. Na obra em resumo diz; o Estado desde a revolução francesa (em explícito) utilizou desse aparato para mantê-la. Pois bem, e ficaria menos surpreso quando o ministro da defesa Raul Jungmann, em pronunciamento oficial justificou o decreto com respaldo da constituição, mais precisamente no artigo 142, onde por interpretação, as forças armadas podem ser acionadas quando preciso; precisamente quando há um perigo? Claro, a justificativa seria que o Estado deve preservar a vida do perigo e preservar o patrimônio publico. Agamben nos faz lembrar nessas horas; não é preservar nenhuma dessas opções, mas sim, MANTER o poder. 

E ‎Raul Jungmann foi muito bem em sua defesa dizendo que isso é comum e corriqueiro: “De 2010 a 2017, foram realizadas 29 ações de Garantia da Lei e da Ordem. Em todas essas ações (…) nunca aconteceram incidentes graves que viessem a manchar essa atuação das Forças Armadas”, não o defendo, mas ele está correto duas vezes; uma com o que disse sobre Agamben e outra sobre Walter Benjamin: o estado de exceção é a regra.

Sintomático quando Jungmann nos diz; “Não há democracia sem ordem. A ordem é a base da democracia. Dentro da Constituição, tudo. Fora da Constituição, nada”, meio que uma paráfrase de nada mais nada menos que Mussolini; “Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado.” (liberais gostam muito de dizer que é de esquerda, mas... bom, não vamos rebaixar o tom). Voltando a frase sintomática, o que temos então é uma sociedade pautada no estado de direito, e nada além dessa carta magna é pensada, ou, pelo menos é aceita por quem está no poder, e olha, até mesmo quem está fora dele que pede dentro da própria carta magna; “indiretas e diretas já”(o “diretas já” também quer um horizonte dentro das urnas, logo na ordem, o famoso oportunismo, uma paródia do diretas já de 1983).

Portanto qual a saída fora do estado ou fora da lei e da ordem? Podemos ver algumas alternativas no horizonte; a) ganhar a consciência popular. b) ganhar as forças militares c) enfrentar o estado da mesma altura sem os militares. Nenhumas dessas alternativas que disse são para o agora, não é? Pois bem, fora disso, de imediato, temos apenas o próprio estado podre, como diria Hegel; um estado que existe mesmo definhando não quer dizer que ele funcione, pelo contrário, não deve existir.

Analisando a constituição que ainda preserva um artigo de lei e de ordem nos remete a José Chasin: “o novo é a reiteração de tudo que há de mais velho”, a transição do regime militar para o regime democrático da constituição de 88 guardou seu resquício velho no artigo 142.


Evocando Kafka*, talvez depois de tanto esperar para passar pelo portão de aço que é o Estado, o próprio venha e diga que a passagem sempre foi para nós (essa seria a versão dentro da lei). O correto seria; nós passamos por cima do porteiro que guarda o portão do Estado e faremos uma chave para abrir o portão, mesmo de aço ele tem uma chave, que possui um segredo, e o chaveiro que pode abrir é a classe trabalhadora, ela pode também explodir o portão acaso não tenha o conhecimento do chaveiro.

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Nota:

* O Processo (1962) Orson Welles - Introdução do filme: 






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