Por Caroline Garcia Gotuzzo – Estudante do Curso de Letras
da Universidade Federal de Pelotas e Gabrielle Garcia Gotuzzo
É bem verdade que desde o
advento e popularização da rede mundial de computadores, a mídia e o
entretenimento em geral passam por uma série de mudanças que podem ser
observadas, por exemplo, na digitalização da imprensa e na popularização dos
criadores de conteúdo em sites como o Youtube. Não é novidade que a cada dia
que passa, o mundo online se expande e obviamente, a arte também se faz
presente nesse novo meio, o que nos proporciona uma discussão interessante
sobre a “literatura de internet”.
Os sites de auto publicação,
como por exemplo, o Amazon e o Wattpad, tornam-se uma maneira viável para novos
escritores exporem suas obras sem que estas passem pelas mãos das editoras.
Como consequência, surge uma série de fatores positivos e negativos que serão
abordados no decorrer deste texto.
Primeiramente, é preciso se
desprender de alguns pré-conceitos: a escrita de internet não é feita apenas de
“fanfics” e “narrativas superficiais”, que existem, é claro, no entanto,
pode-se averiguar que obras midiáticas também são maioria no mercado editorial
atual.
Tal como acontece em sites
como o Youtube, existe nas plataformas de auto publicação, uma variedade
expressiva de conteúdo que não deve ser julgada como um único objeto de
análise: é claro que existem temáticas vazias, mas não pode se dizer que isso é
tudo.
Olhando de uma perspectiva
histórica, não devemos esquecer que inovações parecidas já aconteceram antes:
Com o advento da “prensa móvel”, tornou-se possível uma maior circulação de
obras literárias e a criação do mercado editorial. Lembrando que até então, os
livros eram objetos raros e a literatura popular se fundava na tradição oral.
O que acontece hoje na
internet e em plataformas de auto publicação, se assemelha em muitos fatores
com a circulação dos romances de folhetim por exemplo. Tal aspecto se expande a
questões teórico-literárias, como a publicação semanal de capítulos de dadas
obras, o fechamento em suspense das partes, com o objetivo de atrair o leitor
para o próximo evento da trama: estratégias comuns em blogs e sites como o
Wattpad.
Assim como nos períodos
citados a modificação dos meios de comunicação se reflete na arte. A internet
cria novas possibilidades e com esta conclusão em mente, chegamos aos aspectos
positivos e negativos pretendidos por esta reflexão.
Um dos problemas que se pode
verificar, é a publicação massiva de obras incoerentes com a trama uniforme e
midiática. Basta uma rápida navegação pelo Wattpad para se notar a quantidade
de textos que apresentam basicamente o mesmo enredo repleto de passagens
inverossímeis interna e externamente.
Esta situação acontece, pois
parte dos autores que se utilizam de tais plataformas, são influenciados pela
literatura de massa atual, além de não possuírem uma carga literária
consistente que os permita criticar as próprias obras.
Ainda há a ideia de que este
tipo de obra não se configura em literatura, tal conceito presente não só entre
o público geral, como também entre os próprios escritores, o que gera uma ideia
de diminuição da importância do que se é escrito e publicado na internet,
formando assim, aquele pré-conceito citado no início deste texto.
Assim como no mercado
editorial, a literatura de massa na internet ocupa os rankings de obras mais
lidas e comentadas, a diferença entre as duas mídias é que o leitor, ao se
deparar com o romance superficial nas prateleiras das livrarias, possui uma
noção de que existem publicações com conteúdo mais profundo, enquanto na
internet, ainda não se teve tempo histórico de criar uma tradição literária.
O que não quer dizer que
narrativas bem estruturadas e com profundidade artística não existam na
“literatura de internet”, elas estão lá, nas prateleiras virtuais esquecidas e
vez ou outra uma vem a luz e ganha os leitores merecidos.
Não se deve esquecer que
existe uma variedade imensa de possíveis leitores na internet e essas pessoas
procuram obras de acordo com seus gostos individuais, portanto, a literatura
online proporciona o encontro entre a obra independente e seu público alvo, de
forma mais autônoma e direta do que aconteceria se tal livro passasse pelas
mãos de uma editora.
A publicação independente
permite que qualquer um leia e que qualquer um escreva, trazendo uma variedade
imensa de literatura, incluindo manuscritos inovadores que certamente receberiam
uma bela carta de rejeição de editoras famosas.
Também, de um ponto de vista
didático, não se deve “cortar” completamente as obras ainda imaturas, não se
deve criticar severamente o autor sem carga literária o suficiente para
escrever e desmotivar seu trajeto no meio do mundo de sintagmas. Basta lembrar-se
do conto de abertura do livro “Ovelhas Negras” do aclamado Caio Fernando Abreu.
“A Maldição de Saint-Marie”, segundo o comentário do próprio autor, foi escrito
quando Abreu tinha seus “13 ou 14 anos”. De um ponto de vista teórico, a obra é
repleta de imaturidades comuns, cometidas por todo debutante na escrita. Ainda
em seu comentário, o escritor conta que seu professor de português premiou a
obra.
Imagine agora se o docente
tivesse escrito um enorme artigo criticando os pontos fracos da narrativa. Quão
desmotivador isso seria para uma criança em processo de formação?
A prática da leitura e da
escrita leva a um aperfeiçoamento do estilo e talvez grandes nomes ainda saiam
das plataformas virtuais, o que nos leva a uma pergunta chave: As obras
reconhecidas se manteriam no âmbito virtual, ou migrariam para o mercado
editorial?
Já acontece! Muitos livros
virtuais se tornam físicos, as editoras estão de olho em sites como Wattpad e
por vezes publicam obras que fizeram um enorme sucesso na plataforma. O que nos
leva a um problema de cunho financeiro.
O que uma empresa que visa o
lucro prefere publicar? A obra de massa que certamente terá um
público ou a obra profunda, o investimento arriscado, que pode vir a ser um
fracasso completo e gerar prejuízo? Leve em conta que o leitor que busca
conteúdo profundo, muitas vezes possuí um pré-conceito diante de autores novos
e livros vindos da internet, enquanto o consumidor comum se deixa levar
facilmente por histórias clichés e boa publicidade.
Por fim, vale ressaltar que
esta reflexão não vai de encontro com ideias acadêmicas, apenas tenta abranger
em seus parâmetros uma discussão sobre a atualidade na arte e portanto, busca
uma forma de incluir este novo modo de se fazer literatura no meio científico,
tão impregnado por ideias fixas.