Nu artístico e a marcha do falso moralismo

Dois nus e um gato.
Aquarela pós-impressionista do pintor espanhol Pablo Picasso, em 1903.

Por Wesley Sousa - graduando em Filosofia pela UFSJ


O ocorrido e a contextualização


Novamente as redes sociais teve como centro de discussões o debate “sobre arte”. A exposição do MAM. A performance realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), fez parte da 35º mostra Panorama de Arte Brasileira e foi apresentada na terça-feira 26 de Setembro. 

Demorei um pouco para fazer este texto, por falta de tempo e “preguiça” do tema. Entretanto, senti que devia fazê-lo. Afinal, o blog também trata de questões artísticas e estéticas.

Primeiro, é importante contextualizar. O site Carta Capital publicou uma matéria logo após o ocorrido: “A performance é uma leitura interpretativa da obra "Bicho", de Lygia Clark, artista historicamente reconhecida por proposições artísticas interativas. [...] A obra de Lygia Clark é considerada uma “obra de virada” do século XX, o que significa que é completada mediante a participação do público. Na releitura de Schwartz, o artista manipula uma réplica de uma escultura da série “Bichos”, e se coloca nu diante do público, que tem permissão para tocá-lo.”.

No documentário de Marina Abramovich, sobre a obra “A Artística Está Presente”, uma das pessoas entrevistadas diz que a performance surge como uma reação à pintura que ficava pendurada em determinado local. Penso que pode ser um tipo de trabalho interessante, mas com uma capacidade de compreensão que pode ser muito complexa por seu grau de subjetividade, um exemplo seria a obra “Como explicar imagens para uma lebre morta” do Joseph Beuys.

Pessoalmente, o problema não é na expressão artística em si. Vai além. Então, é preciso separar o joio do trigo antes de sair disparando flechas contra a arte, à obra de Lygia Clark, a partido político ou ao próprio MAM. A exposição não era infantil, a sala estava sinalizada sobre o conteúdo e a responsável por toda essa polêmica não é tão somente a mãe da menina.

A ala mais reacionária, sórdida, imunda que se pode ter numa sociedade, se mostrou “indiganada”. Mais de dois milhões de links sobre a exposição, acusada de estimular a pedofilia, foram compartilhados. Personagens da mais podre nata oligárquica política se prontificaram acerca: até o ex-ator pornô Alexandre Frota, a mesquinha família Bolsonaro, Magno Malta, Feliciano e, como sempre, grupos fascistas como o MBL.


Nu artístico e a marcha do falso moralismo


Em textos passados aqui no próprio blog, inclusive um deles, em que o autor Frederico Lambertucci, chegou a frisar pertinentemente que “A primeira questão a se compreender é que o MBL tem raízes conservadoras, são os ditos cidadãos da boa moral e dos bons costumes. Igualmente aos senhores de escravos que tinham uma moralidade ilibada e cristã, apesar de a noite irem para o quarto das suas mucamas, obviamente que de manhã voltavam a ser aqueles senhores com uma moral férrea, lembremos que a prostituição é correspondente a família monogâmica como apontou Engels.”.

O intuito deste texto é ser claro e objetivo: gente da própria ala progressista “louvando” que isso seja “imoral” para a sociedade – fazendo coro com a sordidez e pensamento raso dos mais podres seres à direita.

É bem verdade que a população, com matrizes arraigadas na sociabilidade da origem do caráter idealista burguês, cujo tem vetores muito diferentes daquelas que realizaram a revolução Inglesa e Francesa, emergindo da ordem feudal, lideraram a revolução que a superou inaugurando uma ordem em que puderam expressar as características mais avançadas possíveis no interior da sociedade burguesa, obviamente com a luta do nascente operariado urbano-industrial. E, nessa forma de organização de classes, como vale repetir, formas jurídicas, morais e “costumes” se desvelam-na.

Porém, é importante nos atentar certas coisas:

Quase 70% dos casos de abusos contra crianças acontecem dentro de casa e cometidos por familiares da criança. Desde muito cedo é necessário explicar para criança que não há nada de errado com a nudez; que nossos corpos são maravilhosos, mas que não ficamos nuas em qualquer lugar e nem na frente de qualquer pessoa. Tem que se explicar que é um carinho normal e o que é um carinho inapropriado, desde muito cedo é preciso explicar que o corpo dela pertence a ela; desde muito cedo é preciso explicar que ela não deve fazer tudo que os adultos mandam e ela pode – e deve – dizer “não”.

Não se deve obrigar a criança a beijar e ou abraçar pessoas que ela não queira, etc. E também é fundamental deixar claro que ouvimos e confiamos na criança e que vamos acreditar em qualquer coisa que ela nos conte. Só assim conseguimos deixar a criança minimamente segura contra abusos.  

As pessoas têm dentro si, com seu falso moralismo, a narrativa que a exposição de um homem nu é “afronta aos costumes e pedofilia”. Nada mais do que devaneio em tempos obscuros e de conservadorismo. Não existe “arte de esquerda” ou “arte degenerativa” como alguns estão alegando. As formas de expressão humana, na sua subjetividade, é algo tão antigo quanto a nossa sociabilidade. Ela trás algo, alguma forma de reflexão, mas neste caso é muito mais sobre uma proposição vaga onde cada vê o que quer – a arte (seja neste caso ou não) tem de ser provocativa, pois do contrário, se torna estéril e amplamente comprometedora.

Se formos pensarmos coerentemente, teríamos que proibir todas as praias de nudismo, por exemplo, porque nelas estão cheias de pessoas desconhecidas peladonas e também crianças! Alguns até trocam carícias e flertam com a libidinosidade. Praias de nudismo, portanto, seriam “promotoras” da pedofilia. A participação de crianças em museus é completamente aceitável, mas é necessário que haja uma classificação para que os pais saibam como e se cabe aos filhos uma interação adequada e eficaz.

O falso moralista é o que geralmente vê BBB e assiste pornô (lembrando que o Brasil é um dos países que mais se consome pornografia no mundo); adora Carnaval (não é juízo de valor na festa, pois é um evento cultural) e o que não percebe que temos altos índices de DST's que não param de subir; cujo tem relacionamentos abusivos para com as esposas e filhos; e, claro, filhos sem registros dos pais em cartório, etc. Poderíamos listar muita coisa, além dessas citadas. 

No caso da exposição do Museu, levar os filhos a tal situação, mostra que a erotização atual das crianças é induzida, em muitos casos, pelos próprios pais. São eles que devem “proteger” os seus filhos, e não os curadores de museus, escola, Internet, o Ministério Público ou os “cristãos de bem” como patrulheiros autoritários e falso-moralistas.

Em conclusão, é preciso repensar seriamente a que caminhos estamos construindo com isso. A discussão é sobre comportamento. E qual comportamento estamos a tê-los? Enquanto isso, somos despidos de todos os direitos, a cidadania, autonomia. A barbárie que se apresenta no horizonte é nada perto do “horror” dos véus da obscuridade. Pode ser questionável a exposição, mas muito ainda é o falso moralismo por detrás de quem está fazendo os questionamentos.
Wesley Sousa

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