Texto original de Michael
Roberts, para seu site The Next Recession, disponivel no link
Traduzido
por Andrey Santiago
Noah Smith é um regular blogueiro de economia da popular
persuasão Keynesiana que agora escreve regularmente para o site
Bloomberg. Um recente texto dele se intitulava “Mercados livres
melhoraram mais vidas do que qualquer coisa”. E ele deu agora usual argumento
que o capitalismo na verdade tem tido um grande sucesso em dar melhores
condições de vida para bilhões comparado com qualquer anterior modo de produção
e organização social e, até onde ele vê, vai continuar sendo o ‘líder do
mercado’ para os seres humanos.
Smith
quer muito refutar a ‘economia mista’, ideias anti-comércio-livre que vem se
mostrando na economia mainstream desde a Grande Repressão, nominalmente, que o
‘neoliberalismo’ e os mercados livres são ruins para as condições de vida. Em
vez disso, uma pequena dose de protecionismo no comércio (Rodrik) e intervenção e regulação estatal (Kwak) ajudam o capitalismo a trabalhar ainda mais.
Mas
não, diz Smith. Neoliberalismo funciona melhor. Ele cita o fenômeno de
crescimento da China como seu principal exemplo! Na China, “a mudança de uma
rígida economia de comando-e-controle para uma que misturou estado e mercado se
aproxima – e a liberalização do comercio – foi sem dúvidas uma reforma
neoliberal. Apesar das mudanças de Deng serem feitas em ad-hoc, numa maneira
senso comum, ele até convidou o famoso economista neoliberal Milton
Friedman para lhe dar algum conselho.”
Ele
então adiciona a Índia ao seu argumento: “Uma década depois que a China começou
seu experimento, a Índia seguiu o mesmo rumo. Em 1991, depois de uma grande
recessão, o primeiro-ministro Narasimha Rao e o Ministro das Finanças Manmohan
Singh adotaram um grande sistema de licenças para negócios, facilitaram o
investimento estrangeiro, acabaram com vários monopólios sancionados pelo
estado, abaixaram as tarifas e fizeram um monte de outras coisas neoliberais.”
Rapaz,
ele realmente morde a bolacha. A economia da China é um exemplo de sucesso de
uma política econômica neoliberal!? Em vários posts mostrei como que a China
não é mesmo uma economia de mercado livre e talvez nem possa ser descrita como
capitalista. A economia do país é mantida pelo estado e controlada com
investimentos e produção orientadas para o estado, com o lucro secundário ao
objetivo principal que é o crescimento. Realmente, os dados do FMI sobre o
tamanho do investimento público e das ações financeiras globais colocam a China
em uma liga diferente comparada com qualquer outra economia no mundo.
Para
a Índia, o setor estatal continua significante, algo que continua a incomodar o
Banco Mundial e os economistas neoliberais. As medidas econômicas da década de
90 dificilmente podem ser usadas como uma explicação para o crescimento
econômico da Índia. Durante os anos 90, a produtividade cresceu em todas as
grandes ‘economias emergentes’ – apenas para cair novamente na Grande Recessão
(2008). A globalização e capital estrangeiro eram os motores em todos os
lugares.
De
qualquer forma, não é realmente verdade que a política governamental da Índia é
neoliberal – pelo
contrário. Em contraste, a clara mudança chocante para o capitalismo
neoliberal na Rússia pós-governo soviético e suas oligarquias foi um desastre
total (Smith chama de um ‘sucesso misto’!). Crescimento, condições e expectativa de vida colapsaram.
Realmente, a conclusão que se pode desenhar é que não foram as ‘reformas
neoliberais’ que dirigiram o relativo sucesso econômico da China e da Índia nos
últimos 30 anos, mas sim a resistência contra tais políticas.
O
outro principal argumento apresentado por Smith para o sucesso do capitalismo é
o suposto declínio na pobreza mundial desde que Marx escreveu O Capital, 150
anos atrás. “Todas as evidencias acima sugerem que a população vivendo em
extrema pobreza tem caído substancialmente nos últimos 200 anos ao redor do
mundo. Como notamos, agregadamente, a população global vivendo em
extrema pobreza foi de 80% em 1820 para 10% nas últimas estimativas.”
Agora,
Marx foi o primeiro a notar o tremendo impulso dado a produção que o modo de
produção capitalista desenvolveu comparado aos antigos modos. Mas como mostrei
em posts anteriores, há um outro lado para os primeiros anos do
capitalismo: a “imizeriação” da classe trabalhadora. E isso é uma
realidade diferente das afirmações de Smith.
Em
2013, o Banco Mundial lançou um documento que reportava que havia 1.2 bilhão de
pessoas vivendo com menos de 1,25 dólar, sendo que um terço delas eram
crianças. O Banco Mundial aumentou
a sua linha da pobreza para 1,90 dólar e Smith se refere as suas
fontes baseado nessa linha. Isso meramente ajustou a antiga figura de 1,20
dólar para mudanças no poder de compra da moeda americana. Mas significou
também que a pobreza global foi reduzida em 100 milhões de pessoas da noite para o
dia.
E, como Jason Hickel aponta, esse $1,90 é ridiculamente baixo.
Uma linha mínima para se viver seria $5 por dia, como o Departamento e
Agricultura dos EUA calculou, que seria o mínimo necessário para comprar comida
suficiente para alguém. E isso sem contar outros requerimentos, como moradia e
vestuário. Hickel mostra que na Índia, crianças vivendo com $1,90 por dia ainda
tem 60% e chance de ficarem desnutridas. No Níger, bebês vivendo com $1,90 por
dia tem uma taxa de mortalidade 3 vezes maior que a média global.
Num
artigo de 2006, Peter Edward da Universidade de Newcastle usou uma “linha da pobreza ética” que calcula que, em ordem para
atingir uma expectativa de vida de mais de 70 anos, as pessoas precisariam de
2.7 a 3.9 vezes a atual linha da pobreza. No passado, isso era de $5 por dia.
Usando os novos cálculos do banco mundial, o número agora é de $7,40 por dia.
Isso nos dá uma figura de 4.2 bilhões de pessoas abaixo desse nível hoje em
dia; ou um aumento de 1 bilhão de pessoas nos últimos 35 anos.
Alguns
argumentam que a razão que há mais pessoas na pobreza é porque há mais
pessoas! A população mundial tem crescido nos últimos 25 anos. Você precisa
olhar para a proporção mundial de pessoas na pobreza, com o corte de $1,90,
assim a proporção abaixo dessa linha caiu de 35% para 11% entre 1990 e 2013.
Então Smith está correto, apesar de tudo. Mas isso é falso, para dizer o
mínimo.
O
número absoluto de pessoas na pobreza, mesmo nesse limiar ridiculamente baixo
de $1,25 por dia, tem aumentado, mesmo que não tanto quanto a população total
nos últimos 25 anos. E, mesmo assim, toda essa evidência otimista de experts
baseia-se realmente na melhoria dramática nos rendimentos médios na China (e,
em menor medida, na Índia).
Smith
diz que “a redução global da pobreza tem sido substancial até quando nos não
colocamos na conta a redução da pobreza na China. Em 1981, quase um terço (29%)
da população não-chinesa mundial estava vivendo na extrema pobreza. Em 2013,
essa porcentagem caiu para 12%.”
Entretanto,
Peter Edward descobriu que havia 1.139 bilhão de pessoas ganhando menos que 1
dólar por dia em 1993 e esse número caiu para 1.093 bilhão em 2001, uma redução
de 85 milhões. Mas a redução da China nesse período foi de 108 milhões (sem
mudanças na Índia), então, toda a redução nos números da pobreza foi por causa
da China. Exclua a China e pobreza total continua se mudar na maioria das
regiões, enquanto cresce significativamente na África Subsaariana. E, de acordo
com o Banco Mundial, em 2010, a pessoa pobre “média” em um país com baixa renda
vivia com 78 centavos por dia em 2010, comparado com 74 centavos em 1981,
dificilmente uma mudança. Mas essa melhora foi toda na China e na Índia. Na Índia,
a renda média das pessoas pobres subiu para 96 centavos em 2010, comparado com
84 centavos em 1981, já na China aumentou em 95 centavos em 2010, comparado com
67 centavos em 81.
E mais, os níveis de pobreza
não devem ser confundidos com a desigualdade de renda ou riqueza. Sobre o último, há
evidencia que o nível da desigualdade de riqueza global vem aumentando,
muito bem registrado. O último relatório anual do Credit Suisse sobre riqueza pessoal
global descobriu que os principais 1% dos detentores de riqueza
pessoal em todo o mundo agora possuem mais de 50% da riqueza mundial – de 45%
dez anos atrás. Na verdade, a maioria das pessoas nas principais economias
capitalistas avançadas estará entre os 10% dos detentores de riqueza porque
bilhões de pessoas não têm riqueza!
O
Credit Suisse descobriu que a riqueza global aumentou 6,4% no ano passado – o
mais rápido desde 2012 – graças ao aumento dos mercados compartilhados e dos
preços das casas. Mas o crescimento mais fraco foi na África, a região mais
pobre, onde a riqueza familiar aumentou apenas 0,9%. Considerando as mudanças
populacionais, a riqueza por adulto caiu 1,9% em África. O crescimento mais
rápido foi na América do Norte, onde aumentou 8,8% por adulto.
E
nas tendências atuais, a desigualdade aumentará ainda mais. A perspectiva para
o segmento milionário parece muito melhor do que para o fundo da pirâmide de
riqueza (menos de US $ 10.000). O primeiro deverá aumentar em 22%, de 36
milhões de milionários hoje para 44 milhões em 2022, enquanto o grupo que ocupa
o nível mais baixo da pirâmide deverá diminuir apenas 4%. Nos EUA, as três pessoas mais ricas lá – Bill Gates, Jeff
Bezos e Warren Buffett – possuem tanta riqueza quanto a metade inferior da
população dos EUA, ou 160 milhões de pessoas.
Quanto
a renda, se você tirar a China dos números, a desigualdade global, de qualquer
jeito você a mede, cresceu nos últimos 30 anos. A desigualdade global “elefante”apresentada por Branco
Milanovic descobriu que as 60 milhões de pessoas que constituem o maior dos 1%
dos rendimentos do mundo viram os seus rendimentos aumentar em 60% desde 1988.
Cerca de metade deles são os 12% mais ricos americanos. O resto do top 1% é
composto pelos principais 3-6% dos britânicos, japoneses, franceses e alemães,
e os 1% superiores de vários outros países, incluindo a Rússia, o Brasil e a
África do Sul. Essas pessoas incluem a classe capitalista mundial – os
proprietários e controladores do sistema capitalista e os estrategistas e
decisores políticos do imperialismo.
Mas
Milanovic também descobriu que aqueles que ganharam mais renda nos últimos 20
anos foram os que ficam no “meio global”. Essas pessoas não são capitalistas.
Essas são pessoas principalmente da Índia e China, antigos camponeses ou
trabalhadores rurais que migraram para cidades para trabalhar nas lojas e nas
fábricas da globalização: seus rendimentos reais subiram de uma base muito
baixa, mesmo que suas condições e direitos não tenham subido também. Os maiores
perdedores são os mais pobres (principalmente os agricultores rurais Africanos)
que não ganharam nada em 20 anos.
A
evidência empírica suporta a visão de Marx que, sob o capitalismo, a pobreza
(como definida) e a desigualdade de renda e riqueza não tem realmente melhorado
sob ele, sob o neoliberalismo ou qualquer outro parecido. Qualquer melhora na
pobreza em níveis globais, seja como foi medida, é explicada em grande parte
pela China controlada pelo seu estado e qualquer melhora na qualidade e
longevidade da vida vem da aplicação da ciência e conhecimento através do gasto
do estado na educação, no saneamento básico, na agua limpa, na prevenção e
proteção de doenças, na construção de hospitais e melhor desenvolvimento para
crianças. Essas são coisas que não vem do capitalismo, mas sim da vontade
comum.
Então,
a previsão de 150 anos atrás de Marx, que o capitalismo levaria a maior
concentração e centralização da riqueza, em particular, dos meios de produção e
finanças, tem se comprovado. Contrário ao otimismo e a apologia de economistas
mainstream como Smith, a pobreza para bilhões ao redor do mundo continua a
norma, com poucos sinais de melhora, enquanto as desigualdades dentro das
maiores economia capitalistas aumenta ao capital ser acumulado e concentrado em
grupos ainda menores.