O idealismo ingênuo pequeno-burguês do reformismo tardio: o caso da UFMG para além das aparências



Por Wesley Sousa – graduando em Filosofia pela UFSJ-MG

Jean Lucas – graduando em História pela UFF-RJ

Vinicius Lima – graduando em Direito pela UNASP

Frederico Lambertucci – bacharel em Ciências Sociais pela UFGD-MS

Fernando Durães – graduando em Filosofia pela PUC-MG



Contextualização do Problema


Segundo o site GGN, “a Polícia Federal invadiu a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) levando em condução coercitiva o reitor e a vice-reitora, em uma operação sintomaticamente denominado de “Esperança Equilibrista”. O uso do advérbio de modo refere-se ao fato de que o nome da operação faz também referência de algo mais significativo, qual seja, do livro do professor Juarez Guimarães, da própria UFMG, sobre o governo Lula.”.

blog O Cafezinho também publicou uma matéria sobre, dizendo que “O ocorrido com o reitor da UFSC, a absurda nota de instituição financeira do exterior a criminalizar o ensino superior público, as inúmeras investidas contra os setores profissionais, artísticos e culturais que lutam contra o arbítrio e pela democracia real são claros sinais do estado de exceção em curso no país.”.

Países que passaram por ditaduras têm movimentos emblemáticos representando a luta contra a repressão. O Brasil teve mais de 50 mil pessoas anistiadas, reconhecidas como perseguidas pela ditadura e não tinha nenhum monumento, diz Luís Nassif, do “GGN”.

É sabido que parcela da esquerda política sempre se destacou por requerer punições mais brandas ou alternativas a delinquentes, e também por denunciar a seletividade de agentes da justiça para com certos grupos ou classes sociais ao fazerem, por exemplo, vista grossa de delitos praticados por ricos, brancos etc. e acentuar a punição ao se tratar de pobres, negros etc.

Infelizmente, ao mesmo tempo que certos setores de esquerda bradam por menos seletividade e discriminação, primitivamente vociferam requerendo mais rigor na punição dos privilegiados da sociedade, o que de certa forma é o anseio de reformadores da ordem.


O Estado como aparelho legítimo de repressão


Nesses períodos de crise social, econômica e política afloram-se como nunca espíritos extremamente autoritários, ignorantes, insensíveis e imediatistas, formando no seio social um ambiente de hostilidade e de perpetuação da repressão. E isso, assumindo-se a conhecida divisão esquerda x direita, atinge indistintamente as duas categorias do espectro político.

Analisando a constituição que ainda preserva um artigo de lei e de ordem nos remetemos ao filósofo brasileiro José Chasin: “o novo é a reiteração de tudo que há de mais velho”, a transição do regime militar para o regime democrático da constituição de 88 guardou seu resquício velho no artigo 142.

Evocando Kafka em seu “O Processo”, talvez depois de tanto esperar para passar pelo portão de aço que é o Estado, o próprio venha e diga que a passagem sempre foi para nós (essa seria a versão dentro da lei). O correto seria: nós passamos por cima do porteiro que guarda o portão do Estado e faremos uma chave para abrir o portão, mesmo de aço ele tem uma chave que possui um segredo, e o chaveiro que pode abrir é a classe trabalhadora, ela pode também explodir o portão acaso não tenha o conhecimento do chaveiro (a revolução).

Inclusive, já há um projeto de Lei na tentativa de “criminalizar o comunismo”. Vale lembrar que foi num governo “reformista” que foi sancionada a chamada Lei Antiterrorismo, cujos efeitos certamente atingirão em cheio os movimentos progressistas contra a ordem hegemônica. E bem como é importante lembrar a censura que o grupo de estudos socialistas da UFOP sofreu.

O Estado capitalista nada mais é do que um instrumento da classe burguesa para a manutenção de seus privilégios e de seu controle sobre a sociedade. Os liberais ou reformistas podem muito falar de diminuição do Estado, mas a realidade é que sempre a burguesia aparelhou o poder estatal para manter seu status quo, e enquanto as relações do capital existirem não será possível emancipar o proletariado como um todo, nem será possível a extinção das estruturas de Estado, pois estas fazem parte da constituição mesma deste que é, desde seu nascimento, o mais eficaz e “legítimo” instrumento de salvaguarda da ordem econômica capitalista.


O ardil politicista do punitivismo


Enquanto o sistema faz as eleições politizadas para afastar e garantir o quadro econômico, as oposições, enredadas, por dentro e por fora, pelo ardil politicista, afastam a questão econômica para “garantir as eleições” e “conquistar a democracia”. O diabólico “pôr de lado a questão econômica” é que, além de fazer o processo convergir na direção dos interesses do sistema, confunde, desarma, desorganiza e desmobiliza o movimento de massas.

Setores do reformismo, como parte do PSOL na figura de Luciana Genro, afirmam, segundo o Esquerda Diário: “O Juiz Sérgio Moro disse: ‘Há duas alternativas, fazer de conta que não existe, deixar tudo passar ou enfrentar’. Eu defendo que é necessário enfrentar a corrupção, doa a quem doer. Nada pode parar as investigações". Ou seja, Luciana diretamente pede por “mais Lava Jato” neste comentário, demonstrando que considera ser possível acabar com a corrupção com uma operação como essa.

Já reproduzimos aqui no blog um artigo da Maria Lúcia Karam denominado “A Esquerda Punitiva”, que nos ajuda a perceber a inutilidade e erro de se persistir no discurso punitivista:

“Este histérico e irracional combate à corrupção, reintroduzindo o pior do autoritarismo que mancha a história de generosas lutas e importantes conquistas da esquerda, se faz revitalizado na hipócrita prática de trabalhar com dois pesos e duas medidas (o furor persecutório volta-se apenas contra adversários políticos, eventuais comportamentos não muito honestos de companheiros ou aliados sempre sendo compreendidos e justificados) e do aético princípio de fins que justificam meios, a incentivar o rompimento com históricas conquistas da civilização, com imprescindíveis garantias das liberdades, com princípios fundamentais do Estado de Direito.”
[...]
Ao centralizarem o “combate à corrupção” na utilização da reação punitiva e somarem suas vozes ao clamor contra a impunidade e ao apelo por uma maior eficiência da repressão, esses setores de esquerda aderem à ideia de que um maior rigor repressivo é necessário para acabar com aquelas práticas de corrupção e com a impunidade de seus autores, assim ignorando o fato de que nenhuma reação punitiva, por maior que seja sua intensidade – e ainda que fosse possível a superação dos condicionamentos de classe – pode pôr fim à impunidade ou à criminalidade de qualquer natureza, até porque não é este seu objetivo.

Vejam um trecho de um texto escrito pela Luciana Genro ao site Justificando e republicado no Diário Centro do Mundo, “Seletividade não é, portanto, uma característica que se possa atribuir à Lava Jato, mas sim aos políticos, às corporações e suas mídias. Uma parte deles quer usar a investigação para criminalizar o PT, enquanto outra tenta inocentar os petistas. Ambos querem salvar a própria pele.”.

Luciana Genro e seus asseclas se esquecem que o sistema político-jurídico é de dominação de classes; é instrumento legítimo pelo qual a justiça tem lado: o lado de quem detém o monopólio do poder econômico. Assim, quaisquer tentativas de imputar “imparcialidade” ao Direito é ou idealismo ou compromisso escuso, a legitimar ações repressivas em todos os âmbitos possíveis, como é o caso da UFMG – do Memorial da Anistia em Belo Horizonte.

Portanto, a ideia de que alguma mudança substantiva pode ocorrer no interior do Estado (e, isto não significa negar o Estado) é puramente idealista e sempre irá naufragar pelos imperativos da própria sociedade burguesa. O Estado é um complexo que tem como fundamento a propriedade privada; sua existência está ancorada na reprodução sóciometabólica do capital (e é impossível desvincular o Estado disso), independentemente de política pública, econômica e etc. Todas essas medidas são variações no interior da mesma ordem reprodutiva. 


Idealismo ingênuo e reformismo sem reformas


Qual o problema atual? Primeiro, perdeu-se a perspectiva revolucionária, pois que o Estado seria na concepção reformista (mesmo que nem sempre se saiba disso) o centro ao redor do qual os homens giram a fim de resolver seus conflitos. A luta de classes, portanto, não se resolveria na superação da propriedade privada dos meios de produção, condição sob a qual uma classe se coloca acima e contra o restante da sociedade – e em nossa sociedade essa classe é a burguesia – mas, sim, na luta por políticas públicas, espaço e representatividade, que não alteram em uma grama aqueles fundamentos que engendram o estado atual de coisas, a crescente pauperização, a miséria, o desemprego e a crise estrutural do capital em todas as suas consequências.

Os sujeitos podem ter a vontade que quiserem, e mesmo a melhor das intenções, sua ação não produzirá nada além da reprodução das mesmas estruturas da ordem do capital, a menos que essa ação se volte contra o estado de coisas existente. Essa revolta não pode ser cega. Assim, o sujeito revolucionário, esse que se volta contra o estado de coisas existente, deve primeiro conhecer, do ponto de vista revolucionário, isto é, do ponto de vista do sujeito trabalhador, esse estado de coisas.

Mas a realidade está aí para mostrar aos habermasianos, arendtianos, adeptos de Ralws e demais liberais politicistas à esquerda (ao somarem vozes com conservadores e reacionários) que não há agir comunicativo ou sistema político-jurídico que por si só sustente o espírito do compartilhamento de poder das decisões públicas, instituições e nos próprios espaços de convivência dentro da sociedade dividida em classes sociais.

Floresce todo o tipo de oportunismo com uma concepção frágil, inclusive do juridicismo e punitivismo, que não consegue se mover no interior do parco conhecimento da própria situação de classe. Em suma, não atinge aqueles fundamentos que residem na propriedade privada dos meios produtivos, no capital (em todas as suas formas de manifestação) e no Estado como produto histórico da sociedade de classes, que precisa ser superado no interior do processo de transformação do trabalho assalariado em trabalho livremente associado.

Basta-nos ver que temos a “bomba-relógio” que é nosso sistema carcerário: a população prisional não para de crescer e o problema da corrupção continua intacto.

Quando, em 1964, as disputas se acirraram e o clima da Guerra Fria atingia diretamente os âmagos da sociedade brasileira, o presidente João Goulart tocou em questões que, primariamente, tratariam de serem benéficas para uma camada desfavorecida da população, quando abordou as reformas de base. Setores da elite apoiados pelo capital estrangeiro, temendo que a situação governamental no país desse uma guinada “à esquerda”, isto é, passasse a não prover somente o bem para a burguesia, mas desse mais espaço para a classe trabalhadora e seus anseios, deram um golpe de Estado e instauraram uma Ditadura Militar que teve bases no capital internacional.


Conclusão


Por fim, manifestamos nosso profundo repúdio ao Estado policialesco, contra a censura que tem fortes resquícios da ditadura militar. Falar no sentido que o conservadorismo e o reacionarismo impõe um senso comum hegemônico sobre o passado, criminalizando movimentos sociais, estes almejam viabilizar o sistema atual como o único possível, ou seja, suprimir todas e possíveis mudanças radicais possíveis. Sendo que apenas criticas de “reformas” ou “punições” ao sistema são permitidas, mas mudá-lo pela raiz, não, porque é da natureza do sistema o domínio de classe.

Quando se aceita essa lógica da reação punitiva, está se aceitando a lógica da violência, da submissão e da exclusão, em típica ideologia de classe dominante – e que recai sobre nós mesmos.

E nós, da Acervo Crítico, como formadores de opinião, militantes pela emancipação humana, juntamos forças contra a barbárie que se apresenta no por vir, tendo só mais um demonstrativo no caso da UFMG.

Wesley Sousa

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