Crítica à filosofia do “fim da história” de Fukuyama




Por Felipe Lustosa - graduado em Filosofia e também em História pela UFF-RJ


Francis Fukuyama, em seu livro panfletário “The End of History and the Last Man” desenvolveu uma concepção de cosmos e sociabilidade totalmente parcial e apologética ao liberalismo a qual visava coroar com uma láurea a democracia-burguesa “como sendo este modelo a quintessência dos receituários político-econômicos já desenvolvidos pelos homens”.

Para Fukuyama, o capitalismo seria o suprassumo da civilização ocidental, mas só estaria condenado a prosperar e “dar certo”, em sua jornada civilizatória, se seguisse um norte pré-determinado e acordado ominosamente entre governantes e governados, em direção ascendente rumo à sua mundialização sistêmica. Antes disso, para nosso filósofo, os seres sociais transitaram como “seres errantes” entre modos de produção rudimentares que impediam a sua “plena efetivação”, coisa que eles só atingiriam no capitalismo (é claro), assim como zanzaram por modelos de sociedade bárbaros e menos sofisticados que aquela “fase áurea” inaugurada pelo capitalismo monopolista e pela livre-concorrência, tendo este modelo como seu ponto chave (point d’honneur) o qual lhe causava particular entusiasmo, o lapso histórico-temporal onde se lançava por terra e mar de maneira mais acachapante e invasiva, com a globalização e a circulação de mercadorias como a cruz e a espada dos novos tempos. Fukuyama nota isso como faina ontopositiva ao ser social, como civilização, é certo que para nosso Confúcio, a globalização é essencial à efetivação do homem, para ele, algo nunca antes visto em outros modos de produção.

Mas o capitalismo consignado e firmado somente em alguns países não bastava para Fukuyama, ele teria de se tornar um sistema unipolar e mundializado. Os homens de ínterins remotos, vagaram solitários do Comitatus bárbaro ao modo de produção feudal, demolindo-os com gadanhas e tochas durante as revoluções burguesas, até chegarem à uma encruzilhada existencial, onde tiveram de optar entre três caminhos: Pelo Fascismo, pelo Socialismo, ou pelo Capitalismo concorrencial e democrático. Fukuyama, então, em sua análise, opera uma inversão ontológica pérfida, subjetivista, mistificadora e costumeira à todos os teóricos conservadores, que buscam propositalmente obnubilar para mais tarde colher os frutos maduros: "parte da mão do símio para tentar explicar a mão humana", do gene empreendedor o qual “define a essência e o caráter do homem de negócios”, de um universo onde um Australopithecus escavador de tubérculos é tão empreendedor quando o CEO bem-sucedido da Micrtosoft.

Para Fukuyama, este citoyen do mundo (cosmopolita), prestes a aprimorar-se em sua forma final e acabada, choca-se com as formas civilizadas e democráticas de cidadania e sociabilidade e com as formas autocráticas e, portanto, bárbaras ele tem um Phatos; ele se depara com uma bifurcação tripartida e depois de algumas incursões (em todos os terrenos), como é agora o suprassumo do esclarecimento, resolve-se por suplantar tanto o Fascismo, quanto o Socialismo e “no fim da história”, decide-se por legitimar com fogos e champanhe o “maravilhoso capitalismo concorrencial” como sistema econômico adequado, modalizando, de prontidão. Fukuyama escolhe o capitalismo por ser em sua concepção abjeta, fetichista e parcial, o sistema sócio-econômico “mais ético e humanizado” o qual incumbiu-se, inclusive, como “monta civilizacional” de riscar do mapa todas as formas de sociabilidade “totalitárias”.

Partindo deste pressuposto, Fukuyama, pensa que o capitalismo teria de se tornar um sistema unipolar e este marco para ele, ganharia particular notoriedade mundial com a débâcle do muro de Berlim. Com este fato histórico nosso filósofo irracionalista se candidata então a “guru” desta “nova ordem mundial” a qual fora meticulosamente planejada nos gabinetes da Casa Branca, sendo alçado à condição pop-star pelo então governo Reagan. No entanto, falta-nos a paciência para explicar a Fukuyama que todos os fascismos foram formas de sociabilidade/experiências societárias, capitalistas, tanto em sua cadeia produtiva [produção de bens, distribuição, circulação de mercadorias e ampliação do valor], quanto em sua doutrina-econômica, compendio teórico-metodológico, receituário e superestrutura ideológica, isto é, o fascismo, em seu sócio-metabolismo plasmado foi capitalista até a medula.

Talvez nosso filósofo estivesse vendado, inebriado, ou adormecido quando Thatcher e Reagan garantiram apoios e salvaguardas econômicas, militares e políticas ao “democrático” ditador Augusto Pinochet, o qual utilizava estádios de futebol como campos de concentração para eliminar seus opositores políticos. Mas Fukuyama não havia furado seu dedo no fuso da roca de tear enfeitiçado, não estava vendado nem em sono profundo, ele não somente fez vista grossa a este fato, como coadunou com isso em terreno teórico através da anulação da dialética enquanto categoria cara ao desvelamento da história, como incutiu que as revoluções eram um grande erro histórico, anulando o motor da história, sua força galvano-motriz, em seu pasquim: estas alianças “estratégicas” para nosso nipo-pós-moderno, seriam as “dores do parto” de uma nova era: a “nova ordem mundial”.

Fukuyama despendeu esforços intelectivos seminais [como ideólogo do Capital e intelectual orgânico do imperialismo] empenhando-se em lançar uma cosmovisão conservadora, alijante e limitadora com o verniz de “progresso e liberdade”, o panorama o qual Fukuyama desejava vislumbrar, era este: “com a desagregação do mundo soviético os tensionamentos entre as duas potências hegemônicas [URSS e EUA] se diluiriam e por fim, os homens viveriam em uma “era de ouro da civilização” [a golden age da humanidade] onde não somente os tensionamentos ideo-políticos iriam sistematicamente cessar, assim como a própria guerra (oriunda destes tensionamentos), a luta de classes (esta coisa horrível da qual os marxistas vivem falando), o trabalho, como também, para os asseclas de nosso Confúcio pós-moderno-, as desigualdades sociais... Bem, parece-nos que Fukuyama escreveu não uma obra de filosofia, mas uma robinsonada jocosa do romantismo burguês, um conto de fadas.

Para Fukuyama, o liberalismo seria “o regime fundado no terreno político da democracia burguesa e no terreno econômico da ética e da liberdade”, isto é, nas palavras do próprio Confúcio pós-moderno: “no direito de livre atividade concorrencial e econômica; de troca econômica e bem mútuo, baseados na propriedade privada e nos mercados como entes autoreguladores”. Tragicamente, as irrisórias previsões de Fukuyama desmoronaram como um Rhodes de Bronze sobre sua cabeça: com a dissolução do mundo soviético e com o capitalismo assumindo sua faceta financeira e neoliberal, se tornando o sistema unipolar e sem contrapontos; o imperialismo se intensificou e se tornou mais atroz e dilapidador, por meio da indústria da guerra e da expropriação as nações periféricas eram atiradas em uma moenda do saque e da razia imperialista, as desigualdades sociais e a superexploração quadruplicaram, a devastação do meio-ambiente tomou proporções inimagináveis e o exército de miseráveis sub-proletarizados e de lúmpens aumentou drasticamente, por conseguinte, a concentração de riqueza nas garras de grandes oligopólios tomou proporções surreais e mais desproporcionais que no século passado.

A dialética não só se mantinha viva junto à roda da história, como se vingava como um bumerangue atirado, de nosso filósofo irracionalista e distraído o qual dera as costas sem dar muita importância ao artefato, logo após atirá-lo. Ainda que se queira escamotear e velar a concretude, ela continua a ser real porque continua a existir, não se pode boicotar a imanência com desejos de paixão esperando mudá-la com pensamento e vibrações (como fez nosso filósofo) o mundo profano não pode ser tocado pelas promessas do mundo de deus.

A metafísica burguesa elevada ao estatuto de “teoria social” e de ciência de Fukuyama, não somente inventa seu objeto de estudo, como adultera a realidade e a história tendo por meta negar a última, como os resultado decorrentes de sua quimera inventada com uma semiologização cretinizada própria a qual valora o devenir burguês. Ele pretendia exaltar as classes dominantes, tomando muito claramente partido pela burguesia, forjando e manipulando dados, fazendo pseudociência e molhadas juras de amor, induzindo a mistificação das relações societárias entre sujeitos e entre estes e o mundo natural, se esforça nosso neo-Confúcio, em depreciar a teoria do valor-trabalho com seu giro semântico vulgar, decaindo da condição de filósofo para a de sofista, pois que não utiliza-se da heurística, mas de seu oposto: a pérfida erística, em especial quando nega ou vela as contradições inelimináveis entre capital e trabalho. “O fim da história” não passou do Fim anunciado de Fukuyama.


Notas:

·         Yoshihiro Francis Fukuyama é um filósofo e economista político nipo-estadunidense. Figura chave e um dos ideólogos do governo Ronald Reagan, Fukuyama é uma importante figura do conservadorismo.


·         O livro O Fim da História e o Último Homem, do filósofo Francis Fukuyama, completa vinte e cinco anos. Publicado em 1992, teve origem em um artigo intitulado O Fim da História?, publicado três anos antes, em 1989 na revista The National Interest. 


Acervo Crítico sempre abre espaços para colunas de Opinião para nossos seguidores e leitores. Caso queiram contribuir, entrem em contato conosco!

Wesley Sousa

2 Comentários

  1. Mercado

    O mercado deveria ser livre, no sentido de não haver muitas leis sobre o mercado, pois quanto mais leis sobre o mercado mais difícil é abrir uma empresa, portanto haverá menos empregos, quanto menos leis no mercado mais fácil será abrir uma empresa e mais empregos haverá, quanto mais empresas existirem será maior a competição e assim menores preços e se há muitas empresas competindo há leis trabalhistas naturais que surgem naturalmente ou seja melhores salários e melhores qualidades no local de trabalho

    ResponderExcluir
  2. O autor está tão enfeitiçado por seu ódio ao capitalismo e tão certo de que os cegos são os outros que o simples processo cronológico como "Ronaldo Reagan" -"queda do Muro de Berlim" - e Fukuyama guru" não conseguem se encaixar... Sei não....

    ResponderExcluir
Postagem Anterior Próxima Postagem