Atualmente, o termo “depressão” tem se igualado à noção de tristeza e
pouco se entende sobre seu fator social, já que as tendências da psiquiatria
abordam a doença a partir de um ponto de vista biológico e individual
Extraído do site Esquerda
Diário
Data quarta-feira 20 de dezembro de 2017
Tradução:
Laura Scisci
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), calcula-se que a
depressão afeta mais de 300 milhões de pessoas no mundo, que cerca de 800.000
pessoas se suicidam a cada ano, que 78% dos suicídios ocorrem em países de
baixa e média renda, e que o suicídio é a segunda principal causa de morte entre
jovens de 15 a 29 anos.
A depressão
inclui sintomas como perda do sentido da vida, inibição, desesperança,
sentimentos de vazio, infelicidade, um mal estar indefinível e generalizado,
desinteresse pelo cuidado pessoal e por atividades que antes eram gratificantes,
insônia ou hipersônia, fatiga ou perda de energia, dores de cabeça, transtornos
alimentares, diminuição do desejo sexual, dificuldade de raciocínio e
concentração, ansiedade, sentimentos de culpa, inutilidade e de um profundo e
incontrolável sofrimento.
Algumas de suas
consequências são o abandono do trabalho ou dos estudos, conflitos conjugais
e/ou familiares, alcoolismo e dependência de drogas; do mesmo modo, a depressão
não equivale a suicídio, mas este é uma possibilidade em casos graves. O nível
depressivo – leve, moderado ou grave – dependerá do histórico psíquico de cada
sujeito e dos recursos com os quais possa contar, como as redes de apoio de
familiares e amigos.
Pode te interessar "De volta aos tempos
sinistros do manicômio"
No México, os
índices de suicídio aumentaram catastroficamente, já que no ano de 1994 foram
registrados 2.603 suicídios, e em 2016 estes números cresceram aproximadamente
200%, com 6.370 suicídios registrados. De acordo com dados do órgão mexicano
Instituto Nacional de Estadística y Geografía (INEGI 2017), 41,3% destas mortes
correspondem a jovens de 15 a 29 anos e 3,7% correspondem a adolescentes de 10
a 14 anos de idade.
Fonte: INEGI Estatísticas de mortalidade]
Além disso, é
importante destacar que 8 a cada 10 suicídios no México foram cometidos no
interior de domicílios particulares (76,2%), segundo dados do INEGI.
O tabu da depressão e seu fator social
Parece um
paradoxo que, por um lado, o termo “depressão” seja cada vez mais utilizado e
igualado à tristeza ocasional, mas por outro siga sendo um tabu que “deve” ser
enfrentado em segredo e de maneira individual – como se sua aparição fosse um
traço unicamente individual! Tal tabu transforma a depressão em sinônimo de
suicídio, o que se torna um risco para os que dela padecem e são vistos com
empatia.
No entanto, não
é coincidência que a depressão e suas consequências, como o suicídio, tenham se
transformado em uma das principais “doenças do século 21” e uma das principais
causas de morte – ou que será num futuro próximo –, em especial para um amplo
setor da juventude trabalhadora que vê quebradas suas esperanças de ter uma
vida digna, já que as condições de trabalho em que os jovens se inserem a cada
dia são mais golpeadas.
A depressão tem
múltiplos elementos que não podem ser generalizados porque dependem de cada
sujeito, como seu histórico familiar e psíquico; contudo, o fator social é determinante
no seu desencadeamento e permanência. Como explica Ana María Fernandez em seu
livro Jóvenes de vidas grises (“Jovens
com vidas cinzas”), não se pode isolar o contexto social que impossibilita à
juventude um planejamento de seu futuro, como têm feito as economias
neoliberais que instituem na subjetividade uma quebra de esperança coletiva, o
que corresponde a “toda uma estratégia biopolítica de vulnerabilização”.
Tais condições
não podem ser explicadas sem se compreender o modo de produção capitalista que
a cada dia é mais voraz, que busca aumentar seus lucros precarizando e
empobrecendo a vida da classe trabalhadora de conjunto – somente no México há
mais de 50 milhões de pessoas em situação de pobreza. E é neste cenário que a
juventude se insere num mundo competitivo e a cada vez mais individualista –
este setor representa um amplo exército de reserva no mundo do trabalho e
enfrenta cada vez maiores dificuldades para estudar, já que possui as piores
condições de trabalho e menos de 15% dos que prestam vestibulares para a
universidade têm acesso à educação.
O transtorno
depressivo e seu crescimento brutal parecem mais ser um sintoma de uma época
que reflete a pouca esperança em relação ao futuro, causada pelas condições
cada vez mais insustentáveis nas quais vive a classe trabalhadora. Não é de se
espantar que este setor sinta um profundo desânimo e tenda à depressão crônica
ou ao suicídio.
Como mostram os
dados, a maioria dos suicídios ocorre no âmbito privado, mas também existem
casos em que claramente se nota o determinante social, como aconteceu em 2012
com Dimitris Christoulas, o aposentado de 77 anos que se suicidou em frente ao
parlamento grego. Em parte da carta encontrada nos bolsos do idoso que pôs fim
à sua vida, se lia:
“O Governo de
Tsolakoglou aniquilou qualquer possibilidade de sobrevivência para mim, que se
baseava em uma pensão de aposentadoria muito digna que eu havia pagado por
conta própria sem nenhuma ajuda do Estado durante 35 anos. E, dado que minha
idade avançada não me permite reagir de outra maneira (ainda que, se um
compatriota grego sacasse um kalashnikov [tipo de fuzil], eu o apoiaria), não
vejo outra solução que não seja pôr fim à minha vida desta forma digna para que
não tenha que acabar revirando lixeiras para poder sobreviver. Creio que os
jovens sem futuro algum dia sacarão as armas e as apontarão boca abaixo aos
traidores deste país na praça Syntagma, como os italianos fizeram com
Mussollini em 1945.”
O capitalismo
mostra a mais profunda barbárie contra o conjunto da classe trabalhadora a
nível internacional. Por tal razão, dizemos: nossas vidas valem mais que seus
lucros!
Sobre a individualização da depressão
e a saída realmente necessária
Dentro do
modelo hegemônico da psiquiatria, a depressão é encarada a partir do ponto de
vista biológico, individual, a-histórico e associal, que pressupõe uma
alteração bioquímica no cérebro, como o desequilíbrio dos neurotransmissores
serotonina e norepinefrina.
Esta concepção
contribui para que quem sofre desta doença não identifique claramente o que se
passa, sofra em silêncio e se isole do mundo externo; além disso, fortalece a
ideia de que seja um problema individual, e não social.
No geral, o
tratamento para essa problemática consiste na medicação prescrita em um
discurso individual e que garante os lucros da indústria farmacêutica. Estas
medidas apenas buscam tapar o sol com a peneira e dão uma solução paliativa
para os sintomas, mas não chegam à raiz do problema. Cada vez é mais frequente
a medicação em idade precoce, seja em quadros infantis de depressão, insônia ou
“hiperatividade”, o que faz com que os sujeitos sejam transformados em seres
dóceis e produtivos. Se a pergunta é como a medicação beneficia o
capitalismo...aí está a resposta.
É necessário
construir e fortalecer os laços familiares e sociais que se veem fragilizados
pela competitividade, como podem ser os laços de solidariedade entre os(as)
trabalhadores(as), para que os sujeitos estejam melhor armados anímica e
psiquicamente para enfrentar estas condições. Qualquer solução que não busque a
transformação radical da sociedade será impotente, frente à problemática que se
desencadeia a partir da precarização da vida e que nos arranca o desejo e o
sentido de viver.
Fontes: