O efeito das memórias e informações falsas

Fonte: https://goo.gl/6UN3P1


Por Gerônimo Gregolini Pucci – Psicólogo pela PUC-MG/mestrando na University of Otago.
Publicado originalmente no site SimplesMente

O âmbito jurídico, assim como outros âmbitos de atuação do psicólogo, constitui uma área de fazeres em que vidas humanas são definitivamente mudadas. Seja por intervenção na forma do poder estatal, que integra obrigações e restrições forçosas e legitimadas, ou por abonos, alívios e restituições, os sujeitos que se encontram no contexto jurídico estão sempre a um passo de uma grande mudança. Nesse sentido, cabe à psicologia o dever ético de oferecer serviços baseados na realidade dos fatos psicológicos, tais como os descritos pela ciência, e não baseados em meras conjecturas imaginativas e empiricamente nulas.

Neste texto, examinaremos o conceito de Efeito da Falsa Informação a partir do artigo “Planting misinformation in the human mind: A 30-year investigation of the malleability of memory” (LOFTUS, 2005). Elizabeth F. Loftus é uma psicóloga cognitivista americana conhecida por seus trabalhos experimentais na área da memória humana, por sua contribuição histórica contra os mitos da memória reprimida e por sua atuação em casos jurídicos emblemáticos envolvendo testemunhos e memórias “recuperadas”. Hoje a pesquisadora trabalha principalmente com o chamado “Efeito da Falsa Informação”, e com os fenômenos cognitivos associados à constituição e rememoração de falsas memórias.

“Efeito da Falsa Informação” é o nome dado à mudança (normalmente para o pior) no relato de pessoas após estas terem sido expostas a informações enganosas, e já foi observado em humanos de todas as idades, gorilas, ratos e pombos. O fato de ter sido notado em animais não verbais sugere que este efeito não é mera característica de demanda – ou seja, não é o caso que as pessoas sob este efeito relatam memórias alteradas somente pela pressão social e vontade de agradar a quem ouve.

Tradicionalmente, o Efeito da Falsa Informação surge a partir do momento em que se contextualiza estes três passos: 1) sujeitos assistem a diversos eventos complexos, como, por exemplo um homem roubando a carteira de uma mulher; 2) alguns sujeitos recebem informações falsas sobre o que assistiram (ex.: alguém diz que o braço de determinada garota estava machucado, quando na verdade era seu pescoço); 3) sujeitos expostos a falsas informações apresentam memória distorcida cerca de 47% das vezes, e.g. “a garota que foi roubada estava com o braço machucado”. Esta estruturação é utilizada tanto em estudos experimentais sobre o tema quanto na organização cronológica de certos eventos juridicamente relevantes, como por exemplo, quando se sabe que uma testemunha foi exposta a informações falsas no intervalo entre o acontecimento e o relato em corte.

Para se ter uma ideia da possível gravidade das alterações em relatos de testemunhas, há descrições na literatura de pessoas que, sob o Efeito da Falsa Informação, confundiram objetos fisicamente parecidos, relembraram objetos que não estavam originalmente presentes em uma cena, relataram lembrar de construções e cenários inteiros que não estavam realmente presentes e até mesmo relembraram pessoas e animais que de fato simplesmente não estavam lá. Como diz Loftus, “muitos pensam que a memória funciona como uma espécie de gravador, quando na verdade é mais parecida com uma página da Wikipedia: qualquer um, inclusive você, pode alterá-la”. 

Fonte: https://goo.gl/6UN3P1


Tendo em vista a importância deste fenômeno cognitivo para os contextos jurídicos e não jurídicos, vamos orientar este texto de acordo com as seguintes questões: 1) sob quais circunstâncias as pessoas ficam particularmente suscetíveis ao impacto de informações enganosas?; 2) as pessoas podem ser avisadas quanto a estas informações e resistirem à sua influência?; 3) existem tipos de pessoas mais suscetíveis ao efeito da falsa informação?; 4) quando a informação falsa foi aceita pelo indivíduo, o que acontece com sua memória original?; 5) qual é a natureza das memórias sobre informações falsas?; 6) quão longe é possível ir em termos das informações falsas a serem implantadas?

1) Sob quais circunstâncias as pessoas ficam particularmente suscetíveis ao impacto de informações enganosas?

Os registros experimentais e empíricos do Efeito da Falsa Informação sugerem que as chances deste efeito cognitivo se fazer presente são correlatas ao tempo decorrido a partir da constituição da memória original. Isto é, quanto mais antiga for a memória, maior a chance do Efeito da Falsa Informação ocorrer. O fator mais importante aqui é o esmaecimento da memória original, e ele é costumeiramente determinado pelo princípio da detecção de discrepância, que é a capacidade de uma pessoa identificar diferenças entre o que ela lembra e informações falsas quanto ao acontecimento.

Outra circunstância que favorece o aparecimento de falsas memórias devido a falsas informações se refere ao período de tempo entre a informação enganosa e o relato do sujeito (quanto maior esse período, maior é a chance de relatos de memórias falsas). Como é de se esperar, pessoas em estado de consciência alterado, isto é, bêbadas, drogadas, hipnotizadas ou exaustas, também são mais suscetíveis ao Efeito da Falsa Informação. O que surpreende, contudo, é que se as pessoas são levadas a acreditar que na ocorrência do fato elas estavam em estado de consciência alterado, elas também ficam mais sujeitas ao Efeito da Falsa Informação, mesmo caso elas não estivessem realmente alteradas na situação original.

2) As pessoas podem ser avisadas quanto a estas informações e resistirem à sua influência?

As pesquisas sobre o Efeito da Falsa Informação apontam que pessoas que são avisadas sobre a possível apresentação de informações falsas antes de serem expostas a estas informações têm uma chance reduzida de constituírem uma memória falsa. Já avisos após a apresentação de informações enganosas têm pouco efeito: só funcionam caso o aviso ocorra imediatamente após a falsa informação e somente se for o caso desta informação enganosa estar relativamente inacessível à pessoa. Até mesmo a generalidade ou especificidade do aviso pós-informação parece não surtir efeito positivo sobre o relato.

3) Existem tipos de pessoas mais suscetíveis ao efeito da falsa informação?

Sabemos que crianças e idosos são os mais suscetíveis ao Efeito da Falsa Informação, ainda que toda a população, independentemente da faixa etária, possa experienciar este fenômeno. A suscetibilidade destes dois grupos etários (crianças e idosos) sugere que este efeito acompanha a capacidade cognitiva global dos sujeitos – um dado interessante a ser considerado e expandido a outros contextos que envolvem capacidades cognitivas.

Outros fatores não necessariamente determinados pela idade também devem ser levados em conta, tal como as características de personalidade. Alguns estudos mostram que pessoas com traços de personalidade de empatia, absorção e auto-monitoramento tendem a ser mais suscetíveis ao Efeito da Falsa Informação. Essa pode ser uma informação valiosa em contexto jurídico, assim como também pode ser de grande importância para o autoconhecimento da população em geral. É curioso notar que pessoas com estas características de personalidade tendem a ser a mais sensíveis ao ambiente social imediato e, portanto, mais influenciáveis.

4) Quando a informação falsa foi aceita pelo indivíduo, o que acontece com sua memória original?

Esta é uma questão crucial para o exercício da Psicologia em âmbito jurídico, pois seria interessante se pudéssemos de alguma forma recuperar as memórias originais. Todavia, isto parece não ser possível. Algumas vezes, simplesmente não há memória a se recuperar (porque ela nunca foi formada, em primeiro lugar)!

Outras vezes, contudo, a memória original é de fato prejudicada no processo de contemplação da novas (e falsas) informações, o que faz com que elas não possam mais ser relatadas, ou que o sujeito não tenha certeza sobre suas informações. Por último, há casos em que a memória original é preservada, mas é deliberadamente desconsiderada pelo sujeito exposto às novas informações. Isto ocorre não por “maldade” do sujeito (ou pelo menos não sempre), mas porque algumas vezes as informações falsas podem ser mais convenientes e críveis do que as memórias originais.

5) Qual é a natureza das memórias sobre informações falsas?

Esta pergunta se divide em duas: a) como é experienciar uma falsa memória?; b) como podemos identificar uma falsa memória?

A chance de já termos experienciado uma falsa memória é grande, mas talvez sequer saibamos disso! E é exatamente assim que muitas pessoas experienciam falsas memórias: como qualquer outra memória verdadeira. Ainda que seja possível alguém se sentir ambivalente quanto a uma determinada memória a ponto de não saber se o fato relembrado de fato ocorreu ou não, esta não é a norma. Na maioria dos casos, pessoas que estão relembrando informações falsas sentem-se tão convictas quanto pessoas que estão relembrando uma informação verídica. Então, se você quiser saber como é experienciar o Efeito da Falsa Informação, basta lembrar de algum fato da sua vida.

Ainda que a experiência qualitativa seja aparentemente a mesma de uma rememoração comum, há determinadas características que podem nos servir na identificação de memórias falsas. Pesquisas na área apontam que falsas memórias (influenciadas por informações enganosas) tendem a conter mais barreiras verbais (por ex. “eu acho que vi…”), mais referências a operações cognitivas (por ex. “após eu ter visto o sinal, a resposta que eu dei foi algo como uma impressão imediata”) e menos detalhes sensórios.

6) Quão longe é possível ir em termos das informações falsas a serem implantadas?

Psicólogos cognitivistas testaram sistematicamente os limites do Efeito da Falsa Informação. Entretanto, ainda não sabemos exatamente quais são os limites em termos do quão elaborada ou de qual natureza as informações falsas podem ser e ainda afetarem uma memória fatídica. Estudos experimentais e relatos de casos apontam para alguns casos curiosos, como pessoas que foram levadas a acreditar que quando tinham seis anos de idade ficaram perdidas em um shopping e foram resgatadas por uma pessoa mais velha, pessoas que foram enganadas a lembrar que foram vítimas de um ataque animal ou então quase se afogaram e foram salvas pelo salva-vidas, e pessoas que acreditaram ter visto um celeiro que na verdade não existia.

Parece haver, contudo, um padrão na formação destas memórias: elas começam com a introdução de algumas poucas falsas informações e vão se complexificando ao longo do tempo, com a adição de mais informações, até o ponto em que o sujeito alega lembrar da ocasião (falsa) detalhadamente. Um outro exemplo paradigmático diz respeito às pessoas que foram convencidas, através de panfletos falsos e algumas dicas contextuais, a terem visitado a Disney e terem interagido com o boneco do Perna-Longa – sendo que este personagem não é da Disney e, portanto, nunca poderia ter estado naquele lugar. Este e outros casos de formação de memórias de fatos impossíveis, ou no mínimo improváveis, oferecem insights quanto a relatos de abdução e outros casos bizarros.

Fonte: https://goo.gl/7r5w2P


Como podemos observar, o Efeito da Falsa Informação é um fenômeno cognitivo complexo e de grande interesse para as mais diversas práticas humanas, em especial no contexto do exercício da Psicologia Jurídica. Através do conhecimento deste fenômeno, e em posse de informações relevantes, um psicólogo poderia até mesmo vir a invalidar um testemunho. De maneira mais ampla, o estudo do Efeito da Falsa Informação pode fornecer orientações preciosas quanto às circunstâncias e real valor de testemunhos que se apoiam sobre a memória de indivíduos. 
Wesley Sousa

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