O caráter coletivo da regra social em Durkheim



Por Cleber Morandi - graduando em Filosofia pela UFSJ


 De um modo geral, pode-se dizer que sociologia tem como objetivo ser: uma ciência geral da ação humana e seu caráter é descritivo a partir de um método. Ademais o artificio sociológico separa o psiquismo particular da esfera social e além disto não tenta explicar uma esfera com a outra. A sociologia estuda o organismo social; como este funciona diante determinadas regras que para Durkheim por exemplo surgem em si mesma.
Embora consideremos que alguns filósofos como Hobbes e Maquiavel já tivessem feito estudos com caráter descritivo de ações políticas: estes ainda estavam no campo da especulação como no leviatã: Hobbes idealiza um estado de natureza. No caso da obra de Maquiavel não encontramos ainda uma abordagem do método como um fazer cientifico da maneira que é abordado na obra: As regras do método sociológico.
Escolhemos esta obra para tratar sobre o fato social e seu caráter coletivo por ser Durkheim o primeiro sociólogo a dar mais valor ao método de pesquisa, caracterizando assim os seus estudos como ciências sócias. O fato como objeto de estudo desta ciência se mostra como uma necessidade lógica intrínseca ao conceito de ciência moderna.
O sociólogo, Émile Durkheim, pretende fundar uma ciência social totalmente nova, por isso refuta todas as obras criadas em relação aos estudos sócias existentes até então. O autor tem em mente um objetivo; fazer ciência, para tal fim é necessário a criação de um método e também da definição de um objeto que será observado e descrito. Durkheim critica a falta de método nos estudos dos seus predecessores no campo da sociologia.

“Até agora, os sociólogos tem-se preocupado pouco com a caracterização e definição do método que aplicam ao estudo dos fatos sociais. Assim, na obra de Spencer, o problema metodológico é pura e simplesmente esquecido; a introdução à Ciência social, cujo título poderia iludir-nos, é consagrada as dificuldades e possibilidades da sociologia, e não expor os processos de que ela se deve servir. “(DURKHEIM, AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLOGICO. Pag. 386.)

Sobre a luz do pensamento do sociólogo é possível notar que o fato social são as ações realizadas na sociedade industrial. Ademais este fato social está vinculado a regra social que para Durkheim tem um caráter coletivo. Este texto tem por objetivo demonstrar o caráter coletivo da regra, tendo como base a obra: As regras do método sociológico.
O fato social é um conceito chave dentro do pensamento de Durkheim. Isto porque a intenção do autor é fazer uma ciência dos estudos sociais. Para se fazer ciência nos moldes que Durkheim segue é preciso um método; este artificio exige que o pesquisador tenha um objeto de estudo, para a partir das observações e experimentos poder descrever como este objeto é no mundo, sem idealizações sobre a realidade observada. Idealizar pertence ao campo da especulação e da filosofia, e Durkheim está na linha descritiva; próprio da pratica cientifica.
O objeto de estudo do sociólogo é o próprio fato social; as ações, ou modos de agir dos indivíduos nas sociedade. As correntes sociais tal como assembleia, movimentos religiosos: movimentos de massa são fatos sociais. São Fenômenos do coletivo de caráter: religioso, político, social, moral. Sobre a ótima de Durkheim as ações do indivíduo são todas influenciadas pelas gerais de caráter objetivo tais como: as leis do direito e do Estado ou mesmo regras morais de convívio coletivo. Desta maneira a regra social estaria para além da esfera dos indivíduos.

Quantas vezes acontece ignorarmos os pormenores das obrigações que nos incumbem, e, para os conhecer, termos de recorrer ao Código e aos seus intérpretes autorizados! Do mesmo modo, os fies, quando nascem, encontram já feitas as crenças e práticas de sua vida religiosa; se elas existem antes deles existiam fora deles. O sistema de sinais de que me sirvo para exprimir pensamento, o sistema monetário que emprego para pagar dívidas, os instrumentos de credito que utilizo nas minhas relações comercias, as práticas seguidas na minha profissão, etc., etc. Funcionam independentemente do uso que deles faço. Tomando um após outro todos os membros de que a sociedade se compõem, pode repetir-se tudo o que foi dito, a propósito de cada um deles. (DURKHEIM, AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLOGICO, pag. 389)

Na obra; as regras do método sociológico, o fato social é tratado como “coisa” não por ter um substrato metafisico, mas por ser algo que se realiza no campo exterior ao da mente, ou seja mais do que uma ideia o fato é um objeto que pode ser constatado, é um fenômeno exterior ao indivíduo; ele tem um aspecto objetivo, mesmo que, representados nas manifestações particulares.  

“É coisa todo objeto de conhecimento que não é naturalmente com penetrável pela inteligência, tudo aquilo de que não podemos ter uma noção adequada por um simples procedimento de analise mental, tudo que o espirito só consegue compreender na condição de se extroverter por meio de observações e de experimentações, passando progressivamente dos caracteres mais extensos e mais imediatamente acessíveis aos menos visíveis e aos mais profundos.” (DURKHEIM, AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLOGICO, pag.378).

 A consciência individual reflete ações e pensamentos determinados por regras externas ao particular, como por exemplo a linguagem, um comportamento, ou um papel social; pai, irmão, aluno, cidadão. Todos esses modos de agir são regras sociais e existem independente da esfera pessoal.

Estamos pois em presença de modos de agir, de pensar e de sentir que apresentam a notável propriedade de existir fora das consciências individuais. (DURKHEIM, AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLOGICO, pag.390)

Comportamentos sociais que acontecem com regularidade em última análise são fatos sócias; são regras legitimadas pelas pessoas, hábitos como escovar os dentes, trabalhar, estudar são todas regras assimiladas pelo coletivo e se valem através das ações dos indivíduos. A regra só existe porque os sujeitos que compõem o coletivo as praticam, de modo contrário as normas não teriam legitimidade. Além do mais todos estes hábitos são ensinados pelas gerações através da educação. Desde criança os indivíduos já são treinados a desenvolver e assimilar regras que sozinhos não despertariam. As regras partem do objetivo e se tornam hábitos internalizados pelo sujeito.

“Basta observar a maneira como são educadas as crianças. Quando reparamos nos Fatos tais como são. E como sempre foram, salta aos olhos que toda a educação consiste num esforço continuo para impor a criança maneiras de ver, de sentir, de agir as quais ela não teria chegado espontaneamente. Desde os primeiros tempos de sua vida a coagimos a comer, a dormir e a beber a horas regulares”. (DURKHEIM, as regras do método sociológico, pág. 391).

Além da regra social ser objetiva; por existir para além da esfera particular, ela é também coercitiva ou seja quando o indivíduo decide transgredir alguma regra social logo ele sofre alguma punição seja do direito via leis e coerção direta, seja perante a sociedade, vale lembrar que os indivíduos internalizam a regra (dando a ela legitimidade), por isso é normal que pessoas cobrem de outras quando estas não cumprem certa regra (coerção moral). A coerção existe ainda de outros modos, quando por exemplo o indivíduo é isolado pelos demais por se vestir de determinada maneira, ou chegar atrasado em determinado lugar.

“Se tento violar as regras do direito, elas reagem contra mim de modo a impedir o meu ato, se ainda for possível, ou a anulá-lo e a restabelece-lo sob sua forma normal, caso já tenha sido executado e seja reparável, ou a fazer-me expia-lo, se não houver outra forma de reparação. Tratar-se-á de máximas puramente morais? A consciência publica reprime todos os atos que os ofendam, através da vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e das penas especiais de que dispõe. Noutros caso, a coação é menos violenta, mas não deixa de existir. Se não me submeto as convenções do mundo, se, ao vestir-me, não levo em conta os usos seguidos no meu país e na minha classe, o riso que provoco e o afastamento a que me submeto produzem, ainda que duma maneira mais atenuada, os mesmo efeitos de uma pena propriamente dita. “(DURKHEIM, AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLOGICO. Pag. 390)


Conforme os dados apresentados até então percebe-se que nosso autor trabalha com a ideia de que o fato social se dá na esfera do objetivo e fora dos particulares, isto é: as normas existem antes do indivíduo e por tanto fora deles; ademais esta é também coercitiva de duas formas. A primeira forma é mais direta e violenta, via leis do Estado, pela ótica do direito. A segunda vem a se expressar pela opressão social; isto é, quando se deixa de seguir uma regra o sujeito sofre opressão do grupo podendo até ser excluído deste.
No entanto Durkheim parece não levar em conta uma certa implicação de suas observações. De modo que as regras sociais apenas são legitimas e permanecem existindo efetivamente porque os particulares aderem a esta regra, assimilam de tal maneira, que se tornam a própria norma. Isto se mostra possível, por exemplo, quando nosso autor diz que: existe opressão e exclusão do grupo perante um indivíduo que resolve se vestir diferente das normas do seus país ou classe.
A regra social portando parece se realizar e somente permanecer por conta dos sujeitos e não existindo em si e fora das pessoas como sugere Durkheim; de fato sua existência independe se um particular a exerce ou não, pois neste caso a maioria ainda estaria dando legitimidade a mesma. Entretanto a vida social só acontece pois as pessoas aderem as regras, se ninguém obedecesse as normas estas deixariam de existir. Mas iremos nos ater ao foco deste texto que é apenas mostrar o caráter coletivo da regra.
Portanto de acordo com os estudos da obra: As regras do método sociológico, pode-se considerar que o fato social tem um caráter coletivo partindo da esfera do grupo, isto é do objetivo, para o indivíduo mesmo que a manifestação da regra seja o sujeito: as opressões, coerção e a exclusão vem sempre do grupo para o indivíduo. Isto porque a coerção externa é uma consequência intrínseca da regra. Além do que os indivíduos não podem mudar as regras a seu bel-prazer.


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Wesley Sousa

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