Ney Jansen - Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais
pela PUC-SP. O artigo é baseado no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)
entregue pelo autor, sob orientação do professor Adrian Ribaric.
Artigo extraído da Revista Urutágua. N° 12, 2007. Link para baixar o artigo.
A droga não é um fenômeno marginal
Nunca houve no mundo tantas drogas. A economia
da droga movimenta cerca de 300 a 500 bilhões de dólares ao ano abastecendo um
mercado de aproximadamente 200 milhões de pessoas. Esse número corresponde a 5%
da população mundial entre 15 e 64 anos (ONU, 2005). A economia da droga irá se
desenvolver a partir do final da década de 1970, início de 1980. Mas, o que
permitiu o desenvolvimento do narcotráfico e quem lucrará com esse negócio?
O comércio de drogas tornou-se um dos mercados
mais rentáveis do mundo. Cerca de 90% das receitas do tráfico vão para os
bancos e são lavadas no sistema financeiro internacional. Os 10% restantes são
repatriados aos países produtores e, são divididos entre os traficantes. A
rentabilidade da droga é estimada em cerca de 3.000% enquanto que os camponeses
ficam com apenas 0,1% do volume final dos negócios (KOPP, 1998).
O Brasil, um dos principais corredores de
drogas do mundo é considerado pela ONU um “mercado de expansão do tráfico”
(ONU, 2004). No nordeste, na região conhecida como “polígono da maconha”, a
droga tornou-se a alternativa de sobrevivência dos agricultores arruinados. Um
relatório produzido por uma comissão da Câmara dos Deputados em 1997 sobre a
região afirmava que:
(...) a falta de uma política agrícola que
garanta assistência técnica e preços justos, além da falta de investimentos
sociais, tem servido de estímulo para que pequenos produtores optem pela
maconha em vez de tomate, melancia, cebola e melão, base da agricultura
irrigada do São Francisco. (MENEZES, 2001)
Desemprego, drogas, criminalidade...cada vez mais jovem
Segundo a OIT[1] (Organização Internacional do
Trabalho) em 2003, 88 milhões de desempregados no mundo eram jovens. Esse número
correspondia a 47,3% do total de desempregados do mundo mesmo sendo os jovens
(de 15 a 24 anos) apenas 25% da população mundial.
Diante desse fato o aumento das atividades
criminosas aparece como a única saída. Segundo Dorothea Schmitd (OIT,
2003) co-autora do relatório:
Há regiões em que você não tem trabalho, não
tem alternativa. É especialmente nessas regiões que vemos, ao lado de um
aumento do desemprego, um aumento das atividades ilegais.
Relatório da ONU (2005) aponta que 18% dos
jovens entre 15 e 24 anos vivem com menos de US$ 1 por dia. A cifra sobe para
45% se considerarmos os jovens que vivem com menos de US$ 2 (515 milhões de
jovens) por dia.
O uso de drogas é cada vez mais cedo. De acordo
com o Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas) em
1997, o percentual de adolescentes do país que já consumiram drogas entre 10 e
12 anos de idade é extremamente significativo: 51,2% já ingeriram bebida
alcoólica; 11% usaram tabaco; 7,8% solventes; 2% ansiolíticos e 1,8% anfetamínicos
(SENAD, 2003).
Em 2002 é publicado um estudo tendo por base o
envolvimento de jovens no tráfico na cidade do Rio de Janeiro na qual se
demonstrou um aumento no número de crimes na década de 1990 e ao mesmo tempo a
redução da idade do ingresso das crianças no narcotráfico. A média de 15-16
anos nos anos 1990 caiu para 12-13 anos em 2000. Os jovens são em sua maioria
pobres, negros e com baixa escolaridade (média de 6,4 anos).
Entre 1996 e 2000 foram presas e atendidas na
2ª Vara da Infância e Juventude na cidade do Rio de Janeiro, 25.488 crianças.
Os crimes envolvendo drogas representaram 36% dos casos. Desse total, 23% foram
por tráfico e 13% por uso (OIT, 2002).
Drogas e capitalismo vão unidos
O comércio de drogas esteve
vinculado à expansão internacional do capitalismo e também à sua expansão
colonial-militar. Como testemunha as guerras do ópio (1840-1860). Os
portugueses, a partir do século XVI e XVII, começam a comercializar ópio que
compram na Índia e introduzem na China. No século XVIII os ingleses substituem
os portugueses. Em 1729 o ópio é proibido pelo governo chinês.
A Inglaterra obtinha lucros na
época, da ordem de 11 milhões de dólares com o tráfico de ópio para a cidade
chinesa de Lintim. Na mesma época, o volume do comércio de outros produtos
era de 6 milhões de dólares (COGGIOLA, 1991). Desde 1779 o ópio era um
monopólio da East Indian Company (Companhia
das Índias Ocidentais). Tudo isso aconteceu com a aprovação declarada e,
documentalmente registrada, do parlamento inglês.
A droga como
"negócio" também era observada por MARX (1978, p 67):
A fuga constante da prata
causada pelas importações de ópio, tinha começado a afetar o Tesouro público e
a circulação monetária do Império do Sol. Hsu Naichi, um homem de estado chinês
dos mais distintos, propôs a legalização do comércio de ópio para fazer
dinheiro com isso; mas, depois de grande discussão, na qual participaram todos
os altos funcionários do império e que se estendeu por um período de mais de um
ano, o Governo chinês decidiu que, ‘por causa dos males que infligia ao povo, o
tráfico nefasto não deveria ser legalizado’.
O governo chinês alarmado pelos efeitos do ópio bem como
pelo roubo do ouro e da prata apela a Rainha Victória, que não dá ouvidos.
Os chineses começam então a destruir o carregamento de ópio e a Inglaterra
então declara guerra. O resultado é a invasão inglesa com derrota da China, que
é obrigada a ceder Hong Kong.
O uso generalizado de drogas apenas é possível quando esta
se converte em mercadoria de alta rentabilidade. A produção massiva de drogas
ocorrerá apenas a partir da Revolução Industrial. A agricultura industrial
voltada à produção para mercados externos dá lugar à produção massiva de
drogas. De acordo com COGGIOLA (1991, p 136):
a grande transformação das
economias monoprodutoras em narcoprodutoras e o grande salto do consumo dos EUA
e na Europa se produziu durante os anos oitenta, quando os preços das matérias
primas despencaram no mercado mundial: açúcar (-64%), café (-30%), algodão
(-32%), trigo (-17%). A crise econômica mundial exerceu uma pressão formidável
em favor da narco-reciclagem das economias agrárias, que redundou num aumento
excepcional de oferta de narcóticos nos países industriais e no mundo todo.
Essa narco-reciclagem das economias é a expressão direta
das políticas de “ajuste estrutural” impostas pelo FMI e o Banco Mundial. A
privatização de diversos setores das economias em muitos países resulta na
supressão de milhões de empregos. Tudo isso provoca uma transferência maciça de
mão de obra para a economia dita “informal” e em particular para a produção de
drogas, em países como Bolívia, Peru, Colômbia, Afeganistão. Pela sua
rentabilidade, as culturas de drogas permitem compensar com vantagens a falta
de ganhos registrados em outras culturas.
Em 1985 na Bolívia sobe ao poder uma coalizão de direita.
De acordo com DEL ROIO (1997, p 118):
(...)...foi aplicada uma
política econômica que levou os índices de desemprego a 30%. As mineiras são
fechadas, as atividades produtivas paralisadas e o que restava de Estado
social, desmantelado. O Fundo Monetário Internacional aconselha e pressiona
para a liberalização geral. O presidente Paz Estenssoro, com o decreto DS
21.060 declara que todas as moedas cotadas podem ser depositadas nos bancos
bolivianos, em qualquer quantidade e sem controle nenhum, com respeito total ao
sigilo bancário em relação a sua proveniência. Os aplausos dos organismos
econômicos internacionais foram generalizados. Significou o sinal verde para
grandes investimentos na coca. Ela se transformou em fonte de sustento para uma
boa parte dos bolivianos, mergulhados na miséria. Aconteceu que em pouco tempo
no planalto de Chapare[2], o melhor terreno para a plantação, a
população passou de 20 mil habitantes para 200 mil. Caso quase único de
esvaziamento das cidades e retorno ao campo.
A
cocaína
Testemunhos arqueológicos do consumo da folha de coca pelos
indígenas nos Andes (Peru) datam de 2.500 AC. O governo Inca tinha o
monopólio da coca, mas a distribuía com moderação apenas para usos rituais. De
acordo com SOMOZA (1990, p 18):
A coca está ligada às origens das diversas culturas
andinas, fazendo parte da economia do império Inca, baseada na troca, mas
também na farmacopéia, tendo sido utilizada pelos médicos indígenas na cura e
prevenção de diversos males e para amenizar dores.
No entanto:
(...) após a invasão espanhola,
conhecida como 'descoberta' (séculos XV-XVI), a coca passou a fazer parte da
economia colonial...Os espanhóis tinham interesse na difusão do hábito de
consumir coca, pois era, de um lado, meio de sustentação da população explorada
e de outro, produto a ser comercializado em larga escala em todo o país.
Os espanhóis a época da colonização estimulavam o consumo e
o comércio de coca. Era um grande negócio. A Igreja católica cobrava dízimos
sobre a nova mercadoria. Portanto, o uso da folha de coca na sociedade colonial
começa a mudar quando:
(...) o boom da coca
observou-se na metade do século XVI ligado ao desenvolvimento de outras
atividades que concentrou milhares de índios nas zonas ricas em minérios...Essa
grande massa de trabalhadores escravos tinha que ser mantida pela estrutura
estatal colonial e a coca revelou-se o produto mais econômico, devido às suas
características nutritivas e vitamínicas. Então, consumida em larga escala,
permitia manter os mineiros vivos com uma pequena porção de batatas e feijões,
pelo menos durante o período útil de sua vida, isto é, dez a quinze anos.
O interesse pela cocaína na história recente começou pelo
seu isolamento químico em 1858-60 pelo alemão Albert Newman. A folha de
coca possui cerca de 250 variedades mas, apenas 2 são ricas em alcalóides,
componente químico necessário para a sua transformação em cocaína. A cocaína a
partir de sua purificação passou a ser utilizada apenas para fins médicos.
No final do século XIX o uso de cocaína se alastrou e,
algumas bebidas como o Vinho Mariani e a Coca-Cola apresentaram concentrações
razoáveis da substância por vários anos. A partir da década de 1960 a cocaína
passou a ser utilizada pelas elites. A cocaína só se tornará uma droga mais
“popular” na década de 1980 com a queda dos preços das matérias primas no
mercado mundial e a narco-reciclagem das economias.
O ópio
Originário do Oriente médio e introduzido pelos árabes na
Índia e na China, é derivado da palavra grega que significa “suco”, e é
extraído do fruto da papoula podendo ser fumado, ingerido ou injetado causando
exagerada dependência. Os efeitos do ópio causaram a desintegração social na
China dos séculos XVIII e XIX por ocasião da introdução massiva da droga feita
por portugueses e depois os ingleses, facilitando a desestruturação social,
resultando na invasão da China (na chamada “guerra do ópio”).
A
maconha
Conhecida a cerca de 12.000 anos. Com a planta os gregos e
os chineses faziam cordas que eram utilizadas em navios. Como medicamento
começou a ser usada na China há 3.000 anos no tratamento intestinal, de malária
e dores reumáticas.
Defensores da legalização da maconha propagam a idéia de
que a cannabis seria uma “droga leve”. No entanto ao se comparar a
maconha com a nicotina, o médico Phd LARANJEIRA (2001, p 17, 18) afirmará que:
(...) o fato do usuário de
maconha reter a fumaça por mais tempo nos pulmões do que o fumante de cigarro
comum facilita o aparecimento e o desenvolvimento do câncer. Além disso, a
maconha é fumada sem filtro e sua fumaça tem cerca de 50% mais substâncias
cancerígenas, o que contribui para um risco maior de desenvolvimento de câncer.
Certamente as alterações cerebrais produzidas pela maconha são mais
pronunciadas do que as produzidas pela nicotina. A maconha provoca alterações
significativas no eletroencefalograma e no fluxo sanguíneo cerebral. Ademais,
causa alterações consideráveis de memória e de capacidade mental, além de
problemas psiquiátricos que a nicotina não causa.
O uso medicinal da maconha pode servir para o tratamento de
depressões, convulsões, glaucoma, náuseas, apetite, mas a substância que
auxiliaria nesse papel terapêutico é o THC, justamente o componente químico que
traz os efeitos psicoativos.
O
álcool
Mas a droga e o capitalismo não estão unidos apenas no que
diz respeito às drogas ilegais, mas também na comercialização e abuso de drogas
legais. ENGELS (1986, p 122, 123) demonstrará o papel destruidor do álcool no
seio da classe operária inglesa do século XIX como o único consolo e lazer, a
única maneira de se suportar a dor da jornada de trabalho:
(...)...há ainda outras causas
que enfraquecem a saúde de um grande número de trabalhadores. Em primeiro lugar
a bebida. Todas as tentações possíveis se juntam para levar o trabalhador ao
alcoolismo (...) O trabalhador...tem uma necessidade urgente de se divertir.
Precisa de qualquer coisa que faça o trabalho valer a pena, que torne
suportável a perspectiva do amargo dia seguinte...o seu corpo...exige imperiosamente
um estimulante externo...nessas condições, a necessidade física e moral faz com
que grande parte dos trabalhadores tenha necessidade de sucumbir ao alcoolismo
(...) que incitam o trabalhador (...) a certeza de esquecer sua embriaguez,
pelo menos por algumas horas, a miséria e o fardo da vida (...).o alcoolismo
deixou de ser um vício no qual se pode responsabilizar aquele que o adquire.
Torna-se um fenômeno natural, uma conseqüência necessária e inevitável de
condições dadas.
Entre 1919 e 1933 vigorará a Lei Seca nos EUA na qual a
comercialização de álcool será proibida. Nesse período o consumo diminuirá (35%
menor), por outro lado favorecerá o comércio ilegal promovido pelas máfias
-como a de Al Capone- lucrando com esse novo negócio (os preços foram multiplicados
de 3 a 4 vezes). No entanto, o retorno à legalização do álcool como
justificativa para se acabar com os lucros das máfias não impede que os EUA
estejam entre os primeiros países de mais alto consumo de bebidas alcoólicas
como prova que nem a repressão nem a legalização resolvem o problema.
A dominação colonial das grandes potências sobre os povos
indígenas teve também no álcool um de seus meios de extermínio mais
importantes. A destruição pelo alcoolismo foi utilizada amplamente pelos
colonizadores brancos contra os indígenas na América.
A revolução de Outubro de 1917 na Rússia também teve que
enfrentar o grave problema do alcoolismo. O governo bolchevique proibiu
a fabricação e a distribuição de vodka. Não é causalidade que foi o governo
de Stalin que reintroduziu o comércio de vodka no começo dos anos
1930, por ocasião da coletivização forçada, o extermínio da resistência dos
trabalhadores e da oposição de esquerda. Depois do fim da URSS, uma onda de
drogas "ilegais" invade as republicas ex-soviéticas.
Das
sociedades primitivas à sociedade capitalista
O consumo de drogas se fez presente ao longo da história.
Em determinadas sociedades se tratava de um consumo local, geralmente moderado
e vinculado a práticas culturais e religiosas. A utilização de drogas fora de
qualquer marco cultural-religioso ocorre apenas quando a droga se converte em
mercadoria. A produção massiva ocorrerá apenas a partir da Revolução Industrial
(o ópio[3] se converte em morfina e heroína e a
folha de coca em cocaína no final do século XIX, início do século XX).
O poder de vício das drogas aliás, vem aumentando.
Traficantes misturam à cocaína outros produtos como talco, açúcar, pó de vidro,
farinha, para que a droga possa ser vendida em maior quantidade e possa
"render" mais. O conteúdo da substância ativa da maconha (o THC), é
cada vez maior. Era de cerca de 1% na década de 1960. Hoje, é cerca de 4%. Mas
na Califórnia, EUA, maior produtora de maconha do mundo a concentração é de
30%. Em países como a Holanda onde a droga é liberada a concentração de THC é
superior a 20% (LARANJEIRA, 2001). Ou seja, legalizada ou não, a droga vem
aumentando o seu poder viciante. Esses fatos questionam a “bandeira” dos
defensores da legalização da maconha por considerá-la “droga inofensiva”.
Drogas
na guerra
Durante a segunda guerra mundial a OSS (Oficina de Serviços
Estratégicos) – antecessora da CIA - estabelecerá contatos com a máfia italiana.
Lucky Luciano, um dos principais traficantes da época que estava na cadeia
em Nova York condenado há 40 anos faz um acordo: em troca de
informações de espiões nazi-fascistas em sua terra natal ele e vários mafiosos
italianos seriam libertados das prisões. Depois de voltar a Itália em 1943
pelas mãos da OSS, Luciano construirá seu império através da heroína
(DEL ROIO, 1993).
A segunda guerra mundial foi marcada entre outras coisas
pelo uso generalizado de drogas. Soldados de Adolf Hitler eram
movidos a drogas para continuarem “estimulados” no front. A droga utilizada no
caso era o perventin (conhecida hoje como speed) na época
chamada de “a droga-milagre” do exército alemão. As tropas alemãs foram
abastecidas com milhões de comprimidos. Após ter sido lançando no mercado pela
primeira vez em 1938, desenvolvido pela companhia farmacêutica Temmler de
Berlim, entre abril e julho de 1940, mais de 35 milhões de comprimidos de perventin foram
enviados ao exército e à força aérea alemã.
Numa carta com data de 09/11/1939, um soldado que estava na
Polônia envia correspondência aos seus pais em Colônia:
As coisas não estão para
brincadeira aqui, e eu espero que vocês vão entender se eu só escrever para
vocês uma vez a cada dois ou quatro dias. Hoje, eu estou lhes escrevendo
principalmente para pedir-lhes para me enviar mais um pouco de perventin...;
Amo vocês, Hein.
Em 20/05/1940 outra carta:
“Será que vocês podem
conseguir para mim uma maior quantidade de perventin, de modo que eu possa
constituir uma reserva aqui?” E, em outra de 19/07/1940: “Sem querer
lhes pedir o impossível, por favor, me enviem mais perventin”.[4]
Alguns anos mais tarde, outra guerra será marcada pelo uso
generalizado de drogas: a guerra do Vietnã (1964-1975). Cerca de 30.000
soldados estadunidenses se tornaram dependentes de drogas (maconha, heroína)
para que continuassem estimulados no front.
A década de 1980 foi marcada nos EUA pela pretensa “guerra
às drogas”. O ex-presidente Ronald Reagan anunciou em 1986 a “cruzada
contra as drogas”. Mas será que interessa para os governos representantes da
burguesia combater as drogas?
A
invasão no Panamá
No início do século XX, os EUA compraram o governo
panamenho com 10 milhões de dólares para se construir e administrar um canal
que assegurasse a passagem de um oceano a outro. Ao longo do tempo,
ocorreram revoltas incentivadas por militares nacionalistas. Aparece então em
cena a figura de Manoel Antônio Noriega, agente da CIA desde 1967 e chefe
da polícia panamenha a partir de 1970. Em 1981 ocorre misteriosa morte do
presidente Omar Torrijos.
Noriega participou de esquema clandestino organizado
pela CIA de financiamento das guerrilhas de direita (os “Contras”) contra o
governo sandinista da Nicarágua, operação que ficou mundialmente conhecida em
1986 como o escândalo “Irã-Contras” (compra de armas no Irã para se financiar a
guerrilha para derrubada do governo e da revolução sandinista na
Nicarágua). Noriega, que esteve na folha de pagamento da CIA, chegou ao poder
com um discurso nacionalista. Mas era um narco-traficante.
O Cartel de Medellín, com a ajuda de Noriega,
exportou para os EUA entre 1984 e 1986, 2 toneladas de cocaína e 500 toneladas
de maconha. A mídia nos EUA desenvolve uma campanha contra ele. Em 15/12/89 Noriega se
proclama chefe de Estado e se declara em “estado de guerra” com os EUA.
Resultado: 13.000 marines invadem o Panamá e dão um golpe de Estado. O
pretexto: “combate ao narcotráfico”. O verdadeiro objetivo: se controlar o
canal do Panamá.
O
Afeganistão
Em 1978 ocorre no Afeganistão um golpe de Estado. O novo
regime iniciou uma campanha antidrogas para erradicar a produção de ópio,
provocando uma revolta das tribos que a cultivavam para exportação. Os
rebeldes Mujhaidines (base da futura Al Qaeda de Osama
Bin Laden), apoiados pela CIA, produziam ópio. A produção passou de 250 para
800 toneladas durante o tempo em que a CIA enviava armas à guerrilha para se
lutar contra os soviéticos. Após assumirem o governo, os talibãs ordenaram em
julho de 2000 a destruição dos cultivos de papoulas.
A produção de drogas foi retomada depois da invasão militar
dos EUA ao Afeganistão em 2001. Após a invasão, o Afeganistão superou a
Colômbia e se tornou o maior produtor mundial de drogas (principalmente ópio e
heroína) e, em 2003, o negócio faturou 2,3 bilhões de dólares, mais da metade
do PIB do país. O Afeganistão produz atualmente 92% do ópio mundial.
O caso
da Colômbia
A Colômbia produz cerca de 80% da cocaína do mundo e o
narcotráfico representa 10% do PIB num país com 60% de miseráveis. Isso só foi
possível pois, na década de 1980, com a queda dos preços das matérias primas no
mercado mundial, os fazendeiros deixaram de produzir café para produzir
cocaína. O governo colombiano passa a autorizar empréstimos externos nos quais
os dólares eram trocados por pesos, possibilitando que o dinheiro do
narcotráfico ampliasse a atividade econômica. Esse plano ficou conhecido como
a Ventanilla Siniestra. Com a introdução desse plano, diversos governos
colombianos deram anistias tributárias, por meio das quais foram incorporados e
legalizados os investimentos dos narcotraficantes (UPRIMIY, 1997).
Essa verdadeira oficialização da lavagem fortaleceu o poder
político dos traficantes. O mega-traficante Pablo Escobar será eleito
para a Câmara dos Deputados. O ex-candidato a presidente em 1989 Luis
Galán defenderá a “guerra ao narcotráfico”. É fuzilado enquanto discursava
no palanque. Vários políticos, congressistas e até presidentes (como o ex Ernesto
Samper e o atual Álvaro Uribe) são acusados de terem pertencido e
serem financiados pelos Cartéis. Militares colombianos e norte-americanos,
membros da embaixada dos EUA, estão envolvidos com o narcotráfico. Em virtude
do poder do narcotráfico nas estruturas estatais a Colômbia é considerada um
“Narco-Estado”.
O Plano Colômbia representa uma ameaça à soberania dos
países da América latina com a justificativa para intervenções políticas e
militares. O exemplo é a base militar de Manta no Equador, onde desde
1999 a CIA assessora o exército colombiano. O Plano Colômbia também visa atacar
as guerrilhas de esquerda que surgiram com base nos movimentos por reforma
agrária. Do ponto de vista geopolítico, os EUA procuram manter sua dominação no
norte da América do sul (região do canal do Panamá e de produção e fornecimento
de petróleo).
Através do aparato militar estadunidense instalado no
continente se instituem mega-projetos financiados pelo Banco Mundial de
constituição de hidroelétricas, petrolíferas e empresas de mineração para se
apossar dos recursos naturais da Colômbia e de demais países da América latina.
O
surgimento do crack
Na década de 1980 jovens do bairro pobre de South
Central de Los Angeles, Califórnia, foram devastados pelo crack.
Em 18/08/1996 o jornal local San José Mercury News, publicou uma série de
artigos sobre como a droga se apoderou daquele território.
O que esteve por trás de tudo: o escândalo Irã-Contras e as
ligações entre a CIA, DEA (Departamento Anti-Drogas) e os cartéis colombianos,
protegendo a entrada de drogas nos EUA para financiar os “Contras” na Nicarágua.
A citação é longa mas merece ser reproduzida por extenso:
Os que possuem boa memória se
recordarão do processo contra o coronel Oliver North, que terminou com sua
condenação. Os autos desse processo demonstraram com nomes e fatos que por
vários anos a CIA e a DEA estiveram em contato com os chamados cartéis
colombianos, protegendo, a entrada de drogas nos Estados Unidos. Tal operação
servia para encontrar fundos ilegais para financiar as forças opositoras ao
governo sandinista da Nicarágua. Lembremos também que esses fatos foram
provados por uma comissão no Senado, presidida pelo já citado, senador John
Kerry.
É neste clima que Danilo
Brandon, pertencente a uma das famílias mais ricas da Nicarágua e expoente do
partido anti-sandinista Fuerza Democrática, entra em contato com Ivan Meneses,
pequeno criminoso, já fichado pela polícia norte-americana. Juntos encontraram
em Honduras um tal coronel Bermudez, regularmente pago pela CIA, que lhes
propõe traficar a cocaína da Colômbia para o interior dos EUA para conseguir
fundos. Entram em contato com o chamado cartel de Cáli e tentam entrar no
mercado de Beverly Hills, famoso bairro onde se concentram os ricos de Hollywood.
Porém os canais já estão ocupados. Experimentam então com as zonas mais pobres
de Los Angeles, mas a cocaína custa muito caro para os bolsos dos jovens e o
preço de mercado não deve ser rebaixado porque entrariam em conflito com outras
quadrilhas.
Os valentes ‘combatentes pela
liberdade’ encontram-se num impasse, até que uma inovação tecnológica vem
resolver seus problemas. Através dos cristais que restam da fabricação da
cocaína, é possível fabricar uma droga muito mais barata e mortal, adequada aos
pobres, que será chamada de crack. Eis que os guetos negros de Los Angeles,
onde o desemprego juvenil chega a 45%, pode ser inundado com o novo produto.
Por cinco anos de 1982 a 1987, os contras nicaraguenses, com a cobertura de
organismos oficiais, despeja 100 quilos de cristais de coca semanais sobre
South Central. Os lucros são lavados em Miami e partem para a América Central
para alimentar a subversão contra o governo de Manágua.
Ao tomar conhecimento desses
fatos, a comunidade negra justamente se rebela e exige a abertura de um
processo que lance luz sobre os episódios e condene os culpados. A reação da
administração Clinton é hesitante, e faz-se de tudo para sepultar o episódio. O
jornal conservador Washington Post, mesmo reconhecendo que a CIA conhecia pelo
menos parte das atividades dos traficantes e que não fez nada para bloqueá-los,
tenta desmoralizar os artigos publicados pelo San José Mercury News, dizendo
que a quantidade de cristais de coca que entraram em Los Angeles por mãos dos
contras nicaraguenses não foram 27.000 quilos, mas apenas 5.000!
Mesmo aceitando a cifra menor
acenada pelo Washington Post, isso significa algo como 10 milhões de doses.
Além do quê, a partir dessa atividade criminosa exercida contra os negros de
Los Angeles, o crack espalhou-se pelas metrópoles dos Estados Unidos e de
vários países latino-americanos. Esta é uma história para recordarmos quando
vemos nas ruas de São Paulo as nossas crianças agonizando ou cometendo crimes
porque viciadas em crack. Agora sabemos quem são os primeiros responsáveis, que
elaboraram suas perversidades e decretaram que tantas crianças não deveriam
possuir sonhos e nem futuro (DEL ROIO, 1997, p 120, 121, 122).
Drogas
contra o movimento operário e popular
O surgimento do crack na década de 1980 além de
evidenciar o papel criminoso do governo estadunidense, tem por antecedência o
papel político que as drogas desempenharam nos EUA nas décadas de 1960 e 70. É
nesse período que surge em 1966 o Partido dos Panteras Negras, organização -
com ideais socialistas - da classe operária e da juventude negra dos EUA que no
seu “programa dos 10 pontos” afirmava:
Acreditamos que o governo
racista e fascista dos Estados Unidos usa de suas agências de lei domésticas
para a execução do seu programa de opressão contra o povo negro, contra outras
pessoas de outras etnias e contra as pessoas pobres nos Estados Unidos.
Acreditamos ser do nosso direito, portanto, defender-mos a nós mesmos contra
tais forças armadas, e de que todas as pessoas negras e oprimidas estejam armadas
para a autodefesa dos nossos lares e comunidades contra estas forças policiais
fascistas[5].
Defender a auto-organização política e militar do povo
negro na luta contra a opressão social e racista do governo e da polícia
tornou-se intolerável e uma preocupação para a burguesia e seu governo. Além de
destruir as sedes, prender e assassinar os militantes Panteras Negras, a CIA e
o FBI passarão em associação com narcotraficantes da América latina a despejar
toneladas de cocaína, maconha, heroína, nos bairros negros visando a
desarticulação política, levando à dissolução do Partido.
ABU-JAMAL (2001, p 96, 97, 98) ex-militante dos Panteras
Negras, comentará o papel do crack nas comunidades negras nos EUA:
Um espectro assombra as
comunidades negras da América. Como vampiro, suga a alma das vidas negras, não
deixando nada senão esqueletos que se movem fisicamente mas que estão afetiva e
espiritualmente mortos. Não é o efeito de um ataque do Conde Drácula nem de uma
praga lançada por algum feiticeiro sinistro. É o resultado direto da rapinagem
planetária, das manipulações dos governos e da eterna aspiração dos pobres a
fugir, aliviar-se, ainda que brevemente, dos paralisantes grilhões da miséria
extrema.
A sua procura de alívio se soletra C-R-A-C-K. Crack. Pedra.
Chame como quiser, pouco importa; ele é na verdade, uma outra palavra para
“morte” nas comunidades afro-americanas (...) A história recente, aquela dos
anos 60, anos de protesto e mobilização, conheceu, igualmente, um súbito
aumento no consumo de drogas nos bairros negros: pílulas variadas, maconha,
heroína...A oposição radical da época já desconfiava que a mão maldita do
Grande Irmão tinha aberto as comportas das drogas para sufocar a chama
revolucionária negra de resistência urbana (...) A época é sinistra para os
africanos nos Estados Unidos. Nós sobreviveremos a esse flagelo?
A
lavagem do dinheiro e os paraísos fiscais
Um dos mecanismos fundamentais para a sustentação da
economia da droga é o sigilo bancário, um empecilho à investigação do dinheiro
sujo, que só pode ser quebrado por autorização judicial. O sigilo bancário,
baseado no sagrado “direito de propriedade” do capitalismo, é um dos trunfos do
narcotráfico e do sistema financeiro mundial, que absorve os lucros do crime
sem perguntar pela origem.
Os “paraísos fiscais” são, como o próprio nome diz, o
paraíso do capital financeiro, onde não se pagam impostos e onde há um rigoroso
sigilo bancário. Estima-se hoje em 40, os paraísos fiscais no mundo onde se
lavam os narco-dólares.
Lavar dinheiro significa reincorporar ao sistema financeiro
os valores obtidos ilegalmente. Existem diversas formas. Uma delas é transferir
o dinheiro dos paraísos fiscais para diversas outras contas ou fazer transações
abaixo de 10 mil dólares (limite exigido para prestação de informações da Lei
do sigilo bancário nos EUA). Ou então, através da venda de cartelas dos bingos
ou da venda supervalorizada de jogadores de futebol.
O capitalismo nunca foi tão propício a aplicações, transferências
e especulações beneficiadas pelas inovações tecnológicas e pelas “operações em
rede”[6] do sistema bancário e financeiro.
Segundo a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico)
estima-se que seja lavado até 1,5 trilhão de dólares por ano no mundo.
No Brasil, de acordo com o Coaf (Conselho de Controle das
Atividades Financeiras), apenas 34 dos 50 maiores bancos informaram ao governo
brasileiro sobre contas suspeitas entre 1998 e 2002. A expansão do mercado
ilegal de dólares (contrabando, narcotráfico) desenvolveu esquemas para
remessas ilegais de divisas para o exterior. É o caso das famigeradas contas
CC-5 (Carta Circular n° 5, do Banco Central de 1969), destinadas à pessoas
físicas ou jurídicas que residem no exterior mas que movimentam dinheiro nas
contas nacionais. Essas contas são o verdadeiro esgoto pelo qual passam o
dinheiro sujo provenientes de atividades ilegais para o exterior e que é lavado
e reinvestido na economia “legal”.
Mundialização
do capital e economia da droga
A superprodução de capital gera o crescimento da economia
especulativa. A economia especulativa, da qual os narco-dólares são um dos
principais componentes passou a parasitar a economia “real” sob a base da
superexploração da força de trabalho.
A “crise da dívida” na década de 1980 levará às políticas
de "ajuste estrutural" impostas pelo FMI (Fundo Monetário
Internacional). A partir do período de domínio das transações financeiras a
economia mundial entrou num processo de estagnação. De acordo com GLUCKSTEIN
(1994, p 28, 29):
A explosão do desemprego no
mundo demonstra que os enormes lucros saídos da especulação são obtidos ao
custo de uma desindustrialização generalizada que arrasta a destruição
estrutural dos empregos... Desindustrialização e especulação avançam a par:
fusão, resgate de empresas, criação de instrumentos financeiros cada vez mais
numerosos, ‘junk-bonds’, especulação imobiliária, comércio da droga, delitos de
iniciados...Todos os especialistas estão de acordo que somente uma fração
mínima dessas transações (da ordem de 1 a 2%, segundo avaliações) está
relacionada com alguma atividade produtora de riqueza. Quanto à parte restante
(98 ou 99%), trata-se de transações unicamente destinadas a tirar partido da
menor variação do valor dinheiro para extrair uma fração suplementar da
mais-valia através da especulação.
No bojo do processo de mundialização do capital e de
liberalização (livre-comércio), o lucro passou a se realizar de maneira ampla
no terreno da especulação financeira. IDEM (p 30, 31):
Lucros excepcionais nas Bolsas
sobre um pano de fundo de profunda recessão econômica. Nunca, desde que o
capitalismo existe, houve tamanha disparidade entre lucros realizados com base
na especulação e na finança e o desmoronamento da realidade econômica... É esta
a fonte de todo o caos, de todas as explosões.
Esse processo de estagnação econômica favorecerá o
desenvolvimento da economia da droga tendo por base a desindustrialização, o
desemprego e a devastação das economias agrárias locais. Além disso, como os
petrodólares que passaram a irrigar o capital financeiro, a droga (narco-dólares)
também irá contribuir com o processo de valorização do capital, irrigando
também o sistema financeiro.
Segundo GLUCKSTEIN (1994, p 40):
No plano financeiro, o mercado
do petróleo e o da droga tem algumas semelhanças. Uma e outra destas mercadorias
tem preços que possuem uma relação muito longínqua com o seu custo de
produção...Mas a comparação para por aí. Se os petrodólares permitiram criar a
dívida dos países dominados, os narcodólares vieram substituí-los para
assegurar uma parte do pagamento dessa dívida. E, sobretudo, não se fala das
mesmas massas de dinheiro...se a relação entre o preço de produção do petróleo
e o seu preço de venda no varejo é de 1 para 40, os cálculos efetuados pela
Agência americana da luta antidroga (DEA) apontam para uma relação de 1 para
200, para a cocaína, e 1 para 2000 para a heroína.
O capitalismo mafioso é produto do crescimento desenfreado
do capital financeiro cuja avidez de ganância tem levado a transbordar todas as
barreiras legais e morais. Sua evolução vem associada a desregulação dos fluxos
de capitais, à privatização do Estado e a ruptura das formas tradicionais de
funcionamento e acumulação nas empresas. Pode-se muito bem dizer que a expansão
mafiosa dos anos 70, 80, 90, constitui um fato decisivo do processo de
mundialização do capital.
Legalizar
as drogas?
Um dos argumentos a favor da legalização é que “não se pode
destruir o comércio de drogas” pois para o camponês o preço do acre da folha de
coca é muito superior ao do milho por exemplo (ARBEX, 1997). Mas,
qual o significado desse argumento?
Na Bolívia, a plantação da coca é legal desde que utilizada
em locais de cultivos tradicionais e medicinais, em rituais religiosos, pelas
culturas indígenas. Mas, até o final da década de 1990, apenas 10% da folha de
coca produzida era utilizada de forma tradicional, enquanto que 90% constituía
o “excedente” destinado à fabricação de cocaína (URQUIDI, 2002, p 205). Na
cadeia do narcotráfico é reservada ao cocalero a menor parte dos lucros gerados
pelo comércio da droga o que, no entanto, não faz o camponês se libertar da
situação de pobreza em que vive. Fato esse que o IDH[7] (Índice de Desenvolvimento Humano)
do Planalto do Chapare está abaixo da média da região de Cochabamba.
O fato da folha de coca representar para o camponês
boliviano ou peruano a única saída de sobrevivência é fruto da narco-reciclagem
da economia, da destruição e privatização de parte do parque industrial
boliviano.
Uma das formas de se combater as drogas significaria
defender junto aos camponeses uma política de substituição de cultivos.
Defender a legalização das drogas com base no critério do preço rentável da
folha de coca significa ser conivente com o narcotráfico.
Legalizada,
a droga entrará na lógica do “livre-mercado”?
Com a droga legalizada o seu consumo explodirá, pois seu
status de “proibido” será derrubado atraindo muito mais gente para o
consumo.
Sob o capitalismo a droga é uma mercadoria, o tráfico se
organiza como uma empresa que objetiva o lucro. As máfias não deixarão de
comercializar drogas. A legalização do álcool não impede o contrabando de whisky por
exemplo. Assim como a legalização do álcool ou tabaco não impede que milhões
morram de cirrose ou câncer de pulmão.
No tráfico de drogas não existe um “livre-mercado”.
No caso da coca o “livre-mercado” compreende no máximo as
fases de transformação da matéria-prima. Por outro lado, a distribuição e a
venda são comandadas por um número reduzido de grupos hierarquizados que
controlam a fase mais rentável: a transformação da pasta-base em cocaína.
(KOPP, 1998).
A Califórnia, maior região produtora de maconha do mundo, é
comandada pelos latifundiários da droga. O mesmo vale para os latifundiários de
maconha no nordeste brasileiro.
Legalizado, o comércio de drogas continuará oligopolizado,
além da oferta de drogas aumentar, gerando lucros da mesma maneira para os
narco-capitalistas.
Milton Friedman, economista, defensor do imperialismo diz
“sou a favor da legalização de todas as drogas, não apenas da maconha” [8].
Friedman encabeça um abaixo-assinado junto com outros
500 economistas estadunidenses pela legalização da maconha apoiados pela
ONG Marijuana Policy Project[9]. O que está em jogo para esses
capitalistas é botar as mãos nesse rentável negócio que destrói a força de
trabalho.
Segundo o estudo bancado por essa ONG “o governo deixaria
de gastar bilhões em policiamento e arrecadaria bilhões de impostos”. Mas, esse
mesmo estudo[10] afirma que com a legalização,
lucrariam os latifundiários do agronegócio e empresas de bebidas alcoólicas.
Não haveria nenhum boom de plantadores domésticos (ao contrário de
diversos defensores da legalização que utilizam o slogan “não compre, plante”[11]). O comércio da droga como qualquer
empresa capitalista estará nas mãos dos oligopólios. E o consumo obviamente
aumentará.
Não é à toa que vários capitalistas já estão a espera da
legalização para poder lucrar com isso. É o caso do mega-especulador George
Soros que criou a ONG Lindesmith Center pela legalização das
drogas.
O próprio estudo da ONG Marijuana Policy Project já
cita os nomes das empresas que lucrarão com o novo negócio: os
agronegócios Areher Daniels Midland e ConAgraFoods e as
empresas de bebidas Constellation Brands e Allied Domecq.
Esse novo negócio interessa tanto a vários capitalistas
que, no Canadá por exemplo, a maconha já rende mais do que o trigo girando
cerca de 8,5 bilhões de dólares (cerca de 2.400 toneladas). Esse valor é três
vezes o valor gerado pelo trigo canadense.
Muitos intelectuais e juristas para justificar a
legalização das drogas afirmam que “a proibição gera o super lucro”. Como se o
problema fosse o “super lucro” ou, como se legalizado, os lucros do
narcotráfico diminuiriam...
Esse tipo de afirmação se baseia na crença de que as máfias
das drogas sumiriam com a legalização. Como se fosse possível “humanizar” o
narcotráfico, transformando o traficante em um “empreendedor”.
Ao se defender a legalização das drogas, na prática,
trata-se de defender os interesses de vários setores da burguesia que querem
lucrar com esse novo negócio. É a defesa de uma política reacionária.
Redução
de danos e descriminalização?
Defensores da legalização total ou de sua vertente, a
descriminalização[12], (o tráfico é proibido mas o seu consumo
liberado) argumentam que com a droga liberada o seu uso seria
“controlado”, a droga seria de “melhor qualidade”. Mas, em países na qual a
maconha é liberada (Holanda) a concentração de THC é superior a 20% comparada a
média que é de 4% (LARANJEIRA, 2001, p 10). Ou seja, aumentando o seu poder
viciante.
O governo Lula aprovou uma nova Lei sobre drogas
(11.343/06) na qual o porte de droga continua caracterizado como crime, mas
prevê que os usuários e dependentes não estejam mais sujeitos a prisão. O
usuário será apenas advertido, prestará serviços à comunidade, etc.
As propostas de descriminalização são uma armadilha pois um
traficante facilmente poderá transportar pequenas quantidades de droga sob
alegação de “uso pessoal”. Aliás, burlar a lei é o que fazem os traficantes, no
mercado financeiro com transações abaixo de 10 mil dólares ou nas estratégias
de defesa dos advogados do narcotráfico.
Uma das experiências de descriminalização das drogas foi a
instituição de zonas livres para o consumo de drogas em praças ou então a
criação de “narco-salas”. Essa política tem o nome de “redução de danos”. Como
o próprio nome diz não se trata de se eliminar as drogas mas, reduzir seus danos
de uma maneira “controlada”.
Uma dessas experiências foi a da praça Platzpitz em Zurique,
Suíça, no início da década de 1990. Pensava-se que liberando as drogas podia se
controlar seu uso. O que ocorreu foi o aumento da criminalidade e a
disseminação do vírus da Aids entre os freqüentadores. A área foi fechada em
1995.
Evidentemente distinguimos o traficante e o usuário. O
usuário deve se submeter a um tratamento compulsório com todos os recursos
disponíveis pelo Estado.
No entanto, instituir narco-salas ou zonas livres significa
partir do pressuposto que os dependentes continuarão a se drogar, devendo então
apenas se “reduzir os danos”.
A utilização de drogas acarreta uma doença crônica em que a
recaída é a regra. Por isso, permitir a utilização de drogas “sob controle”
através de narco-salas é absurdo. O uso contínuo de drogas acarreta doenças
cerebrais e psíquicas, agravadas pelo caráter viciante do produto, comprovado
cientificamente (LARANJEIRA, 2001).
Tratar realmente o usuário significa o governo bancar uma
ampla rede pública com centros de tratamento com profissionais bem treinados.
Os governos devem efetivamente combater pela eliminação do consumo e não
destinar parcos recursos que não fazem outra coisa que manter os toxicômanos se
drogando sem reabilitá-los, apenas “reduzindo danos”.
Conclusões
A economia da droga é parasitária, não contribui para
melhorar as condições de vida das populações e arruína o componente decisivo
das forças produtivas: o trabalhador. A economia da droga é uma força destrutiva
pois destrói a força de trabalho se alimentando do desemprego, da
desindustrialização, e da narco-reciclagem das economias agrárias.
Combater a produção de drogas exigiria que fossem
completamente questionadas as políticas de “ajuste estrutural” sob a qual o
tráfico encontra seu sustento (privatizações, demissões, sub-emprego). A luta
contra a lavagem exigiria um ataque a todo o sistema mundial de circulação de
capitais.
Portanto, não é a toa que, de acordo com GLUCKSTEIN (1994,
p 41):
(...) se o dinheiro da droga
fosse suprimido, seria um setor inteiro das fontes da atividade especulativa
que desapareceria, o qual estima-se, tem uma progressão de cerca de 2 trilhões
de dólares por ano, desde o início da década de 80. Pode-se mesmo dizer que, na
falta de uma política de conjunto de erradicação da economia da droga, o
imperialismo está empenhado numa via que é a do controle sobre os fluxos de
capitais resultantes do tráfico de droga. A tal ponto que existem cada vez mais
vozes a defenderem a legalização pura e simples do narcotráfico.
Todos aqueles que defendem a emancipação política e social
da classe trabalhadora devem abordar o problema da droga do ponto de vista da
luta de classe para defendermos os direitos e a própria existência dos trabalhadores
e de suas organizações o que inclui a defesa da própria saúde. A droga não é
apenas contra-revolucionária. A droga é uma forma privilegiada de ataque contra
a classe operária e em especial contra a juventude operária.
Uma plataforma mínima contra as drogas significaria: fazer
a reforma agrária nas terras em que se produz droga e incentivar a política de
substituição de cultivos; confiscar todo o dinheiro e as propriedades oriundas
do tráfico e da lavagem; acabar com o sigilo bancário e centralizar o crédito
nas mãos do Estado (nacionalização dos bancos); defender um tratamento público,
eficaz e humanitário aos dependentes de drogas com recursos suficientes
bancados integralmente pelo Estado; por fim, uma política que gerasse emprego
para todos, começando pela redução da jornada sem redução de salário.
O fim da droga não ocorrerá pelo capitalismo. Somente a
expropriação do capital, a liquidação do Estado burguês, a liquidação da
exploração, ou seja, somente com a revolução proletária, o problema da droga
poderá ser cortado pela raiz.
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